Moisés,
Legislador, Reformador e Organizador
(Cerca
de 1.400 a.C.)
Moisés
– Profeta, e, o grande líder e legislador por meio de quem Deus retirou os
hebreus do Egito, os constituiu como nação para servi-lo e que levou às
fronteiras da terra prometida os seus antepassados.
A
Missão de Israel
Nada havia que fosse velado para ele, que cobria com um véu a
essência de tudo o que vira. (Palavras inscritas sob a estátua de Ftamar, grande sacerdote de Mênfis.
Museu do Louvre).
“O mais difícil e o mais obscuro dos livros sagrados, o Gênese,
contém tantos segredos quantas palavras, e cada palavra oculta vários daqueles.”
São Jerônimo
“Filho do passado e cheio do futuro, este livro (os dez
primeiros capítulos do Gênese), herdeiro de toda a ciência dos egípcios, contém
ainda os germes das ciências futuras. O que a natureza tem de mais profundo e
de mais misterioso, o que o espírito pode conceber de maravilhas, o que a
inteligência tem de mais sublime, ele possui.”
FABRE d'OLIVET, A Língua Hebraica
Reconstituída.
(Discurso preliminar)
MOISÉS
A
Missão de Israel
I
A
TRADIÇÃO MONOTEÍSTA E OS PATRIARCAS DO DESERTO
A revelação é tão velha quanto a humanidade consciente. Efeito da
inspiração, ela remonta à noite dos tempos. Basta um olhar atento nos livros
sagrados do Irã, da Índia e do Egito, para nos assegurarmos de que as
idéias-mães da doutrina esotérica constituem sua base oculta, mas vívida.
Nelas se encontra a alma invisível, o princípio gerador daquelas grandes
religiões. Todos os grandes iniciadores perceberam, em um dado momento de sua
vida, a irradiação da verdade central. No entanto, a luz que dela colheram
rompeu-se e coloriu-se conforme seu gênio e seu mistério, de acordo com os
tempos e os lugares.
Atravessamos a iniciação ariana com Rama, a bramânica com Krishna, a
de Ísis e Osíris com os sacerdotes de Tebas. Podemos negar, depois
disto, que o princípio imaterial do Deus supremo, que constitui o dogma
essencial do monoteísmo e a unidade da natureza tenha sido ignorado pelos
brâmanes e pelos sacerdotes de Âmon-Rá? Sem dúvida, eles não faziam o mundo
nascer de um ato instantâneo, de um capricho da divindade como nossos teólogos
primários. Mas, sábia e gradualmente, pelo caminho da emanação e da evolução, eles
arrancavam o visível do invisível, o Universo das
profundezas insondáveis de Deus.
A dualidade macho e fêmea saía da unidade primitiva, a trindade viva
do homem e do Universo saía da dualidade criadora e assim sem interrupção.
Os números sagrados constituíam o verbo eterno, o ritmo e o
instrumento da divindade. Contemplados com maior ou menor lucidez e força, eles evocavam
no espírito do iniciado a estrutura interna do mundo através de sua própria
estrutura. Assim como a nota certa, extraída por meio de um arco de um vidro
coberto de areia, desenha em miniatura as formas harmoniosas das vibrações que
enchem o vasto reino do ar com suas ondas sonoras.
Mas o monoteísmo esotérico do Egito jamais saiu dos santuários.
Sua ciência sagrada conservou-o como privilégio de uma pequena minoria. Os
inimigos de fora começavam a atacar vivamente aquele antigo baluarte de
civilização. Na época a que chegamos, século XII antes de Cristo, a Ásia
naufragava no culto da matéria. A Índia já marchava, a passos largos, para sua
decadência. Um poderoso império erguera-se às margens do Eufrates e do Tigre!
Babilônia, aquela cidade colossal e monstruosa, desvairando os povos nômades
que rondavam em torno. Os reis da Assíria se proclamavam monarcas das quatro partes
do mundo e aspiravam a assentar-se os limites de seu império lá mesmo onde
termina a terra. Eles aniquilavam os povos, deportavam-nos em massa,
reuniam-nos em brigada e os lançavam uns contra os outros. Nem direitos
pessoais, nem respeito humano, nem princípio religioso, porém a ambição pessoal
sem freio, tal era a lei dos sucessores de Ninus e de Semíramis.
Baixo-relevo de Nínive, antiga
capital da Assíria,
vê-se Nemrod, estrangulando um Leão.
A ciência dos sacerdotes caldeus era profunda, mas muito menos pura,
menos elevada e menos eficaz do que a dos sacerdotes egípcios.
No Egito, a autoridade permaneceu com a ciência. O sacerdócio lá exerceu
sempre um poder moderador sobre a realeza. Os faraós foram seus discípulos e
jamais se tornaram odiosos déspotas como os reis de Babilônia, onde, ao contrário,
o sacerdócio esmagado foi, desde o princípio, só um instrumento da tirania.
Em um baixo-relevo de Nínive, vê-se Nemrod, gigante atarracado, estrangulando
com seu braço monstruoso um filhote de leão que ele aperta contra o peito.
Símbolo expressivo: foi assim que os monarcas da Assíria sufocaram o leão iraniano,
o povo heróico de Zoroastro, assassinando seus pontífices, degolando os colegas
magos, espoliando seus reis. Se os richis da Índia e os sacerdotes do Egito
fizeram a Providência reinar com certa moderação sobre a terra, mediante sua
sabedoria, pode-se dizer que o reino de Babilônia foi o reino do Destino, isto
é, da força bruta e cega.
Babilônia tornou-se assim o centro tirânico da anarquia
universal, o espectador impassível da tempestade social que envolvia a Ásia em
seus turbilhões; espectador impassível do Destino, sempre aberto, espreitando
as nações para devorá-las. O que podia o Egito contra a torrente invasora?
Faltou pouco para os hicsos o devorarem. Resistia valentemente, mas isto não
podia durar para sempre. Decorridos seis séculos, o ciclone persa, sucedendo ao
ciclone babilônico, iria varrer seus templos e seus faraós. O Egito, que, aliás,
possuiu no mais alto grau o gênio da iniciação e da conservação, jamais possuiu
o gênio da expansão e da propaganda. Os tesouros acumulados de sua ciência
iriam perecer? A maior parte certamente foi enterrada. E quando vieram os
alexandrinos somente fragmentos puderam ser desenterrados.
Entretanto, dois povos de gênio oposto acenderam suas tochas naqueles
santuários, tochas de raios diversos, um dos quais ilumina as profundezas do
céu, e o outro clareia e transfigura a terra: Israel e Grécia.
A importância do povo de Israel para a história da humanidade
salta aos olhos, logo à primeira vista, por duas razões. A
primeira é que ele representa o monoteísmo; a segunda é que ele deu origem ao cristianismo.
Mas, o fim providencial da missão de Israel somente se revela a quem,
interpretando os símbolos do Antigo e do Novo Testamento, percebe que eles
encerram toda a tradição esotérica do passado, ainda que sob
uma forma muitas vezes alterada (no que concerne ao Antigo Testamento
sobretudo), pelos numerosos redatores e tradutores, a maior parte dos quais
ignoravam o seu sentido primitivo.
Então, o papel de Israel torna-se claro. Pois este povo forma
como que o elo necessário entre o antigo e o novo ciclo, entre o
Oriente e o Ocidente.
A idéia monoteísta tem por consequência a unificação da humanidade
sob um mesmo Deus e sob uma mesma lei. Porém, enquanto os teólogos tiverem de
Deus uma idéia infantil e os homens de ciência o ignorarem e o negarem pura e
simplesmente, a unidade moral, social e religiosa de nosso planeta não passará
de um piedoso desejo ou um postulado da religião e da ciência impotentes para
realizá-la. Ao contrário, esta idéia orgânica se revela possível quando se reconhece,
esotérica e cientificamente, no princípio divino a chave do mundo e
da vida, do homem e da sociedade em sua evolução. Enfim,
o cristianismo, isto é, a religião
do Cristo, só se revela em sua altura e sua universalidade, mostrando-nos
sua reserva esotérica. Somente então ele se mostra como a resultante de tudo o que o
precedeu, sintetizando em si os
princípios, o fim e os meios da regeneração total da humanidade.
Não é senão em nós, desvendando seus últimos mistérios, que ele
se tornará o que é verdadeiramente: a religião da promessa e da
realização, quer dizer, da iniciação universal.
Moisés,
iniciado egípcio e sacerdote de Osíris, foi incontestavelmente
o organizador do monoteísmo. Por, seu intermédio, esse princípio, até
então oculto sob o tríplice véu dos mistérios, saiu do fundo do templo para
entrar no círculo da história. Moisés teve a audácia de fazer do
mais alto princípio da iniciação o dogma único de uma religião nacional, e a
prudência de revelar suas consequências somente a um pequeno número de
iniciados, impondo-o à massa pelo temor. Além disso, o profeta do Sinai
evidentemente teve visões longínquas que ultrapassavam de muito os destinos de
seu povo.
A religião universal da humanidade, eis a verdadeira missão de Israel,
que poucos judeus compreenderam, além de seus maiores profetas.
Esta missão, para se concretizar, supunha o desaparecimento do povo que a
representava. A nação judaica se dispersou aniquilada.
A idéia de Moisés e dos Profetas venceu e cresceu.
Desenvolvida, transfigurada pelo cristianismo, retomada pelo Islão, ainda que
de um modo inferior, ela devia impor-se ao Ocidente bárbaro, reagir sobre a própria
Ásia. Doravante a humanidade terá, inutilmente, agido, se revoltado, se
debatido contra ela em sobressaltos convulsivos, pois tornará a girar em redor
daquela mesma idéia central como a nebulosa em redor do Sol que a organiza. É
essa a obra formidável de Moisés.
Para realizar essa empresa, a mais colossal desde o êxodo pré-histórico
dos árias, Moisés encontrou um instrumento, já pronto, nas tribos hebraicas,
particularmente naquelas que, tendo-se fixado no Egito, no vale de Gochen, ali
viviam em regime de escravidão, sob o nome de Beni-Jacó. Para
o estabelecimento de uma religião monoteísta, ele tivera também precursores na
pessoa dos reis nômades e pacíficos que a Bíblia nos apresenta sob a figura de
Abraão, de Isac e de Jacó.
Consideremos esses hebreus e esses patriarcas. Tentaremos, em seguida,
destacar a figura de seu grande Profeta das miragens do deserto e das sombrias
noites do Sinai, onde ribomba o raio do Jeová legendário.
Há séculos, há milhares de anos eram conhecidos os ibrins, nômades infatigáveis, eternos
exilados (1). Irmãos dos árabes, os hebreus eram, como todos os semitas, o
resultado de uma antiga mistura da raça branca com a raça negra.
Peregrinaram pelo norte da África, sob o nome de bedones (beduínos), homens sem
morada e sem leito, depois, instalaram suas tendas móveis nos vastos desertos
entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico, entre o Eufrates e a Palestina.
Amonitas, elamitas, edomitas, todos esses viajores se assemelhavam. Tinham por veículo
o burro ou o camelo; por casa, a tenda;
por único bem, manadas errantes como
eles mesmos e sempre apascentando em terra estrangeira.
Antiga
Babilônia
Como seus ancestrais, os guiborinos, como
os primeiros celtas, esses rebeldes odiavam a pedra talhada, a cidade fortificada,
a corvéia e o templo de pedra. No entanto, as cidades monstros de
Babilônia e de Nínive, com seus palácios gigantescos, seus mistérios e suas libertinagens,
exerciam uma irresistível fascinação sobre esses semi-selvagens.
Atraídos a essas prisões de pedra, capturados pelos soldados dos reis da
Assíria, alistados em seus exércitos, eles às vezes se entregavam às orgias
de Babilônia. Outras vezes também os israelitas se deixavam seduzir pelas
moabitas, aquelas atrevidas enganadoras, de pele negra, de olhos luzentes. Elas
os arrastavam à adoração dos ídolos de pedra e de madeira e até ao culto de
Moloque. Mas, de repente, a sede do deserto os acometia e eles fugiam. Voltando
para os agrestes vales, onde só se ouvia o rugido das feras; para as planícies
imensas, onde só se podiam guiar pelas luzes das constelações, sob o frio olhar
daqueles astros que seus avós tinham adorado, eles tinham vergonha de si
mesmos. Se, então, um patriarca, um homem inspirado lhes falasse do Deus
único, de Elelion, de Eloim, de Sebaote, o Senhor dos exércitos que tudo vê e
pune o culpado, aquelas crianças selvagens e sanguinárias cobriam a cabeça e,
ajoelhando-se para rezar, deixavam-se conduzir como ovelhas.
E, pouco a pouco, a idéia do grande Eloim, do
Deus único, todo-poderoso, enchia sua alma, como no Padan-Harran o crepúsculo confunde
todos os acidentes do terreno sob a linha infinita do horizonte, inundando as
cores e as distâncias sob a igualdade esplêndida do firmamento e transformando
o Universo em uma só massa de trevas coroada por uma esfera cintilante de
estrelas.
Porém, quem eram os Patriarcas? Abram, Abraão, ou o pai Oram era um
rei de Ur, cidade da Caldéia, próxima de Babilônia.
Os assírios o representavam, segundo a tradição, sentado em um trono,
fisionomia benevolente (2). Esse personagem, bastante velho, que
passou pela história mitológica de todos os povos, pois que Ovídio o cita (3), é aquele
mesmo que a Bíblia nos apresenta como emigrando do país de Ur para o país de
Canaã, à voz do Eterno: “O Eterno lhe
apareceu e lhe disse: Eu sou o Deus forte, todo-poderoso. Marcha diante de
minha face e em integridade... Estabelecerei minha aliança entre mim e ti e
entre a posteridade para ser uma aliança eterna, a fim de que eu seja teu Deus
e o Deus da tua posteridade depois de ti” (Gen. XVI, 17, XVII,7). Esta passagem,
traduzida em linguagem de nossos dias, significa que um chefe semita de nome
Abraão, muito velho, que provavelmente recebera a iniciação
caldaica, sentiu-se impelido pela voz interior a conduzir sua tribo na
direção do Oeste e lhe impôs o culto de Eloim.
O nome de Isac, pelo prefixo Is, parece indicar uma iniciação
egípcia, enquanto que os de Jacó e de José deixam entrever uma origem fenícia.
Seja o que for, é provável que os três patriarcas tenham sido três chefes de
populações diversas que viveram em épocas distantes. Muito
tempo depois de Moisés, a lenda israelita os reuniu em uma só família. Isac
tornou-se o filho de Abraão, Jacó o filho de Isac. Esta
maneira de representar a paternidade intelectual pela paternidade física era
muito usada entre os antigos sacerdotes. Dessa genealogia
lendária ressalta um fato capital: a filiação do culto
monoteísta através dos patriarcas iniciados do deserto. Que
esses homens tenham tido pressentimentos interiores das revelações espirituais sob forma de
sonhos ou mesmo de visões no estado de vigília,
isto em nada contraria a ciência esotérica, nem a lei física universal que rege
as almas e os mundos. Esses fatos tomaram, na narrativa bíblica, a forma
simples de visitas de anjos que se alojam nas tendas.
A
escada de Jacó - Gustave Doré
Teriam tido, esses patriarcas, uma visão profunda da espiritualidade
de Deus e dos fins religiosos da humanidade? Sem dúvida alguma.
Inferiores, na ciência positiva, aos magos da Caldéia
como aos sacerdotes egípcios, provavelmente eles os
ultrapassavam pela elevação moral e pela largueza de alma que uma vida errante
e livre ocasiona. Para eles, a ordem sublime que Eloim implantou no Universo se
traduz na ordem social em culto familiar, em respeito por suas mulheres, em
amor apaixonado pelos filhos, em proteção a toda a tribo, em hospitalidade para
com o estrangeiro. Em resumo, aqueles “velhos pais” são árbitros naturais entre as
famílias e as tribos. Seu bastão patriarcal é um cetro de eqüidade. Eles
exercem uma autoridade civilizadora e transpiram a mansuetude e a paz. Aqui e
ali, sob a legenda patriarcal, vê-se manifestar-se o pensamento
esotérico. Assim, quando em Betel, Jacó vê em sonho uma escada, com Eloim
no alto e os anjos subindo e descendo seus degraus, reconhece-se
ali uma forma popular, um resumo judaico da visão de Hermes e da doutrina da evolução
descendente e ascendente das almas.
Alto
Sacerdote Melquisedec, Rei de Salém recebendo presentes
Um fato histórico da mais alta importância sobre a época dos patriarcas
nos aparece, enfim, em dois versículos reveladores. Trata-se
de um encontro de Abraão, com um confrade da iniciação. Depois
de ter guerreado com os reis de Sodoma e Gomorra, Abraão, vai render homenagem
a Melquisedec. Este rei reside na fortaleza que mais tarde será Jerusalém. “Melquisedec, rei de Salém fez servir pão e
vinho. Pois ele era sacrificador de Eloim, o Deus soberano, possuidor dos céus
e da terra.” (Gen. XIV, 18 e 19). Eis, portanto, um rei de Salém que é
grande sacerdote do mesmo Deus de Abraão. Este o trata como superior, como mestre,
comunga com ele sob as espécies do pão e do vinho, em nome de Eloim, o que, no
antigo Egito, era um sinal de comunhão entre iniciados.
Havia, pois, um laço de fraternidade, sinais de reconhecimento e um fim comum
entre todos os adoradores de Eloim, do fundo da Caldéia até a Palestina, e
talvez até em alguns santuários do Egito. Essa conjugação monoteísta esperava
apenas um organizador.
Assim, entre o Touro alado da Assíria e a Esfinge do Egito, que de
longe observam o deserto, entre a tirania esmagadora e o mistério impenetrável
da iniciação, avançam as tribos eleitas dos Abramitas, dos Jacobelitas, dos
Beni-Israel. Fogem das festas indecorosas de Babilônia; passam, desviando-se,
diante das orgias de Moa, dos horrores de Sodoma e de Gomorra e do culto
monstruoso a Baal.
Sob a proteção dos patriarcas, a caravana segue seu caminho, cercado
de oásis, marcado por raras fontes e esguias palmeiras. Como uma longa fita ela se perde na imensidão do
deserto, sob o sol abrasador, sob a púrpura do pôr-do-sol e sob o manto do
crepúsculo que Eloim domina. Nem os rebanhos, nem as mulheres, nem os velhos
conhecem o fim da eterna viagem. Todavia, eles avançam ao passo dolente e resignado
dos camelos.
Para onde vão eles assim, sempre?
Os patriarcas o sabem. E Moisés lhes revelará um dia.
(1). Ibrim quer dizer “os do outro lado, os do além, aqueles que
atravessaram o rio”. Renan, Hist. du peuple d’Israel.
(2). Renan, Peuple d'Israel.
(3). Rexit Achaemenias pater Orchamus, isque Septimus a prisco numeratur
origine Belo. Ovídio, Metamorfoses, IV, 212.
II
INICIAÇAO
DE MOISÉS NO EGITO.
SUA
FUGA PARA A CASA DE JETRO
Ramsés II foi um dos grandes monarcas do Egito. Seu
filho se chamava Meneftá. Segundo o costume egípcio, ele recebeu sua instrução dos sacerdotes.
No templo de Âmon-Ra, em Mênfis, sendo a arte real considerada um ramo da arte
sacerdotal. Meneftá era um jovem tímido, curioso e de inteligência medíocre. Tinha
pelas ciências ocultas uma paixão pouco esclarecida, a qual o tornou mais tarde
vítima dos mágicos e dos astrólogos de baixo nível. Seu
companheiro de estudos era um jovem de gênio áspero, de caráter estranho e
fechado.
Moisés
(ou Hosarsif)
Hosarsif
(1) (Primeiro
nome egípcio de Moisés) era primo de Meneftá, filho da
princesa real, irmã de Ramsés II Filho adotivo ou natural? Jamais se soube (2).
Hosarsif era, antes de tudo, o filho do templo, pois crescera entre suas
colunas. Votado a Ísis e Osíris por sua mãe, era visto desde a adolescência
como levita, na coroação do faraó, nas procissões sacerdotais das grandes festas,
levando o efodo, o cálice ou os
incensórios; depois, no interior do templo, grave e atento, ouvindo as
orquestras sagradas, os hinos e os ensinamentos dos sacerdotes.
Hosarsif era de pequena estatura, tinha a fisionomia humilde e pensativa,
com uma fronte como a de um carneiro e olhos negros penetrantes, de uma fixidez
de águia e de uma profundidade inquietante. Chamavam-no “o
silencioso”, tanto se concentrava em si mesmo, quase sempre mudo. Muitas
vezes gaguejava ao falar, como se procurasse as palavras ou temesse manifestar
seu pensamento. Parecia tímido. Depois, de repente e como um relâmpago uma
idéia extraordinária explodia numa palavra e deixava atrás de si rastros de
luz. Compreendia-se então que, se um dia “o silencioso” se pusesse a agir, ele
seria de um arrojo assustador. Já estava marcada, entres suas sobrancelhas, a
ruga fatal dos homens predestinados às penosas tarefas; e sobre sua fronte
pairava uma nuvem ameaçadora.
As mulheres temiam o olhar desse jovem levita,
olhar insondável como o túmulo, e sua face impassível como a porta do templo de
Ísis. Dir-se-ia que elas pressentiam um inimigo do sexo feminino nesse
futuro representante do princípio masculino em religião,
naquilo que ele tem de mais absoluto e de mais intratável.
Contudo, sua mãe, a princesa real, ambicionava para o filho o trono
dos Faraós. Hosarsif era mais
inteligente do que Meneftá e podia esperar uma usurpação do trono com o apoio
do sacerdócio. Os Faraós, na verdade, designavam seus sucessores entre os
próprios filhos. Mas, às vezes, os sacerdotes anulavam a sentença do príncipe
após sua morte, e isto no interesse do Estado. Mais de uma vez, eles afastaram
do trono os indignos e os fracos, para dar o cetro a um iniciado real. Meneftá tinha
ciúmes do primo; Ramsés vigiava-o e desconfiava do Levi silencioso.
Um dia, a mãe de Hosarsif
encontrou o filho no Serapeum de Mênfis, imensa praça, semeada de obeliscos, de
mausoléus, de pequenos e grandes templos, de colunas triunfais, uma espécie de museu
a céu aberto das glórias nacionais, onde se chegava por uma avenida ladeada por
seiscentas esfinges. Diante da real mãe, o Levi inclinou-se até o chão e
esperou, segundo o costume, que ela lhe dirigisse a palavra.
Disse-lhe ela:
–
Vais penetrar nos mistérios de Ísis e de Osíris. Não te verei mais por muito
tempo, meu filho. Mas não te esqueças de que és do sangue dos faraós e que sou
tua mãe. Olha ao teu redor... se quiseres, um dia... tudo isto pertencerá a ti!
E com um gesto circular ela apontou-lhe os obeliscos, os
templos, Mênfis e todo o horizonte.
Um sorriso de desdém aflorou na fisionomia de Hosarsif, habitualmente lisa e imóvel
como uma face de bronze. E ele falou:
–
Queres, então, que eu governe este povo que adora Deuses com cabeça de chacal,
de íbis e de hiena? De todos estes ídolos, em alguns séculos, o que restará?
Hosarsif
abaixou-se, apanhou um punhado de areia fina do deserto e a deixou deslizar
para o chão por entre os dedos magros e, aos olhos da mãe espantada,
acrescentou:
–
Tanto quanto isto.
–
Desprezas, portanto, a religião de nossos pais e a ciência de nossos
sacerdotes?
–
Ao contrário! Eu aspiro a elas! Mas a pirâmide é imóvel. É preciso que ela se
ponha em marcha. Não serei um Faraó. Minha pátria está longe daqui... ao longe.
. . no deserto!
A princesa reprovou-o, dizendo:
–
Hosarsif! Por que blasfemas? Um vento de fogo te trouxe a meu seio e, estou
percebendo, é a tempestade que te levará! Eu te coloquei no mundo e não te
conheço. Em nome de Osíris, quem és tu, então, e o que vais fazer?
–
E eu mesmo o sei? Somente Osíris o sabe. Talvez ele me revelará um dia. Mas,
dá-me tua bênção, minha mãe, a fim de que Ísis me proteja e a terra do Egito me
seja propícia.
Hosarsif
ajoelhou-se diante da mãe, respeitosamente cruzou as mãos sobre o peito e
curvou a cabeça. Desprendendo-se da fronte a flor de lótus que trazia, segundo
o costume das mulheres do templo, ofereceu-lhe para aspirar seu perfume, e, vendo
que o pensamento do filho permaneceria para ela um eterno mistério, afastou-se
murmurando
uma prece.
Hosarsif atravessou triunfalmente a iniciação de
Ísis. Alma de aço, vontade de ferro, ele se divertiu com as provas.
Espírito matemático e universal, desdobrou uma força de gigante na inteligência
e no manejo dos números sagrados cujo simbolismo fecundo e aplicações eram
então quase infinitos. Seu espírito, desdenhoso das coisas que nada mais são que aparência
e dos indivíduos que passam, só se sentia bem nos princípios imutáveis.
Lá do alto, tranquila e seguramente, ele penetrava, ele dominava tudo, sem
manifestar nem desejo, nem revolta, nem curiosidade.
Tanto para seus mestres como para sua mãe, Hosarsif
continuava sendo um enigma. O que mais os impressionava era que
ele era íntegro e inflexível como um príncipe. Sentiam ser
impossível curvá-lo ou desviá-lo do caminho traçado.
Ele marchava em sua estrada desconhecida como um corpo celeste em sua órbita
invisível. O pontífice Membra se perguntava até onde iria aquela ambição concentrada:
procurou sabê-lo.
Um dia, Hosarsif carregara,
com três outros sacerdotes de Osíris, a arca de ouro que precedia
o pontífice nas grandes cerimônias. Aquela arca encerrava os dez livros mais
secretos do templo, que tratavam de magia e de teurgia.
Entrando no santuário com Hosarsif,
Membra lhe disse:
–
És de sangue real. Tua força e tua ciência estão acima de tua idade. O que
desejas?
–
Nada além disto.
E Hosarsif pousou a
mão na arca sagrada que as tarrafas de ouro fundido cobriam com suas asas
cintilantes.
–
Queres tornar-te, então, pontífice de Âmon-Rá e profeta do Egito?
–
Não. Mas saber o que existe nestes livros.
–
Como sabê-lo-ias tu, uma vez que ninguém, exceto o pontífice, deve conhecê-los?
–
Osíris fala como quer, quando quer, a quem quer. O que contém esta arca não
passa de letra morta. Se o Espírito vivo quiser falar a mim, ele falará.
–
E para isto, o que pretendes fazer?
–
Esperar e obedecer.
Essas respostas transmitidas a Ramsés II aumentaram-lhe a desconfiança.
Ele temeu que Hosarsif aspirasse ao
faraonato, em detrimento de seu filho, Meneftá. O faraó ordenou, em consequência,
que o filho de sua irmã fosse nomeado
escriba sagrado do templo de Osíris. Esta função era importante, abrangendo
a simbologia sob todas as formas, a cosmografia e a astronomia; todavia,
afastava-o do trono. O filho da princesa real desempenhou com o mesmo zelo e
uma submissão perfeita seus deveres de hierogramático,
aos quais se ligava também a função de inspetor de diferentes nomos ou
províncias do Egito.
Hosarsif
teria o orgulho que lhe atribuíam? Sim, se é por orgulho que o leão cativo
ergue a cabeça e olha o horizonte por detrás das barras de sua jaula, sem mesmo
ver os transeuntes que o encaram. Sim, se é por orgulho que a águia
acorrentada, treme, às vezes, com toda sua plumagem e, com o pescoço estendido
e as asas abertas, fita o sol.
Como todos os fortes, marcados para uma grande obra,
Hosarsif não se acreditava submetido
ao cego Destino; sentia que uma Providência misteriosa velava por ele e o guiaria a
seus fins. Enquanto era escriba sagrado, Hosarsif foi enviado para inspecionar o Delta. Os hebreus
tributários do Egito, que então habitavam o vale de Gossen, estavam submetidos
a rudes tarefas.
Ramsés II ligava Pelusa a Heliópolis por uma cadeia de fortes.
Todos os homens do Egito deviam fornecer um contingente de operários para aqueles
trabalhos gigantescos. Os Beni-Israel estavam sobrecarregados dos mais pesados serviços. Eram
sobretudo talhadores de pedra e britadores. Independentes e altivos, eles não
se curvavam tão facilmente quanto os indígenas sob o bastão dos gendarmes
egípcios, mas se revoltavam e às vezes revidavam os golpes. O
sacerdote de Osíris não pôde evitar uma secreta simpatia por esses intratáveis
“de cabeça empertigada”, cujos Anciãos, fiéis à tradição abrâmida, adoravam simplesmente
o Deus único, que veneravam seus chefes, seus hags e seus zakens, mas resistiam
ao jugo e protestavam contra a injustiça.
Um dia, ele viu um gendarme egípcio cobrir de golpes um hebreu
indefeso. Seu coração vibrou e ele se lançou sobre o egípcio, arrancou-lhe
a arma e o matou incontinenti. Este ato, cometido na efervescência de uma
indignação generosa, decidiu sua vida. Os sacerdotes de Osíris que
cometessem um assassinato eram severamente julgados pelo
colégio sacerdotal. O Faraó já supunha um usurpador no
filho de sua irmã. A vida do escriba, portanto, estava por um fio. Ele
preferiu exilar-se e impor-se a si mesmo à expiação.
Tudo o impelia para a solidão do deserto,
para o vasto desconhecido – seu desejo, o pressentimento de sua missão e, acima
de tudo, aquela voz interior, misteriosa, mas irresistível, que lhe disse em certas
horas: “Vai! É teu destino!”
Além do Mar Vermelho e da Península do Sinai, no país de Madiã,
erguia-se um templo que não estava subordinado ao sacerdócio egípcio. Essa
região se estendia como uma faixa verde entre o golfo elamítico e o deserto da
Arábia. De longe, para além do braço do mar, percebiam-se as massas sombrias do
Sinai e seu píncaro descoberto.
Encravado entre o deserto e o Mar Vermelho, protegido por um maciço
vulcânico, aquele país isolado estava ao abrigo das invasões. O
templo era consagrado a Osíris, mas ali se adorava também o Deus soberano, sob
o nome de Eloim. Pois o santuário de origem etíope servia como centro religioso
aos árabes, aos semitas e aos homens de raça negra que buscavam a
iniciação.
Fazia séculos já que o Sinai e o Horeb eram o centro místico de um
culto monoteísta. A grandeza nua e selvagem da montanha, erguendo-se
completamente só entre o Egito e a Arábia, despertava a idéia do Deus único. Muitos
semitas lá iam em peregrinação adorar
Eloim. Eles ficavam alguns dias jejuando e rezando nas cavernas e galerias
cavadas nos flancos do Sinai. Antes, porém, se purificavam e se instruíam
no templo de Madiã.
Foi nesse local que se refugiou Hosarsif.
O grande sacerdote de Madiã ou o Raguel. (vigia
de Deus) chamava-se então Jetro(3).
Era um homem de pele negra(4). Pertencia ao mais puro tipo da antiga
raça etíope, que quatro ou cinco mil anos antes de Ramsés reinara no Egito e
que não perdera suas tradições, as quais remontavam às mais
velhas raças do globo. Jetro não era nem um inspirado, nem um homem de ação, mas
um grande sábio. Possuía tesouros de ciência acumulados na memória e nas
bibliotecas de pedra de seu templo. E, além disso, era o protetor dos homens do
deserto: nômades líbios, árabes, semitas. Esses eternos errantes, sempre os mesmos,
com sua vaga aspiração ao Deus único, representavam algo de imutável em meio
dos cultos efêmeros e às civilizações decadentes.
Sentia-se neles como que a presença do Eterno, o memorial das
eras longínquas, a grande reserva de Eloim. Jetro era o pai espiritual
desses insubmissos, desses errantes, desses livres. Ele conhecia sua alma e pressentia seu destino.
Quando Hosarsif pediu-lhe
asilo em nome de Osíris-Eloim, ele o recebeu de braços abertos. Talvez,
imediatamente, tenha adivinhado naquele fugitivo o homem predestinado a
tornar-se o profeta dos banidos,
o condutor do povo de Deus.
Hosarsif
quis, primeiro, submeter-se às expiações que a lei
dos iniciados impunha aos assassinos. Quando um sacerdote de Osíris cometia
um assassinato, mesmo involuntário, estava sujeito a perder o benefício de sua
ressurreição antecipada “na luz de Osíris”, privilégio que obtivera mediante as
provas da iniciação, e que o colocava muito acima do comum dos homens. Para expiar
seu crime, para recuperar sua luz interior, ele devia submeter-se a provas mais
cruéis, e ainda uma vez expor-se à morte. Após um longo jejum e por meio de
certas beberagens, o paciente era mergulhado num sono letárgico, depois era depositado
num túmulo do Templo, onde ficava dias, às vezes até semanas(5). Durante
esse tempo ele viajaria para o Além, para o Erebe ou para a região de Amenti,
onde flutuam as almas dos mortos que ainda não foram desligados da atmosfera
terrestre.
Lá, ele deveria procurar sua vítima, sofrer suas angústias, obter seu
perdão e ajudá-la a encontrar o caminho da luz. Somente então considerava-se
expiado seu crime de morte, somente então seu corpo astral
ficava limpo das nódoas negras que lhe deixavam o sopro envenenado e as
imprecações da vítima. Porém, dessa viagem real ou imaginária, o culpado podia muito
bem não voltar, e muitas vezes, quando os sacerdotes iam despertar o réu de seu
sono letárgico, encontravam apenas um cadáver.
Hosarsif
não hesitou em submeter-se a essa prova e a outras mais(6) . Sob a
impressão do assassinato que cometera, havia compreendido o caráter imutável de
certas leis de ordem moral e a profunda perturbação que sua
infração deixara no fundo da consciência. Foi com inteira
abnegação que ofereceu seu próprio ser em holocausto a Osíris, pedindo-lhe, se
voltasse à luz terrestre, força para manifestar a lei da justiça. Quando Hosarsif saiu do sono temível no
subterrâneo do templo de Madiã, sentiu-se um homem
transformado. Seu passado estava como que desligado dele, o
Egito deixara de ser sua pátria, e diante dele a imensidão do
deserto, com seus nômades errantes, se estendia como um novo campo de ação. Ele
avistou a montanha de Eloim no horizonte e, pela primeira vez, como uma
tormenta que se pressentia nas nuvens escuras e espessas do Sinai, a
idéia de sua missão perpassou-lhe o espírito: Formar com
aquelas tribos instáveis um povo de combate que representasse a lei
do Deus supremo em meio à idolatria dos cultos e anarquia das nações –
um povo que transmitisse aos séculos futuros a verdade selada na arca
de ouro da iniciação.
E naquele mesmo dia, para marcar a nova era que começava em sua
vida, Hosarsif tomou
o nome de Moisés, que significa: o Salvo.
(1). Primeiro nome egípcio de Moisés. (Maneton, citado por
Filão).
(2). O relato bíblico (Êxodo II, 1-10) apresenta Moisés como um
judeu da tribo de Levi recolhido pela filha do Faraó nos caniços no Nilo, onde
a astúcia materna o havia colocado para comover a princesa e salvar a criança de
uma perseguição idêntica à de Herodes. Ao contrário, Maneton, o sacerdote
egípcio ao qual devemos as informações mais exatas sobre as dinastias dos
Faraós, informações hoje confirmadas pelas inscrições dos monumentos, afirma que
Moisés foi um sacerdote de Osíris. Estrabão que extraiu suas informações da
mesma fonte, isto é, dos sacerdotes egípcios, confirma-o igualmente.
A fonte egípcia tem, aqui, mais valor do que a fonte judaica,
pois os sacerdotes do Egito não tinham nenhum interesse em fazer os gregos ou romanos
acreditarem que Moisés era um dos seus, enquanto que o amor próprio nacional
dos judeus impunha-lhes fazer do fundador de sua nação um homem do mesmo
sangue. O texto bíblico reconhece, aliás, que Moisés foi educado no Egito e
enviado por seu governo como inspetor dos judeus de Gossen. Este
é o fato importante, capital, que estabelece a filiação secreta entre a
religião mosaica e a iniciação egípcia. Clemente de Alexandria acreditava
que Moisés era profundamente iniciado na ciência do Egito e que, de fato, a
obra do criador do Israel seria incompreensível sem ela.
(3). Êxodo, III,1.
(4). Mais tarde (Números, III, 1), após o êxodo, Aarão e Maria,
irmão e irmã de Moisés, segundo a Bíblia, reprovaram-no por ter esposado uma mulher
da Etiópia. Jetro, pai de Séfora, era portanto dessa raça.
(5). Viajantes de nosso século constataram que faquires hindus
se fizeram enterrar após terem mergulhado em sono cataléptico, indicando o dia preciso
em que deviam ser desenterrados. Um deles, após três semanas de amortalhamento,
foi encontrado vivo, são e salvo.
(6). As sete filhas de Jetro citadas na Bíblia (Êxodo,II,16-20) evidentemente
têm um sentido simbólico, como todo esse texto que nos chegou sob uma forma
lendária e inteiramente popularizada. É mais do que inverossímil que o
sacerdote de um grande templo fizesse suas filhas apascentar rebanhos, e que
reduzisse um sacerdote egípcio ao papel de pastor.
As sete filhas de Jetro simbolizam as sete virtudes que o iniciado
era forçado a conquistar para abrir o poço da verdade.
Esse poço, na história de Agar e de Ismael, era denominado “o poço do Vivente
que me vê”.
III
O
SÉFER BERESCHIT
Moisés casou-se com Séfora, filha de Jetro,
e permaneceu muitos anos junto do sábio de Madiã. Graças às tradições etíopes e
caldeias que encontrou no templo, pôde completar e fazer uma revisão no que aprendera
nos santuários egípcios, ampliar sua visão dos mais antigos ciclos da
humanidade e projetá-las, por indução, para os horizontes longínquos do futuro.
Foi na casa de Jetro que ele encontrou dois livros de cosmogonia mencionados no
Gênese: As Guerras de Jeová e As Gerações de Adão. Entregou-se
inteiramente ao estudo deles.
Para a obra que sonhava realizar era preciso envidar todos os reforços.
Antes dele, Rama, Krishna, Hermes, Zoroastro, Fo-Hi haviam criado
religiões para os povos; Moisés quis
criar um povo para a religião eterna. Para esse projeto tão ousado, novo e colossal, era necessária
uma base poderosa. Por isso Moisés escreveu o Séfer Bereschit, seu Livro de Princípios, síntese da ciência
passada e quadro da ciência futura, chave dos mistérios, tocha dos iniciados,
incentivo para a união de toda a nação.
Procuremos ver o que foi o Gênese no raciocínio de Moisés.
Certamente, naquela época, o Gênese irradiava uma outra luz,
abrangia mundos mais vastos do que o mundo infantil e a pequena terra que nos aparecem
na tradição grega dos Setenta, ou na tradição latina de São Jerônimo!
A exegese bíblica deste século difundiu a idéia de que o Gênese não
é obra de Moisés, e até mesmo que esse profeta poderia muito bem não ter
existido e não passar de um personagem lendário, fabricado quatro ou cinco
séculos mais tarde pelo sacerdote judaico, para atribuir-se uma origem divina.
A crítica moderna fundamenta esta opinião na circunstância de que o Gênese
compõe-se de fragmentos diversos (eloísta e jeovista) costurados num conjunto,
e que sua redação atual é posterior, pelo menos uns quatrocentos anos, à época
em que Israel saiu do Egito. Os fatos estabelecidos pela crítica moderna,
quanto à época da redação dos textos que possuímos, são exatos; as conclusões
que deles tira são arbitrárias e ilógicas. Por os terem escrito, eloístas e
jeovistas, quatrocentos anos após o Êxodo, não nos autoriza a concluir que tenham
sido os inventores do Gênese e que não tenham trabalhado sobre um documento
anterior, talvez mal compreendido.
O fato de o Pentateuco nos apresentar uma narrativa lendária na vida
de Moisés não significa que nada contenha de verdadeiro.
A missão do profeta explica-se reintegrada em seu meio natal: o templo solar de
Mênfis. Enfim, o que há de mais profundo no Gênese somente se revela à
luz dos princípios extraídos da iniciação de Ísis e de Osíris.
Uma religião não se constitui sem um iniciador.
Os judeus, os Profetas, toda a história de Israel provam a existência de
Moisés; mesmo Jesus não se concebe sem ele. Ora, o Gênese contém a essência da
tradição mosaica. Ainda que ela tenha sofrido algumas transformações, a
venerável múmia deve conter, sob a poeira dos séculos e as faixinhas
sacerdotais, a idéia-mãe, o pensamento vivo, o testamento do profeta de Israel.
Israel gravita em torno de Moisés tão seguramente, tão fatalmente quanto
a Terra gira em torno do Sol.
Mas, isto posto, outra coisa é saber quais foram as idéias-mães do Gênese,
o que Moisés quis legar à posteridade nesse testamento secreto do Séfer
Bereschit.
O problema, talvez, só pode ser resolvido sob o ponto de vista esotérico,
e assim se coloca: a intelectualidade de Moisés, em sua qualidade de iniciado
egípcio, devia estar à altura da ciência egípcia, que admitia, como a nossa, a
imutabilidade das leis do Universo, o desenvolvimento dos mundos pela evolução
gradual, e que tinha, além do mais, sobre a alma e a natureza invisível, noções
extensas, precisas, lógicas. Se foi tal a ciência de Moisés e como não a teria
tido o sacerdote de Osíris? – como conciliá-la com as idéias infantis do Gênese,
sobre a criação do mundo e sobre a origem do homem?
Esta história da criação, que, tomada ao pé da letra, faz sorrir
o escolar de nossos dias, não esconderia um profundo sentido simbólico,
trazendo oculta uma chave para decifrá-lo? Este sentido, qual é ele ? Esta
chave, onde encontrá-la?
A chave se acha: 1º no simbolismo egípcio; 2º no simbolismo de todas
as religiões do antigo ciclo; 3º na síntese da doutrina dos iniciados, tal como
resulta da comparação do ensino esotérico desde a Índia védica até os iniciados
cristãos dos primeiros séculos.
Os sacerdotes do Egito, contam-nos os autores gregos, tinham
três maneiras para exprimir seu pensamento. “A
primeira era clara e simples, a segunda simbólica e figurada, a terceira
sagrada e hieroglífica. A mesma palavra tomava, à vontade, o significado
próprio, figurado ou transcendental. Era assim a flexibilidade de sua
linguagem. Heráclito exprimiu perfeitamente essa diferença, designando-a pelos epítetos
de falante, de significante e de ocultante” (1).
Nas ciências teogônicas e cosmogônicas, os sacerdotes egípcios empregaram
sempre a terceira maneira de escrever. Seus hieróglifos tinham, então, três
sentidos correspondentes e distintos. Os dois últimos não podiam
ser compreendidos sem chave. Essa maneira de escrever, enigmática
e concentrada, apoiava-se num dogma fundamental da doutrina
de Hermes, segundo o qual uma mesma lei rege o mundo natural, o mundo
humano e o mundo divino. Esta linguagem, de uma concisão prodigiosa, ininteligível
ao vulgo, possuía uma singular eloquência para o adepto;
pois, por meio de um único sinal, ela evocava os princípios, as causas e os
efeitos que da divindade irradiam na natureza cega, na consciência humana e no
mundo dos puros espíritos.
Graças a essa escrita, o adepto abrangia os três mundos com um só olhar.
Não resta dúvida de que, dada a formação de Moisés, ele tenha escrito
o Gênese em hieróglifos egípcios nos três sentidos. Confiou suas chaves e a
explicação oral a seus sucessores. Quando, no tempo de Salomão, traduziu-se o
Gênese em caracteres fenícios; quando, após o cativeiro de Babilônia, Esdras o
redigiu em caracteres aramaico-caldaicos, o sacerdócio judeu já manejava essas
chaves com bastante imperfeição.
Quando, finalmente, vieram os tradutores gregos da
Bíblia, estes tinham somente uma pálida idéia do significado esotérico
dos textos. São Jerônimo, malgrado suas sérias intenções e seu grande espírito,
quando fez a tradução latina segundo o texto hebreu não pôde penetrar seu
significado primitivo; e, se o conseguiu, viu-se obrigado a calar-se. Pois,
quando lemos o Gênese em nossas traduções, percebemos apenas seu significado
primário e inferior. Por bem ou por mal, os próprios exegetas e teólogos,
ortodoxos ou livre-pensadores, só vêem o texto hebraico através da Vulgata. Escapa-lhes
o sentido comparativo e superlativo, que é o sentido profundo e verdadeiro.
Ele não se mantém menos misteriosamente dissimulado no texto hebreu que mergulha,
por suas raízes, na linguagem sagrada dos templos. Esta linguagem em que cada
vogal, cada consoante tinha um sentido universal em relação ao valor acústico
da letra e o estado de alma do homem que a produz, foi refundida por Moisés.
Para os intuitivos, este sentido profundo brota às vezes do texto, como uma
centelha; para os videntes, ele reluz na estrutura fonética das palavras
adotadas ou criadas por Moisés; sílabas mágicas onde o iniciado de Osíris vazou
seu pensamento, como um metal sonoro num molde perfeito. Pelo
estudo desse fonetismo que traz a marca da linguagem sagrada dos templos antigos,
pelas chaves que nos fornece a Cabala,
algumas das quais remontam a Moisés, enfim, pelo esoterismo comparado, hoje nos
é permitido entrever e reconstituir o verdadeiro Gênese.
Assim, o pensamento de Moisés sairá brilhante como o ouro da fornalha
dos séculos, das escórias de uma teologia primária e das cinzas da crítica
negativa (2).
Dois exemplos esclarecem plenamente o que era a linguagem sagrada
dos templos antigos, e como os três significados correspondem nos símbolos do
Egito e nos do Gênese. Em inúmeros monumentos egípcios vê-se uma mulher coroada, segurando
em uma das mãos a cruz anseada, símbolo da vida eterna, na outra um cetro com
uma flor de Lótus, símbolo da iniciação. É a deusa ÍSIS. Ora,
Ísis tem três significados diferentes. No significado próprio, ela representa a
Mulher e, em consequência, o gênero feminino universal. No comparativo ela personifica
o conjunto da natureza terrestre, com todos os seus poderes conceptivos. No
superlativo, ela simboliza a natureza celeste e invisível, o elemento próprio
das almas e dos espíritos, a luz espiritual e inteligível por si mesma, que
sozinha confere a iniciação. O símbolo que corresponde a Ísis no texto do
Gênese e na intelectualidade judaico-cristã é EVA, Heva, a Mulher eterna. Esta
Eva não é somente a mulher de Adão, ela é ainda a esposa de Deus. Ela constitui
os três quartos de sua essência. Pois o nome do Eterno IAVÉ que
impropriamente mencionamos como Jeová e Javé, compõe-se do prefixo Jod e do nome Eva.
O grande sacerdote de Jerusalém pronunciava uma vez por ano o nome divino
enunciando-o, letra por letra, da seguinte maneira: Jod,
ha, v, he. A primeira letra exprimia o pensamento divino (3) e as
ciências teogônicas; as três letras do nome Eva exprimiam três ordens da natureza
(4), os três mundos nos quais este pensamento se realiza e,
consequentemente, as ciências cosmogônicas, psíquicas e físicas que a ele
correspondem (5). O Inefável contém em seu seio
profundo o Eterno masculino e o Eterno feminino. Seu poder e seu mistério
provêm dessa união indissolúvel. Eis o que Moisés, inimigo figadal de toda
imagem da divindade, não dizia ao povo, mas que simbolicamente consignou na estrutura
do nome divino ao explicá-lo a seus adeptos. Assim, a natureza velada no culto
judaico se esconde no próprio nome de Deus. A esposa de Adão, a mulher curiosa,
culpada e encantadora, revela-nos suas afinidades profundas com a Ísis
terrestre e divina, a mãe dos deuses que mostra no fundo do seio turbilhões de
almas e de astros.
Outro exemplo: um personagem que desempenha um grande papel
da história de Adão e Eva é a serpente. O Gênese a chama de Nahache. Ora, o que significava a
serpente para os templos antigos? Os mistérios da Índia, do
Egito e da Grécia respondem numa só voz: a serpente disposta em círculo
significa a vida universal, cujo agente mágico é a luz astral.
Num sentido mais profundo ainda, Nahache
quer dizer: a força que põe esta vida em movimento, a atração recíproca, na qual
Geoffroy Saint-Hilaire via a razão da
gravitação universal. Os gregos chamavam-na Eros, Amor ou o Desejo.
Apliquemos agora esses dois sentidos à história de Adão e Eva e da
serpente, e veremos que a queda do primeiro casal, o famoso pecado original,
torna-se de repente a imensa espiral da natureza divina, universal, com seus
reinos, seus gêneros, suas espécies no círculo formidável e fatal da vida.
Esses dois exemplos nos permitiram lançar um primeiro olhar nas profundezas
do Gênese mosaico. Entrevemos já o que era a cosmogonia para um iniciado antigo
e o que a distinguia de uma cosmogonia no sentido moderno.
Para a ciência moderna, a cosmogonia se reduz a uma cosmografia.
Encontrar-se-á aí a descrição de uma porção do Universo visível com um estudo
sobre o encadeamento das causas e dos efeitos físicos numa dada esfera.
Será, por exemplo, o sistema do mundo de Laplace, onde a formação de nosso
sistema solar é decifrada pelo seu funcionamento atual, deduzida da única
matéria em movimento, o que é uma pura hipótese. Será ainda a história da
Terra, de que são testemunhas irrefutáveis as camadas superpostas do solo. A
ciência antiga não ignorava esse desenvolvimento do Universo visível e, se tinha
sobre ele noções menos precisas do que a ciência moderna, formulara
intuitivamente as leis gerais.
Mas, para os sábios da Índia
e do Egito, lá estava somente o aspecto exterior do mundo, seu movimento
reflexo. Eles procuravam a explicação em seu aspecto interior, em seu
movimento direto e originário. Encontravam-na em uma outra ordem de leis que se
revela à nossa inteligência. Para a ciência antiga o Universo
ilimitado não era uma matéria morta regida por leis mecânicas, mas um todo
vivo, dotado de inteligência, alma e vontade. Esse grande
animal sagrado tinha inúmeros órgãos correspondentes às suas infinitas
faculdades. Como
no corpo humano os movimentos resultam da alma que pensa,
da vontade que age, assim, aos olhos da ciência antiga, a ordem
visível do Universo era somente a repercussão de uma ordem invisível, isto é,
das forças cosmogônicas e das mônadas espirituais, reinos, gêneros, espécies,
que, por sua perpétua involução na matéria, produzem a evolução da vida.
Enquanto a ciência moderna só considera o exterior, a aparência
do Universo, a ciência dos tempos antigos tinha por fim revelar-lhe o interior,
descobrir-lhe os mecanismos ocultos. Não extraía a
inteligência da matéria, mas a matéria da inteligência. Não fazia nascer o
Universo da dança cega dos átomos, mas gerava os átomos pelas
vibrações da alma universal. Em resumo, procedia em círculos
concêntricos do universal ao particular, do Invisível ao Visível, do Espírito
puro à Substância organizada, de Deus ao homem. Esta ordem
descendente das Forças e da Almas, inversamente proporcional à ordem ascendente
da Vida e dos Corpos, era a ontologia ou a ciência dos princípios inteligíveis
e constituía o fundamento da cosmogonia.
Todas as grandes iniciações da Índia, do Egito, da Judéia e da Grécia,
as de Krishna, de Hermes, de Moisés e de Orfeu, conheceram sob
formas diversas esta ordem dos princípios, dos poderes, das almas, das gerações
que descendem da causa primeira, do Pai inefável.
A ordem descendente das encarnações é simultânea à ordem ascendente
das vidas e somente aquela faz compreender esta. A involução produz a evolução
e a explica.
Templo
de Apolo
Na Grécia, os templos masculinos e dóricos, os de Júpiter e de Apolo,
sobretudo o de Delfos, foram os únicos que possuíram a fundo a ordem
descendente. Os templos jônicos e femininos não a conheceram, senão
imperfeitamente. Toda a civilização grega sendo jônica, a ciência e a ordem
dórica curvaram-se a ela cada vez mais. Mas não é menos incontestável
que seus grandes iniciadores, seus heróis e seus filósofos, de Orfeu a
Pitágoras, de Pitágoras a Platão e deste aos Alexandrinos dependem dessa ordem.
Todos eles reconhecem Hermes
como mestre.
Voltemos ao Gênese. No pensamento de Moisés,
outro filho de Hermes, os dez primeiros capítulos do Gênese constituíam uma verdadeira
ontologia segundo a ordem e a filiação dos princípios. Tudo o que começa deve acabar. O Gênese narra
simultaneamente a evolução no tempo e a criação na eternidade, a única digna de
Deus.
Reservo-me o direito de apresentar no Livro de Pitágoras um quadro
vivo da teogonia e da cosmogonia esotérica em moldes menos abstratos do que o
de Moisés e mais próximos do espírito moderno.
Templo
de Apolo por fora
Apesar da forma politeísta, apesar da extrema diversidade dos
símbolos, o sentido da cosmogonia pitagórica, de acordo com a iniciação órfica
e os santuários de Apolo, será idêntica, no fundo, à do profeta de Israel.
Em Pitágoras, ela será como que esclarecida pelo seu complemento
natural: a doutrina da alma e sua evolução. Ensinavam-na nos santuários gregos
sob os símbolos do mito de Perséfone. Denominavam-na também: a
história terrestre e celeste de Psiquê. Essa história, que corresponde
ao que o Cristianismo chama a redenção, falta completamente no
Antigo Testamento. Não
que Moisés e os profetas a ignorassem, mas julgavam-na muito elevada para o
ensino popular e reservaram-na para a tradição oral dos iniciados.
A divina Psiquê ficará muito tempo oculta sob os símbolos herméticos
de Israel, para se personificar apenas na aparição etérea e luminosa de Cristo.
Quanto à cosmogonia de Moisés, ela tem a áspera concisão do gênio
semítico e a precisão matemática do gênio egípcio. O estilo da narrativa lembra
as figuras que revestem o interior dos túmulos dos reis; diretas, secas,
severas, elas encerram em sua dura nudez um mistério impenetrável. O conjunto
faz pensar numa construção ciclópica; mas aqui e lá, como um jato de lava entre
os blocos gigantes, o pensamento de Moisés irrompe com a impetuosidade do fogo
inicial entre os versículos trêmulos dos tradutores. Nos primeiros capítulos de
uma incomparável grandeza, sente-se passar o sopro de Eloim, que vira, uma a
uma, as pesadas páginas do Universo.
Antes de deixá-los, consideremos alguns dos poderosos hieróglifos
compostos pelo profeta do Sinai. Como a porta de um templo
subterrâneo, cada um deles se abre para uma galeria de verdades ocultas que
iluminam, com suas lâmpadas imóveis, a série dos mundos e dos tempos. Procuremos
aí penetrar com as chaves da iniciação.
Esforcemo-nos para ver esses símbolos estranhos, essas fórmulas mágicas
em seu poder evocador, tais como as viu o iniciado de Osíris, quando saíram em
letras de fogo da fornalha de seu pensamento.
Em uma cripta do templo de Jetro, sentado sobre um sarcófago, Moisés
medita sozinho. Muros e pilastras estão cobertos de hieróglifos e de pinturas
que representam os nomes e as figuras dos Deuses de todos os povos da Terra. Aqueles
símbolos resumem a história dos ciclos desaparecidos e predizem os ciclos
futuros. Uma lâmpada colocada no chão ilumina fracamente cada um dos sinais que
lhe falam em sua linguagem. E ele já não vê mais nada do mundo
exterior.
Procura em si mesmo o Verbo e seu livro, a figura de sua obra, a
Palavra que será a Ação. A lâmpada se extingue, mas, à sua visão interior, na
noite da cripta, reluz este nome: IAVÉ.
A primeira letra – I – tem a cor branca da luz, as três outras brilham
como um fogo cambiante onde passam todas as cores do arco-íris.
E que vida estranha nesses caracteres!
Na letra inicial, Moisés percebe o Princípio masculino, Osíris,
o Espírito criador por excelência; em Eva, a faculdade conceptiva, a Ísis celeste,
que dela faz parte. Assim, as faculdades divinas, que encerram em potência
todos os mundos, desdobram-se e se organizam no seio de Deus.
Por sua união perfeita, o Pai e a Mãe inefável formam o Filho, o
Verbo vivo que cria o Universo. Eis o mistério dos mistérios,
fechado para os sentidos, mas que fala pelo sinal do Eterno como o Espírito
fala ao Espírito. E o tetragrama
sagrado brilha com urna luz sempre mais intensa. Moisés dela vê
irromper, em grandes fulgurações, os três mundos, todos os reinos da natureza e
a ordem sublime das ciências.
Então, o seu olhar ardente se concentra no signo masculino do Espírito
criador. Invoca-o para penetrar na ordem das criações e haurir na vontade
soberana a força para realizar sua própria criação, depois de ter contemplado a
obra do Eterno.
E eis que nas trevas da cripta reluz outro nome divino: ELOIM. Eloim significa
para o iniciado: Ele, – os Deuses, o Deus dos Deuses (6). Não
é mais o Ser dobrado em si mesmo e no Absoluto, mas o Senhor dos mundos cujo
pensamento desabrocha em milhões de estrelas, esferas móveis de universos
flutuantes.
“No princípio Deus criou
os céus e a terra” Mas no início, estes céus foram apenas o pensamento do
tempo e do espaço sem limites, habitados pelo vazio e pelo silêncio. “ o sopro
de Deus se movia sobre a face do abismo.”(7)
O que vai sair primeiro de seu seio? Um sol? Uma terra? Uma nebulosa?
Uma substância qualquer deste mundo visível? Não. O
que nasceu primeiro dele foi Aur, a Luz. Esta luz, porém, não é a luz física, é a
luz inteligível, nascida do estremecimento da Ísis celeste no seio do Infinito;
alma universal, luz astral, substância que constitui as almas e na qual elas
despontam como num fluído etéreo; elemento sutil pelo qual o pensamento se
transmite a infinitas distâncias; luz divina, anterior e posterior
à luz de todos os sóis. Primeiro ela se expande no Infinito, é o poderoso
respir de Deus; depois
ela volta sobre si mesma num movimento de amor, profundo aspir
do Eterno. Nas ondas do divino éter, palpitam como sob um véu translúcido as
formas astrais dos mundos e dos seres. E tudo isto se resume, para o
Mago-Vidente, nas palavras que ele pronuncia e que reluzem nas trevas em
caracteres cintilantes: RUAH
ELOIM AUR (8).
“Que
a luz seja e a luz se fez.” O sopro de Eloim é a Luz!
Do seio dessa primitiva luz, imaterial, brotam os seis primeiros
dias da Criação, isto é, as sementes, os princípios, as formas, as almas de
vida de todas as coisas. É o Universo em potência, antes da palavra e segundo o
Espírito. E qual é a última palavra da Criação, a fórmula que resume o Ser em
ato, o Verbo vivo em quem aparece o pensamento primeiro e último do Ser
absoluto? É: ADÃO EVA. Homem-Mulher. Este símbolo não representa de modo algum, como
se ensina em nossas igrejas e como o creem nossos exegetas, o primeiro casal
humano da terra, mas Deus em ato no Universo e o Gênero humano tipificado; a Humanidade
universal através de todos os céus.
“Deus criou o homem à sua
imagem; e o criou macho e fêmea.” Este casal divino é o verbo universal
pelo qual Ieva manifesta sua própria natureza através dos mundos. A
esfera que ele habita primitivamente e que Moisés alcançou com o pensamento
poderoso não é o jardim do Éden, o lendário paraíso terrestre, mas a esfera
temporal, sem limites, de Zoroastro, a terra superior de Platão, o reino
celeste universal, Heden, Hadama, substância de todas as terras.
Porém, qual será a evolução da Humanidade no tempo e no espaço?
Moisés a percebe sob uma forma resumida na história da queda. No
Gênese, Psiquê, a Alma humana, chama-se Aísha, outro nome de Eva(9).
Sua pátria é Shamaim, o céu. Lá, ela vive feliz, no éter divino, mas
inconsciente de si mesma. Ela desfruta o céu sem
compreendê-lo. Pois para compreendê-lo, é preciso ter esquecido e depois
lembrar; para amá-lo, é preciso tê-lo perdido e depois reconquistá-lo. Ela
não saberá senão pelo sofrimento, não compreenderá senão pela queda. E que outra queda profunda e trágica senão
a Bíblia infantil que lemos? Atraída para o abismo
tenebroso pelo desejo do conhecimento, Aísha deixa-se cair... Deixa de ser a
alma pura, um corpo sideral que vive do divino éter. Reveste-se de um corpo
material e entra no círculo das gerações. E suas encarnações não são uma, mas
cem, mil, em corpos cada vez mais grosseiros, conforme os astros que habita.
Ela desce de mundo em mundo... desce e esquece... Um negro véu cobre sua visão
interior: foi afogada a consciência divina, obscurecida a lembrança do céu na
espessa trama da matéria. Pálida como uma esperança perdida, uma fraca
recordação de sua antiga felicidade brilha nela! E, desta centelha, ela deveria
renascer e regenerar-se por si mesma!
Sim, Aísha vive ainda nesse casal nu que jaz sem defesa numa terra
selvagem, sob um céu inimigo, onde ruge a tempestade. E o paraíso
perdido? – É a imensidão do céu velado, adiante e atrás!
Moisés contempla, assim, as gerações de Adão no Universo (10).
Considera em seguida os destinos do homem sobre a Terra. Vê os
ciclos passados e o presente. Na Aísha terrestre, na alma da
humanidade, a consciência de Deus havia brilhado outrora com o fogo de Agni, no
país de Cuche, nas vertentes do Himalaia.
Mas, ei-la prestes a se extinguir na idolatria, sob infernais
paixões, sob a tirania assíria, entre os povos inimigos e deuses que se entredevoram.
Moisés jura a si mesmo despertá-la, instituindo o culto
de Eloim.
A humanidade coletiva, como o homem individual, deveriam ser a imagem
de Eva. Mas, onde encontrar o povo que a encarnasse e
que seria o Verbo vivo na humanidade?
Então, Moisés, tendo concebido seu Livro e sua Obra,
tendo sondado as trevas da alma humana, declara guerra à Eva terrestre, à natureza
fraca e corrompida. Para combatê-la e reerguê-la, ele
invoca o Espírito, o Fogo originário e todo-poderoso, Eva, de cuja fonte ele
acaba de subir. Sente que seus eflúvios o envolvem e lhe transmitem uma têmpera
de aço. Seu nome é Vontade.
E, no silêncio negro da cripta, Moisés ouve uma voz. Ela sai das
profundezas de sua consciência, vibra como uma luz e diz: “Vai à montanha de Deus! Vai para Horeb!”
(1). Fabre d'Olivet, Vers dorés de Pythagore.
(2). O verdadeiro restaurador da cosmogonia de Moisés é um homem genial,
hoje quase esquecido, e ao qual a França fará justiça no dia em que a ciência esotérica, que é a ciência
integral e religiosa, for restabelecida em bases indestrutíveis. -
Fabre d'Olivet não podia ser compreendido por seus contemporâneos, pois estava
um século à frente de sua época. Espírito universal, possuía, no mesmo grau,
três faculdades cuja união forma as inteligências transcendentais: a
intuição, a análise e a síntese. Nascido às margens do
Ganges (Hérault), em 1767, iniciou o estudo das doutrinas místicas do Oriente,
após ter adquirido noções profundas das ciências, das filosofias e das
literaturas do Ocidente. Court de Gébelin,
por meio do seu Monde Primitif,
abriu-lhe os primeiros horizontes sobre o sentido simbólico dos mitos da antiguidade
e sobre a língua sagrada dos templos. Para se iniciar nas doutrinas do Oriente,
ele aprendeu o chinês, o sânscrito, o árabe e o hebreu. Em 1815, publicou seu
livro capital: La Langue Hébraique Restituée. Este livro contém: 1º Uma
dissertação introdutória sobre a origem da palavra; 2º Uma gramática hebraica
fundamentada em novos princípios; 3º As raízes hebraicas examinadas segundo a
ciência etimológica; 4º Um discurso preliminar; 5º Uma tradução francesa e
inglesa dos dez primeiros capítulos do Gênese, que contêm a cosmogonia de
Moisés. Esta tradução é acompanhada de um comentário do maior interesse.
Aqui só é possível. resumir os princípios e a substância desse
livro revelador. Ele foi inspirado pelo espírito esotérico mais profundo, e
elaborado segundo o método científico mais rigoroso. O método do qual Fabre d'Olivet se utiliza para penetrar
no significado íntimo do texto hebraico do Gênese é a comparação do hebreu com
o árabe, o sírio, o aramaico e o caldeu, sob o ponto de vista das raízes
primitivas e universais, das quais ele fornece um léxico admirável, apoiado em
exemplos tomados de todas as línguas, léxico que pode servir de chave para os
nomes sagrados em todos os povos. De todos os livros esotéricos sobre o Antigo
Testamento, o de Olivet fornece as
chaves mais seguras. Ele faz, além do mais, uma luminosa exposição da história
da Bíblia, e mostra as razões aparentes de ter-se perdido o sentido oculto, e
de ser ele, até nossos dias, profundamente
ignorado pela ciência e pela teologia oficial.
Tendo falado desse livro, direi, agora, algumas palavras sobre
outra obra mais recente que dele procede e que, além de seu mérito próprio,
teve o de reconduzir a atenção de alguns pesquisadores independentes para seu primeiro
inspirador. É a Mission des Juifs, de
M. Saint-Yves d'Alveydre (1884,
Calmann-Lévy). M. Saint-Yves deve sua
iniciação filosófica aos livros de Fabre
d'Olivet. Sua interpretação do Gênese é essencialmente a da Langue Hébraique
Restituée, sua metafísica, a dos Vers
Dorés de Pythagore, sua filosofia
da história e o quadro geral de sua obra são emprestados à Histoire Philosophique Du Genre Humain. Retomando essas
idéias-mães, ali juntando sua matéria e talhando-a à sua vontade, ele construiu
um edifício novo, de grande riqueza, de um valor inigualável e de um gênero
composto. Seu fim é duplo: provar que a ciência e a religião de
Moisés constituíram a resultante necessária dos movimentos religiosos que o
precederam na Ásia e no Egito, o que Fabre d'Olivet já havia trazido à luz em suas obras geniais; provar
em seguida que o governo ternário e arbitral, composto dos três
poderes-econômico, judiciário e religioso ou científico - foi em todos os
tempos um corolário da doutrina dos iniciados e uma parte constitutiva das
religiões do antigo ciclo, antes da Grécia. Tal é a idéia própria de M. Saint-Yves, idéia fecunda e digna da
maior atenção. Ele o chama de sinarquia, ou governo segundo os princípios; ele
aí encontra a lei social orgânica, a única salvação para o futuro. Aqui
não é o lugar para se examinar até que ponto o autor demonstrou historicamente
sua tese. M. Saint-Yves, não gosta de mencionar suas fontes; ele procede muitas
vezes mediante simples afirmações e não teme as hipóteses arriscadas, quando
elas favorecem sua idéia preconcebida. Mas seu livro, de uma rara elevação, de
uma vasta ciência esotérica, transborda em páginas de grande alento, de quadros
grandiosos, de visões profundas e novas. Minhas idéias diferem das suas em
muitos pontos, notadamente no que se refere à concepção de Moisés, ao qual M.
Saint-Yves deu, penso eu, proporções fortemente gigantescas e lendárias. Isto
dito, apresso-me a reconhecer o alto valor desse livro extraordinário, ao qual
muito devo. Seja qual for a opinião que se tenha da obra de M. Saint-Yves, ele
tem um mérito diante do qual é preciso inclinar-se: o de uma vida inteiramente
consagrada a uma idéia. Ver sua Mission des Souverains e sua France Vraie, onde
M. Saint-Yves fez justiça, ainda que
um pouco tarde e como que a contragosto, ao mestre Fabre d'Olivet.
(3). A natura naturans de Spinosa.
(4). A natura naturata do mesmo.
(5). Eis como Fabre d'Olivet explica o nome IAVÉ: “Este nome
oferece primeiro o sinal indicador da vida, duplo e formando a raiz
essencialmente viva EE(rπ ). Esta raiz jamais é empregada como nome e é a única
que goza desta prerrogativa. Ela é, desde sua formação, não somente um verbo,
mas um verbo único, do qual os outros são apenas derivados; em uma palavra, o
verbo πτπ (EVA) ser sendo. Aqui, como se vê, e como tive o cuidado de explicar
em minha gramática, o sinal inteligível τ(V), está no meio da raiz de vida. Moisés,
tomando este verbo por excelência para com ele formar o nome próprio do Ser dos seres, a ele acrescentou o sinal
da manifestação potencial e da Eternidade, (I), obtendo πτπ’ (IEVA), no qual o
facultativo sendo se encontra colocado entre um passado sem origem e um futuro
sem fim. Esse nome admirável significa, portanto, exatamente: o Ser que é, que foi e que será.
(6). Eloim é o plural de Elo, nome dado ao ser supremo pelos
hebreus e caldeus, derivado da raiz El que representa a
elevação, a força e o poder expansivo e que significa Deus, num
sentido universal. Hod, ou seja, Ele, é, em hebraico, em caldaico, em sírio, em
etíope, em árabe, um dos nomes sagrados da divindade. - Fabre d'Olivet, La Langue
Hébraique Restituée.
(7). – “Ruah Eloim, o sopro de Deus, indica figurativamente o movimento para
a expansão, a dilatação. É, num sentido hieroglífico, a força oposta à das trevas. Se a
palavra obscuridade caracteriza uma potência compressiva, ruah caracteriza uma
potência expansiva. Encontrar-se-á, numa e noutra, esse sistema eterno de duas
forças opostas que os sábios de todos os séculos, desde Parmênides e Pitágoras
até Descartes e Newton, viram na natureza e designaram por nomes diferentes”. -
Fabre d'Olivet, Langue Hébraique.
(8). Sopro,... Eloim,... Luz. Estes três nomes são o resumo
hieroglífico do segundo e do terceiro versículo do Gênese. Eis em letras
francesas o texto hebreu. do terceiro versículo: Wa, - iaômer Aelohim Iêhi-aûr,
wa iehi aur. Eis a tradução dada por Fabre d'Olivet: “E Ele diz, Ele o Ser dos
seres, será feita a luz; e a luz se fez” (elementização inteligível). - A
palavra rua, que significa o sopro, encontra-se no segundo versículo.
Notar-se-á que a palavra aur, significativa de luz, é a palavra rua invertida.
O sopro divino, voltando-se sobre si mesmo, cria a luz inteligível.
(9). Gênese, II, 23. Aísha, a Alma, aqui
assimilada à Mulher, é a esposa de Aísh, o Intelecto, que corresponde ao homem.
Ela está presa a ele e constitui sua metade inseparável, sua faculdade
volitiva. A mesma relação existe entre Dionísio e Perséfone, nos
Mistérios árticos.
(10). Na versão samaritana da Bíblia, ao nome de Adão é
acrescentado o epíteto de universal, de infinito. Trata-se, pois, do gênero
humano, do reino do homem em todos os céus.
IV
A
VISÃO DO SINAI
Uma sombria massa de granito, tão nua, tão abrupta sob o esplendor
do Sol, que se diria sulcada por relâmpagos e esculpida pelo raio. Assim é o
cume do Sinai, o trono de Eloim, dizem os filhos do deserto. Em
frente, uma montanha mais baixa, os rochedos do Serbal, também abruptos e
selvagens. Em seus flancos, minas de cobre, cavernas. E entre as duas
montanhas, um vale negro, um caos de pedras, que os árabes chamam
de Horeb, o Erebo da lenda semítica. É lúgubre a desolação
desse vale, quando a noite aí cai com a sombra do Sinai, mais lúgubre ainda
quando a montanha se cobre de um capacete de nuvens, de onde escapam clarões
sinistros. Então, um vento terrível sopra no estreito corredor. Dizem
que nesse lugar Eloim derruba aqueles que procuram lutar com ele e os lança nos
abismos, de onde desmoronam trombas de chuva. Ali também,
dizem os medianitas, vagam
as sombras malfeitoras dos gigantes, dos Refaim,
que fazem despencar os rochedos sobre os que tentam escalar o lugar santo. A
tradição popular diz ainda que o Deus do Sinai aparece algumas vezes no fogo
fulgurante, como uma cabeça de Medusa com penas de águia. Infeliz
daquele que vê sua face. Vê-la é morrer.
Eis o que contavam os nômades, à noite, em suas narrativas sob a
tenda, enquanto dormiam os camelos e as mulheres. A
verdade é que só os mais audaciosos entre os iniciados de Jetro subiam à
caverna do Serbal e ali passavam, às vezes, vários dias em jejum e oração. Sábios
da Iduméia ali haviam encontrado sua inspiração. Era um lugar consagrado, desde
tempos imemoriais, às visões sobrenaturais, a Eloim ou aos espíritos luminosos. Nenhum pastor, nenhum caçador
jamais ousara conduzir algum peregrino até lá.
Moisés
subira sem medo as ravinas de Horeb. Tinha atravessado com o
coração intrépido o vale da morte e seu caos de rochedos. Como
todo o esforço humano, a iniciação tem também suas fases de humildade e de
orgulho. Escalando as diversas etapas da montanha santa, Moisés
tinha alcançado o cume com orgulho, pois atingia o pináculo do poder humano. Acreditava
já sentir-se um com o Ser supremo. O sol, de uma púrpura ardente, inclinava-se
sobre o maciço vulcânico do Sinai as e sombras violetas se punham nos vales,
quando Moisés chegou à entrada de uma caverna, protegida por uma vegetação negra de terebintos. Ele se
apressava a nela penetrar, mas foi ofuscado por uma luz súbita que o envolveu.
Pareceu-lhe que o solo queimava a seus pés e que as montanhas de granito
tinham-se transformado em um mar de chamas. À entrada da gruta, uma aparição
ofuscante de luz olhava-o e com o gládio
barrava-lhe o caminho. Moisés caiu fulminado, a face contra o chão. Todo o seu orgulho
tinha-se esvaído. Olhar luminoso do Anjo o transpassara. E depois, com esse
sentido profundo das coisas que desperta o estado visionário, ele compreendera
que aquele ser ia impor-lhe coisas terríveis. Ele quis escapar à sua missão e penetrar
na terra como um réptil miserável.
Moisés
e a sarça ardente
Uma voz, porém, disse:
–
Moisés! Moisés!
E ele respondeu:
–
Eis-me aqui!
–
Não te aproximes daqui. Descalça teus sapatos, pois o lugar onde estás é uma
terra santa.
Moisés cobriu os olhos com as mãos. Tinha medo de rever o Anjo e
reencontrar-lhe o olhar.
E o Anjo lhe disse:
–
Tu, que procuras Eloim, por que tremes diante de mim?
–
Quem és tu?
– Um
raio de Eloim, um anjo solar, um mensageiro d'Aquele que é e que será.
–
O que me ordenas?
–
Dirás aos filhos de Israel: o Eterno, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão,
o Deus de Isac, o Deus de Jacó enviou-me até vós para arrancar-vos do país da
servidão.
Ao que Moisés replicou:
–
Quem sou eu para retirar do Egito os filhos de Israel?
O Anjo falou:
–
Vai, pois estarei contigo. Colocarei o fogo de Eloim em teu coração e seu verbo
em teus lábios. Há quarenta anos que tu o evocas. Tua voz repercutiu até ele.
Eis aqui, tomo-te em seu nome. Filho de Eloim, tu me pertences para sempre.
E Moisés, afoito, exclamou:
– Mostra-me Eloim! Que eu veja seu fogo vivo!
E levantou a cabeça. Dissipara-se, porém, o mar de chamas e o Anjo
desaparecera como um relâmpago. O sol descera sobre os vulcões extintos do
Sinai; um silêncio de morte pairava no vale de Horeb; e uma voz, que parecia
rolar no firmamento e perder-se no infinito, dizia: “Eu sou Aquele que sou”.
Moisés saiu dessa visão como que aniquilado.
Pareceu-lhe, por um instante, que seu corpo havia sido consumido pelo fogo do
Éter. Seu espírito, todavia, estava mais forte. Quando desceu para o templo
de Jetro, estava preparado para sua obra. Sua idéia viva marchava em frente,
como o Anjo armado do gládio de fogo.
V
O
ÊXODO. O DESERTO. MAGIA E TEURGIA
O
plano de Moisés era um dos mais extraordinários, dos mais ousados que um homem
jamais concebeu. Arrancar um povo do jugo de uma nação tão poderosa quanto o
Egito, conduzi-lo à conquista de um país ocupado por populações inimigas e
melhor armadas, conduzi-lo durante dez, vinte ou quarenta anos pelo deserto,
deixá-lo arder de sede e extenuar-se de fome; fustigá-lo como a um cavalo
puro-sangue sob as flechas dos hititas e dos amalecitas, prontos a
esquartejá-lo; isolá-lo com o tabernáculo do Eterno entre aquelas nações
idólatras, impor-lhe o monoteísmo com uma vara de fogo e inspirar-lhe um tal
temor, uma tal veneração por aquele Deus único, de modo que se entranhasse em
sua carne, que se tornasse o símbolo nacional, o fim de todas as suas aspirações
e sua razão de ser. Tal foi a obra
inaudita de Moisés.
O Êxodo foi planejado e preparado de longa data pelo profeta, pelos
principais chefes israelitas e por Jetro. Para pôr seu plano em execução,
Moisés aproveitou um momento em que Meneftá, seu antigo companheiro de estudos,
que se tornara faraó, devia repelir a temível invasão do rei dos líbios,
Mermaiú. Todo o exército egípcio estava concentrado no Oeste e não pôde conter
os hebreus e a emigração em massa se operou pacificamente.
Então, os Beni-Israel se puseram em marcha. A longa fila de caravanas,
carregando as tendas no dorso de camelos, seguida de grandes rebanhos,
apronta-se para contornar o mar Vermelho. No começo eram apenas alguns milhares
de homens. Mais tarde, a emigração será aumentada por “toda a espécie de
gentes” como diz a Bíblia – gananeus, edomitas, árabes, semitas de todo o
gênero, atraídos e fascinados pelo profeta do deserto, que de todos os cantos
do horizonte os convoca, para modelá-los à sua vontade. O
núcleo desse povo é formado pelos Beni-Israel, homens direitos, mas duros, obstinados
e rebeldes. Seus hahs ou chefes tinham-lhes, ensinado o culto de Deus único, que
constituía entre eles uma elevada tradição patriarcal.
Porém, naquelas naturezas primitivas e violentas, o monoteísmo não passava de
uma consciência vacilante. Assim que as más paixões despertam, o instinto do
politeísmo, tão natural no homem, readquire o predomínio. Então,
eles recaem nas superstições populares, na bruxaria e nas práticas idólatras
das populações vizinhas do Egito e da Fenícia, que Moisés vai combater com leis
draconianas.
Ao redor do profeta que comanda esse povo há um grupo de sacerdotes
presididos por Aarão, seu irmão pela iniciação, e pela profetisa Maria, que já
representa em Israel a iniciação feminina. Esse grupo constitui o
sacerdócio. Com eles, setenta chefes eleitos ou iniciados leigos comprimem-se em
torno do profeta de Iavé, o qual lhes confiará sua doutrina secreta e sua
tradição oral, que lhes transmitirá uma parte de seus poderes, associando-os,
às vezes, a suas inspirações e suas visões.
Arca
de ouro
No coração desse grupo era carregada a arca
de ouro, idéia inspirada a Moisés pelos templos egípcios, onde servia
de arcano para os livros teúrgicos, mas ele mandou refundir um modelo novo,
para seus desígnios pessoais. A arca de Israel é flanqueada por quatro querubins
de ouro semelhantes a esfinges e parecidos com os quatro animais
simbólicos da visão de Ezequiel. Um tem cabeça de leão, o outro,
cabeça de boi, o terceiro, cabeça de águia e o último, cabeça de homem.
Personificam os quatro elementos universais: a terra, a água, o ar e o fogo,
assim como os quatro mundos representados pelas letras do tetragrama divino.
Com suas asas os querubins recobrem o propiciatório.
Esta arca será o instrumento dos fenômenos elétricos e luminosos produzidos
pela magia do sacerdote de Osíris, fenômenos que, aumentados pela lenda,
produzirão as narrativas bíblicas. A arca de ouro encerra,
além do mais, o Séfer Bereschit ou livro
de Cosmogonia redigido por Moisés em hieróglifos egípcios, e a
varinha mágica do profeta, que a Bíblia chama vara.
Ela conterá também o livro da aliança ou a lei do Sinai. Moisés
denominará a arca de o trono de Eloim, porque nela repousa a tradição sagrada,
a missão de Israel, a idéia de Iavé.
Qual foi a constituição política que Moisés deu a seu povo?
Para compreendê-lo é preciso citar uma das passagens mais
curiosas do Êxodo. Passagem esta tanto mais antiga e mais autêntica porque
nos mostra o lado fraco de Moisés, sua tendência ao orgulho sacerdotal e à tirania
teocrática, reprimida por seu iniciador etíope.
“No dia seguinte, como Moisés estivesse sentado para julgar o povo,
e o povo se mantivesse diante de Moisés da manha à noite, o sogro de Moisés,
tendo visto o que ele fazia ao povo, disse-lhe: O que fazes ao povo? Por que
só tu estás sentado e o povo se mantém diante de ti desde manhã até a noite?
E Moisés respondeu ao sogro: É que o povo vem a mim para inquirir
de Deus. Quando têm alguma causa, vêm a mim; então eu julgo entre um e outro, e
lhes faço entender as ordens de Deus e suas leis. Mas o sogro de Moisés disse: Não fazes bem. Certamente sucumbirás, tu e o
povo que está contigo; pois isto é muito difícil para ti, e não saberás fazê-lo
sozinho.
Escuta,
pois, meu conselho; eu te aconselharei e Deus estará contigo. Sê para o povo o
legado de Deus, e leva as causas a Deus; Instrui-os sobre as ordens e as leis,
e faze-os ouvir a voz pela qual eles devem se orientar e saber o que terão de
fazer; E escolhe entre todo
o povo homens virtuosos, tementes a Deus, homens que verdadeiramente odeiem o
ganho desonesto,
e estabelece entre eles chefes de milheiros, chefes de centenas, chefes de cinquentenas
e chefes de dezenas; E que eles julguem o povo sempre; mas que eles te tragam
todas as grandes disputas e que julguem as pequenas causas. Assim, eles te aliviarão
e suportarão uma parte da carga contigo.
Se
fizeres isto, e Deus to ordena, tu poderás subsistir, e até todo o povo chegará
felizmente a seu lugar.
Moisés, pois, obedeceu à palavra do sogro, e fez tudo o que ele havia
dito”. (1)
Deduz-se desta passagem que, na constituição de Israel estabelecida
por Moisés, o poder executivo era considerado como uma emanação do poder
judiciário e colocado sob o controle da autoridade sacerdotal.
Assim foi o governo legado por Moisés a seus sucessores, segundo o sábio
conselho de Jetro. Permaneceu o mesmo na época dos Juizes, de Josué a Samuel,
até a usurpação de Saul. Sob
o poder dos Reis, o sacerdócio deprimido começou a perder a verdadeira tradição
de Moisés, que sobreviveu apenas entre os profetas.
Moisés
no Monte Sinai
Como já dissemos, Moisés
não foi um patriota, mas um domador de povos, tendo em vista
os destinos de toda a humanidade. Israel não era para ele senão um meio, a religião universal era a sua finalidade,
e por cima da cabeça dos nômades seu pensamento ia para os tempos futuros. Desde
a saída do Egito até a morte de Moisés a história de Israel não deixou de ser
um longo duelo entre o profeta e seu povo.
Moisés
recebeu os Dez Mandamentos
Moisés conduziu primeiro as tribos de Israel ao Sinai, no
deserto árido, diante da montanha consagrada a Eloim por todos os semitas, onde
ele mesmo tivera sua revelação. Lá onde o Gênio se apoderara do profeta, o
profeta quis apoderar-se de seu povo e imprimir-lhe na fronte o
selo de Iavé: os dez mandamentos, poderoso resumo da lei moral e complemento
da verdade transcendental contida no livro hermético da arca.
Moisés ficou durante quarenta dias e quarenta
noites no Monte Sinai, para enfim trazer as Tábuas que continha os Dez
Mandamentos.
OS
DEZ MANDAMENTOS – A Aliança de Deus
1. Amar a Deus sobre todas as coisas;
(“Não adorarás outro deus”; “Não terás outros deuses além de mim”)
2.
Não fará para ti imagens esculpidas;
(“Não fará para ti deuses de metal fundido”)
3.
Não te prostarás diante delas e não lhe prestarás culto;
4.
Não pronunciarás em vão o nome do Senhor;
5.
Recorda-te do dia de sábado para o santificar;
(“Seis dias trabalharás, mas no sétimo
descansarás”)
6.
Não matarás;
7.
Não cometerás adultério;
8.
Não roubarás;
(“Não furtarás”)
9.
Não dirás falso testemunho contra teu próximo;
10. Não cobiçarás a mulher, a casa, os bens do teu próximo.
*No primeiro mandamento, palavras extraídas de várias bíblias
(católica, evangélica, Jerusalém,...). Em outras bíblias os Dez Mandamentos são
diferentes, em conformidade com o seu tempo e a sua nação...
Nada de mais trágico do que esse primeiro diálogo entre o
profeta e seu povo. Lá se passaram cenas estranhas, sangrentas, terríveis, que deixaram
como que a marca de um ferro quente na carne mortificada de Israel. Por detrás
dos exageros da lenda bíblica, adivinha-se a possível realidade dos fatos.
A elite das tribos acampou no planalto de Farã, à entrada de uma
garganta selvagem que conduz aos rochedos do Serbal. O cimo ameaçador do Sinai
domina o terreno pedregoso, vulcânico, convulso.
Diante de toda a assembléia, Moisés anuncia, solenemente, que
subirá à montanha para consultar Eloim e que, na volta, trará a lei escrita em uma
tábua de pedra. Ordena ao povo que o aguarde em castidade e oração, velando e
jejuando. Deixa a arca portátil que esconde a tenda do tabernáculo sob a guarda
dos setenta Anciãos. Depois desaparece na garganta, levando consigo apenas o
fiel discípulo Josué.
Passam-se os dias. Moisés não volta. No início o povo se
inquieta, depois murmura: “Por que
trazer-nos para este deserto horrível, expondo-nos às setas dos amalecitas?
Moisés prometeu conduzir-nos à terra de Canaã, onde correm o leite e o mel, e
eis que morremos no deserto. Valia mais a servidão no Egito do que esta vida
miserável. Antes tivéssemos ainda os pratos de carne que comíamos lá! Se o Deus
de Moisés é o verdadeiro Deus, que ele o prove, que todos os seus inimigos
sejam dispersos e que nós entremos imediatamente na terra da promissão”. Os
murmúrios aumentam; amotina-se o povo e os chefes aderem.
E eis que vem um grupo de mulheres, cochichando e murmurando entre
si. São as filhas de Moab, de pele negra, corpos flexíveis, formas opulentas,
concubinas ou servas de alguns chefes edomitas associados a Israel. Elas se
lembram de que foram sacerdotisas de Astaroth e que celebraram as orgias da
deusa nos bosques sagrados do país natal.
Enquanto
isso Moisés recebia as placas com os Dez Mandamentos
Sentem que a hora de reassumir seu império chegou. Elas chegam enfeitadas
de ouro e de tecidos esvoaçantes, o sorriso nos lábios, como um bando de belas
serpentes que saem da terra e fazem reluzir ao sol suas formas ondulosas de
reflexos metálicos. Misturam-se aos rebeldes, lançam-lhes seus olhares
brilhantes, enlaçam-nos com os braços onde tilintam anéis de cobre e os adulam
com sua linguagem dourada: “Quem é,
afinal de contas, este sacerdote do Egito e seu Deus? Ele será morto no Sinai.
Os refains já o terão lançado num abismo. Não será ele quem levará as tribos a
Canaã. Então que os filhos de Israel invoquem os deuses de Moab: Belfegor e
Astaroth! Estes, sim, são deuses que se pode ver e que fazem milagres! Eles
poderão levá-los à terra de Canaã!”
Os amotinados escutam as mulheres moabitas, excitam-se e este grito
parte da multidão: “Aarão, faz para nós
deuses que marchem à nossa frente; pois ao Deus de Moisés, que nos fez sair do
Egito, não sabemos o que aconteceu”.
Aarão tentou em vão acalmar a multidão. As filhas de Moab chamam
os sacerdotes fenícios vindos com uma caravana. Eles carregam uma
estátua de Astaroth, que colocam num altar de pedra. Os rebeldes forçam Aarão, sob
ameaça de morte, a fundir o veado de ouro, uma das formas de Belfegor.
Sacrificam touros e bodes aos deuses estrangeiros, põem-se a beber e a comer, e
as danças luxuriosas, orientadas pelas moabitas, começam ao redor dos ídolos,
ao som dos nebéis, dos quinores e dos tamborins agitados pelas mulheres.
Os setenta Anciãos eleitos por Moisés para guardar a arca tentam, em
vão, deter a desordem por meio de suas exprobrações.
Então, sentam-se no chão, cobrindo a cabeça com um saco de cinzas. Reunidos em
torno do tabernáculo da arca, eles ouvem consternados os gritos selvagens, os
cantos voluptuosos, as invocações aos deuses malditos, demônios de luxúria e de
crueldade. Eles veem com horror o povo contorcer-se de alegria e de revolta
contra seu Deus.
Moisés
quebra a Tábua dos Dez Mandamentos
O que iria acontecer com a Arca, com o Livro e com Israel, se Moisés
não voltasse mais? Entretanto, Moisés voltou. De seu longo recolhimento, de sua
solidão no monte de Eloim, ele traz a Lei impressa em tábuas de pedra (2).
Ao entrar no acampamento, vê as danças, a bacanal de seu povo em frente dos
ídolos Astaroth e Belfegor.
À vista do sacerdote de Osíris, do profeta de Eloim, as danças param,
os sacerdotes estrangeiros fogem, os rebeldes hesitam. A cólera ferve em Moisés
como um fogo devorador. Ele quebra as tábuas de pedra e sente-se que ele
quebraria do mesmo modo todo o povo, mas Deus o detém.
Israel treme, porém os rebeldes têm olhares de ódio dissimulados
por seu medo. Uma palavra, um gesto de hesitação por parte do profeta-chefe, e
a hidra da anarquia idólatra ergueria contra ele seus milhares de cabeças e
expulsaria sob uma saraivada de pedras a arca santa, o profeta e sua idéia.
Contudo, Moisés está lá, e por trás dele os poderes invisíveis que o protegem. Ele
compreende que é preciso, antes de tudo, reabilitar a alma dos setenta eleitos
e, por meio deles, todo o povo.
Invoca Eloim-Iavé, o Espírito varonil, o Princípio-Fogo, do
fundo de si mesmo e do fundo do céu.
Moisés grita:
–
Que venham a mim os setenta! Que eles tomem a arca e subam comigo à montanha de
Deus. Quanto ao povo, que espere, e que trema. Vou trazer-lhe o julgamento de
Eloim.
Os levitas tiram de baixo da tenda a arca de ouro envolta por véus, e o cortejo dos
setenta desaparece com o profeta nos desfiladeiros do Sinai. Não se sabe quem
treme mais, se os levitas, pelo que vão ver, ou o povo, pelo
castigo que Moisés deixa suspenso sobre suas cabeças como uma espada invisível.
Ah! se fosse possível escapar às mãos terríveis desse sacerdote de Osíris,
desse profeta da infelicidade! – dizem os rebeldes.
E, apressadamente, a metade do acampamento dobra as tendas, sela os camelos e
prepara-se para fugir. Mas, eis que um crepúsculo estranho, um véu de poeira se
estende no céu; uma brisa rude sopra do mar Vermelho, o deserto adquire uma cor
fulva e descorada, e por trás do Sinai amontoam-se grossas nuvens. Enfim,
o céu torna-se negro.
Rajadas de vento trazem ondas de areia e relâmpagos fazem
desabar em torrentes de chuva os turbilhões de nuvens que envolvem o Sinai.
Logo brilha o raio e seu estrondo, repercutindo por todas as gargantas do maciço,
rebenta sobre o acampamento em detonações sucessivas com um estrépito medonho. O
povo não duvida de que seja a cólera de Eloim evocado por Moisés As filhas de
Moab desapareceram.
Desmoronam-se os ídolos, os chefes se prostram, as crianças e as
mulheres se escondem sob o ventre dos camelos. Isto dura toda uma noite, todo
um dia. O raio cai sobre as tendas, matando homens e animais
e o trovão ribomba sempre. À noite, acalma-se a tempestade, mas as nuvens ainda
fumegam sobre o Sinai e o céu permanece negro. E eis que, à entrada do acampamento,
reaparecem os setenta, com Moisés à frente. No vago clarão do
crepúsculo, a fisionomia do profeta e a de seus eleitos
irradiam uma luz sobrenatural, como se eles trouxessem na face o reflexo
de uma visão radiosa e sublime. Sobre a arca de ouro, sobre os querubins
com asas de fogo, oscila um clarão elétrico, como um jato fosforescente. Diante
desse espetáculo, os Anciãos e o povo, homens e mulheres, se prostram à
distância.
Moisés clama:
–
Aqueles que estão com o Eterno, venham a mim!
Três quartos dos chefes de Israel alinham-se ao redor de Moisés;
os rebeldes escondem-se em suas tendas. Então, o profeta avança e ordena aos
fiéis que passem ao fio da espada os instigadores da revolta e as sacerdotisas
de Astaroth, a fim de que Israel trema para sempre diante de Eloim e se lembre da
lei do Sinai e de seu primeiro mandamento:
–
“Eu sou o Eterno, teu Deus, que te tirou do país do Egito, da casa da servidão.
Não terás outro Deus diante de mim. Não esculpirás imagens
nem qualquer outra coisa semelhante às que existem no alto dos céus, nas águas
ou na terra”.
Foi por esse misto de terror e de mistério que Moisés impôs sua lei
e seu culto ao povo. Era preciso imprimir a idéia de Iavé em letras de fogo em sua
alma e, sem aquelas medidas implacáveis, o monoteísmo jamais teria
triunfado sobre o avassalador politeísmo da Fenícia e de Babilônia.
Mas, o que tinham visto no Sinai os setenta? O Deuteronômio (XXXIII,
2) fala de uma visão colossal, de milhares de santos que apareceram, em meio à
tempestade, sobre o Sinai, à luz de Iavé. Os sábios
do antigo ciclo, os antigos iniciados dos árias, da Índia, da Pérsia e do
Egito, todos os nobres filhos da Ásia, a terra de Deus, teriam vindo auxiliar
Moisés em sua obra e exercer uma pressão decisiva sobre a consciência de seus
associados?
As
forças espirituais que velam sobre a humanidade estão sempre presentes, mas o
véu que delas nos separa somente se descerra nas grandes horas e para os raros
eleitos. Seja como for, Moisés transmitiu aos setenta o fogo divino e a
energia de sua própria vontade. Eles foram o primeiro templo, antes daquele de
Salomão: o templo vivo, em marcha, o coração de Israel, a luz real de Deus.
Pelas cenas do Sinai, pela execução em massa dos rebeldes, Moisés
ganhou autoridade sobre os semitas nômades, que ele agora continha com mãos de
ferro. Contudo, cenas análogas, seguidas de novos golpes de força, deveriam se
repetir durante as marchas e contra-marchas rumo à terra de Canaã. Como
Maomé, Moisés teve que ostentar, ao mesmo tempo, o gênio de um profeta, de um
homem de guerra e de um organizador social. Lutou contra as lassitudes, as
calúnias, as conspirações.
Depois da revolta popular, Moisés teve que abater o orgulho dos sacerdotes-levitas,
que queriam igualar-se-lhe em função, e se consideravam, como ele,
inspirados diretos do Iavé. Viu-se também obrigado a enfrentar
as conspirações mais perigosas de alguns chefes ambiciosos como Coré, Datan e
Abiram, que fomentaram a insurreição popular para derrubar o profeta e
proclamar um rei, assim como fariam mais tarde os israelitas com Saul, apesar
da resistência de Samuel.
Nessa luta, Moisés tem momentos de indignação e de piedade, ternuras
de pai e rugidos de leão contra o povo que se debate sob a pressão de seu
espírito e que apesar de tudo suportou-o. Disso encontramos o eco
nos diálogos que a narrativa bíblica institui entre o profeta e seu Deus,
diálogos que parecem revelar o que se passava no fundo de sua consciência.
No Pentateuco, Moisés triunfa sobre todos os obstáculos mediante os
milagres mais inverossímeis. Jeová, concebido como um Deus pessoal,
está sempre à sua disposição. Aparece sobre o tabernáculo como uma
nuvem brilhante que se chama a glória do
Senhor.
Somente Moisés pode ali entrar; os profanos que se aproximam são
feridos de morte. O tabernáculo de assinação, que contém a arca, desempenha na narrativa
bíblica o papel de uma gigantesca bateria elétrica que uma vez carregada do
fogo de Jeová fulmina massas humanas. Os filhos de Aarão, os
duzentos e cinquenta adeptos de Coré e de Datan, enfim, quatorze mil homens do
povo são mortos instantaneamente. Além disso, Moisés provoca, em
hora marcada, um tremor de terra que traga os três chefes revoltados, com suas
tendas e suas famílias. Esta última narrativa é de uma poesia terrível e grandiosa. Mas
é pintada com tal exagero, com um caráter tão visivelmente lendário que seria
pueril discutir-lhe a realidade. O que, acima de tudo, dá um caráter exótico a
essas narrativas é o papel de Deus irascível e mutável que a ele empresta
Jeová. Está sempre prestes a fulminar e a destruir, enquanto que Moisés
representa a misericórdia e a sabedoria. Uma concepção tão
infantil, tão contraditória da divindade não é menos estranha à
consciência de um iniciado de Osíris que à de um Jesus.
E, contudo, esses colossais exageros parecem provir de certos fenômenos devidos
aos poderes mágicos de Moisés e que não são únicos na tradição
dos templos antigos. É hora de dizermos o que se pode acreditar dos pretensos
milagres de Moisés, sob
o ponto de vista de uma teosofia racional e dos pontos elucidados da ciência
oculta. A produção de fenômenos elétricos sob diversas formas, pela
vontade de poderosos iniciados, não é atribuída somente a Moisés pela
Antiguidade. A tradição caldaica atribuía-a aos magos; a tradição grega e
latina, a alguns sacerdotes de Júpiter e Apolo (3) Em tais casos os fenômenos são de ordem
elétrica. Mas a eletricidade da atmosfera terrestre ali seria movimentada por
uma força mais sutil e mais universal difundida por toda parte, e que os
grandes adeptos estavam aptos a atrair, a concentrar e a projetar. Esta força é chamada akasa pelos
brâmanes, princípio-fogo pelos magos da Caldéia, grande agente mágico pelos
cabalistas da Idade-Média. Sob o ponto de vista da ciência poder-se-ia
chamá-la força eterificada. Pode-se atraí-la diretamente, ou evocá-la por
intermédio dos agentes invisíveis, conscientes ou semiconscientes,
dos quais está repleta a atmosfera terrestre e que a vontade dos magos sabe
dominar. Esta teoria nada tem de contrária a uma concepção racional do
Universo, e é até indispensável para explicar uma quantidade imensa de
fenômenos que, sem ela, permaneceriam incompreensíveis. Falta
somente acrescentar que esses fenômenos são regidos por leis imutáveis e sempre
proporcionais à força intelectual, moral e magnética do adepto.
Anti-racional e antifilosófica seria a movimentação da causa primeira, de Deus,
por um ser qualquer, ou a ação imediata desta causa por ele, o que levaria a
uma identificação do indivíduo com Deus. O homem só se eleva relativamente a Deus pelo pensamento ou pela oração,
pela ação ou pelo êxtase. E Deus só exerce sua boa ação no Universo
indireta e hierarquicamente por meio das leis universais e imutáveis que
exprimem seu pensamento, e através dos membros da humanidade terrestre e divina
que o representam parcial e proporcionalmente do infinito do espaço e do tempo.
Aceitos esses princípios, acreditamos perfeitamente possível que Moisés,
sustentado pelos poderes espirituais que o protegiam e manipulando a força
eterificada com ciência consumada, tenha podido utilizar-se da arca como uma
espécie de receptáculo, de catalisador, para a produção de fenômenos elétricos
de caráter fulminante. Ele se isolava, com seus sacerdotes e confidentes, usando
vestimentas de linho e perfumes que os defendiam das descargas do fogo etéreo.
Mas esses fenômenos só podem ter sido raros e limitados. A lenda sacerdotal os exagerou.
Foi suficiente para Moisés ferir de morte alguns chefes rebeldes ou alguns
levitas desobedientes por uma projeção de fluído, para aterrorizar e domar todo
o povo.
(1). Êxodo, XVIII, 13-24. A importância desta passagem sob o
ponto de vista da constituição de Israel foi justamente salientada por M.
Saint-Yves, em seu belo livro: La Mission des Juifs.
(2). Na Antigüidade, as coisas escritas em pedra eram consideradas as
mais sagradas. O hierofante de Elêusis lia para os iniciados segundo as tábuas
de pedra coisas que eles juravam não dizer para ninguém e que não encontravam escritas
em nenhuma outra parte.
(3). Duas vezes um ataque ao templo de Delfos foi repelido nas
mesmas circunstâncias. Em 480 a.C., as tropas de Xerxes o atacaram e recuaram apavoradas
diante de uma tempestade, acompanhada de chamas que saíam do solo e da queda de
grandes blocos de pedra (Heródoto). - Em 279 a.C., o templo foi atacado de novo
por uma invasão de gauleses e de quínris. Delfos era defendido apenas por uma
pequena tropa de focianos. Os bárbaros atacaram; no momento em que iam penetrar
no templo, uma tempestade explodiu e os focianos derrotaram os gauleses. (Ver a
bela narrativa de Amédée Thierry, na Histoire des Gaulois, livro II).
VI
A
MORTE DE MOISÉS
Quando Moisés chegou com seu povo à entrada de Canaã, sentiu que sua
obra estava terminada. O que era Iavé-Eloim para o Vidente do Sinai? A
ordem divina de alto a baixo, através de todas as esferas do Universo e
realizada na terra visível, à imagem das hierarquias celestes e da eterna
verdade. Não, ele não havia contemplado em vão a face do Eterno, que se
reflete em todos os mundos. O Livro estava na Arca, e a Arca,
guardada por um povo forte, templo vivo do Senhor.
O culto do Deus único estava fundado sobre a Terra; o nome de Iavé brilhava em letras
chamejantes na consciência de Israel; os séculos poderão rolar suas ondas na
alma mutável da humanidade, porém, não apagarão mais o nome do
Eterno.
Moisés, tendo compreendido essas coisas, invocou
o Anjo da Morte. Impôs as mãos sobre a cabeça do seu sucessor, Josué,
diante do tabernáculo, a fim de que o Espírito de Deus descesse sobre ele, depois abençoou
toda a humanidade através das doze tribos de Israel e escalou o monte Nebo,
seguido somente de Josué e de dois levitas. Aarão já havia sido “recolhido
junto de seus pais”, a profetisa Maria tomara o mesmo caminho. E o
dia de Moisés tinha chegado.
Quais foram os pensamentos do profeta centenário, quando viu desaparecer
o acampamento de Israel e subiu para a grande solidão de Eloim? O que teria
sentido ele ao correr os olhos pela terra da promissão, de Galaad a Jericó, a
cidade das palmas? Um verdadeiro poeta
(1), pintando com maestria seu estado de alma, colocou-lhe nos lábios
este grito:
Senhor,
vivi poderoso e solitário,
Deixai-me
adormecer no sono da terra!
Luca
Signorelli e Bartolomeo della Gatta,
“Morte
de Moisés”, 1482
Esses belos versos dizem mais sobre a alma de Moisés do que os comentários
de uma centena de teólogos. Esta alma se assemelha à grande pirâmide de Gisé,
maciça, nua, fechada por fora, mas que contém em seu interior os grandes
mistérios e traz em seu centro um sarcófago, chamado pelos
iniciados o sarcófago da ressurreição. Dali, por um corredor
oblíquo se percebia a estrela polar. Assim também aquele espírito
impenetrável, do centro de sua alma, olhava o destino final de todas as coisas.
Sim, todos os poderosos conheceram a solidão que cria a grandeza;
mas Moisés foi mais solitário do que os outros, porque seu princípio foi mais
absoluto, mais transcendental. Seu Deus foi o princípio masculino
por excelência, o Espírito puro. Para impô-lo aos homens, precisou declarar
guerra ao princípio feminino, à deusa Natureza, à Eva, à mulher eterna que vive
na alma da Terra e no coração do Homem. Teve que combatê-la sem trégua e sem
misericórdia, não para destruí-la, mas submetê-la e dominá-la.
Não é de admirar que a Natureza e a Mulher, entre as quais reina um pacto
misterioso, tremessem diante dele, e, consequentemente, se rejubilassem com sua
partida e esperassem, para erguer a cabeça, que a sombra de Moisés deixasse de
projetar sobre elas a sombra da morte.
Tais foram, sem dúvida, os pensamentos do vidente, enquanto subia o
estéril monte Nebo. Os homens não podiam amá-lo, porque ele só tinha amado a
Deus. Pelo menos sua obra viveria? Seu povo permaneceria fiel à sua
missão? Ah! Fatal clarividência dos moribundos, dom trágico dos profetas que
levanta todos os véus na hora derradeira! À medida que o espírito de
Moisés se desligava da terra, ele vê a terrível realidade do futuro.
Vê as traições de Israel, a anarquia imperando, a realeza sucedendo aos Juizes,
os crimes dos reis conspurcando o templo do Senhor, seu
livro mutilado, incompreendido, seu pensamento deturpado, rebaixado pelos
sacerdotes ignorantes ou
hipócritas, as apostasias dos reis, o adultério de Judá com as
nações idólatras, a pura tradição e a doutrina sagrada sufocadas, e os
profetas, possuidores do verbo vivo, perseguidos até o fundo do deserto.
Sentado numa caverna do monte Nebo, Moisés vê tudo isso em si mesmo.
Mas a Morte já estendia as asas sobre sua fronte e pousava a mão fria sobre seu
coração. Então, aquele coração de leão tentou rugir ainda uma vez.
Irritado contra seu povo, Moisés conclamou a vingança de Eloim. sobre a raça de
Judá. Ergueu o braço pesado. Josué e os levitas, que o assistiam, ouviram com
espanto estas palavras saírem da boca do profeta moribundo: “Israel traiu seu Deus. Que ele seja disperso
aos quatro ventos do céu!”
*Será que é por isso que existem judeus no mundo todo?
Josué e os levitas olhavam com terror seu mestre, que não dava mais
sinal de vida. Sua última palavra tinha sido uma maldição. Teria ele, com ela,
exalado seu último suspiro? Porém, Moisés abriu os olhos ainda uma vez e disse:
“Voltai
para Israel. Quando os tempos chegarem, o Eterno vos fará aparecer um profeta
como eu entre vossos irmãos e colocará o verbo em sua boca, e esse profeta vos
revelará tudo o que o Eterno lhe tiver ordenado. E o Eterno pedirá contas a
quem não escutar as palavras que ele tiver dito”.
(Deuteronômio, XVIII, 18,19).
Após essas palavras proféticas, Moisés entregou seu
espírito. O Anjo solar com o gládio de fogo, que primeiro lhe apareceu no
Sinai, esperava-o. Arrastou-o para o seio profundo da Ísis celestial, para as ondas
daquela luz, que é a Esposa de Deus. Longe das regiões terrestres, eles
atravessaram círculos de almas de um crescente esplendor.
Finalmente, o Anjo do Senhor mostrou-lhe um espírito de
surpreendente beleza e de uma doçura celestial, mas de um brilho tal e de uma claridade
tão fulgurante, junto da qual a sua parecia apenas uma sombra. Esse espírito
não trazia o gládio do castigo, mas a palma do sacrifício e da vitória. Moisés
compreendeu que ele completaria sua obra e conduziria os homens ao Pai, pelo poder do Eterno-Feminino, pela Graça divina e pelo Amor perfeito.
Então, o Legislador se prostrou diante do Redentor e Moisés adorou
Jesus Cristo.
(1). Alfred de Vigny.
Segundo a bíblia, Moisés morreu sobre o Monte Nebo, com a idade
de cento e vinte anos; que foi sepultado e que ninguém até agora sabe onde está
a sua sepultura.
SEGUNDO
A BÍBLIA
Durante 430 anos a família e os descendentes de Jacó
permaneceram no Egito, transformando-se em um povo numeroso - o povo de ISRAEL
(EX 12:40). Os egípcios, sentindo-se ameaçados, impunham-lhes pesados tributos
através do trabalho gratuito ao Faraó.
Para evitar o aumento da população israelita, o Faraó Ramsés II,
em torno de 1250 a.C., determinou a morte de seus filhos recém nascidos do sexo
masculino.
Em outras palavras...
Este relato foi ornamentado pela mitologia rabínica por meio de
outro relato concernente aos acontecimentos que antecederam o nascimento de
Moisés. No sexagésimo ano após a morte de José, o Faraó teve num sonho a visão
de um velho que segurava uma balança; todos os habitantes do Egito estavam num
dos pratos, ao passo que no outro havia apenas um cordeiro lactente, o qual,
entretanto, pesava mais do que todos os egípcios. O rei, alarmado, consultou de
imediato os sábios e astrólogos, os quais disseram que o sonho assinalava o
nascimento de um filho dos israelitas que destruiria todo o Egito. O rei,
apavorado, logo ordenou a morte de todos os recém-nascidos dentre os israelitas
por todo o país. Por causa desta ordem despótica, o levita Amram, que vivia em
Goshem, decidiu afastar-se de sua mulher, de modo a que não destinasse a uma
morte certa os filhos por ele gerados. Mas, mais tarde, sua filha Míriam
opôs-se a esta decisão, que prenunciou profeticamente que seria justo a criança
anunciada no sonho do rei proviria do ventre de sua mãe e se tornaria o
libertador de seu povo. Amram, então, voltou para junto de sua mulher, de quem
estava separado por três anos. Ao cabo de três meses, ela concebeu e deu em
seguida deu à luz um menino, cujo nascimento envolveu toda a casa por um fulgor
de extraordinária luminosidade, assinalando a veracidade da profecia.
Relatos similares são dados a respeito do nascimento do ancestral
da nação hebraica, Abraão. Ele era filho de Terah - comandante de Nimrod - e
Amtelai. Anteriormente a seu nascimento, fora revelado pelas estrelas ao rei
Nemrod que a criança vindoura derrubaria os tronos de príncipes poderosos e
tomaria posse de sua terras. O rei Nemrod tramou para que a criança fosse morta
imediatamente após seu nascimento. Mas quando foi pedido a Terah que entregasse
a criança, ela respondeu: "Sim,
nasceu de mim um filho, mas ele morreu". Ele então entregou uma outra
criança, ocultando seu próprio filho em uma caverna subterrânea, onde Deus
propiciou-lhe que fosse amamentado com o leite de um dedo da mão direita.
Conta-se que Abraão permaneceu nesta caverna até seu terceiro (décimo, segundo
outros) ano de vida.
Na geração seguinte, na história de Isaac, comparecem os mesmos
motivos mitológicos. Anteriormente a seu nascimento, o rei Abimelech foi
advertido por um sonho a não tocar em Sarah, pois isto causaria seu infortúnio.
Após um longo período de esterilidade, ela finalmente gerou um filho, o qual
(mais tarde, segundo este relato), votado a sacrifício por seu próprio pai,
Abraão, foi por fim salvo por Deus. Mas Abraão expulsou seu filho mais velho
Ishmael, junto com Hagar, a mãe do menino.
O nascimento de Moisés é uma saga etimológica, para explicar o
seu nome. Moisés significa "aquele que foi tirado". Seu nome,
originalmente, seria Tutmoses, o que
significaria 'filho de Tut'. Eles,
certamente subtraíram o primeiro nome, por se identificar com um Deus pagão, e
ficou apenas Moses, que deu MOSHE, em hebraico. Historicamente,
quase nada consta de Moisés. Mas não há motivos para se negar sua existência.
Segundo a bíblia, foi Jocabel, mulher de Amram, neto de Levi, que
deu á luz um menino e o amamentou por três meses. Temerosa de que os guardas o
descobrissem arquitetou colocá-lo no rio Nilo, num cesto forrado e betume, á
hora do banho da princesa Termútis, filha de Ramsés II (EX 2: 1-10). A princesa
recolheu-o e adotou-o como filho.
Moisés
no berço
Certamente Moisés foi um Espírito missionário de alta
hierarquia, com uma difícil tarefa: libertar o povo hebreu do jugo egípicio e
codificar as leis divinas de caráter universal (O Decálogo).
Educado em palácio, iniciado nos cultos herméticos dos faraós e
sacerdotes, sempre se destacou por sua personalidade de liderança. Após um
incidente com um guarda egípcio, Moisés mata-o, e tem de fugir. Vai para Madiã,
ao sul da Palestina, onde se casa e passa 40 anos pastoreando, também
aprendendo os caminhos do deserto.
Um dia, nas imediações do Monte Sinai, o mesmo onde anos mais
tarde recebeu o Decálogo, Moisés ouviu um chamado á sua missão, quando Deus
"lhe fala" do meio de uma sarça ardente (EX 3). Moisés, volta ao
Egito com sua família (EX 4:18-20). Reinava, então, Menerphtah, filho de Ramsés
II e, tendo seu irmão mais velho, Arão, como intérprete de sua vontade junto ao
Faraó, pediu a liberdade de seu povo.
Depois de muitas dificuldades e pragas terríveis o Faraó, ainda
assim, não concordou com sua saída (EX, caps. 7 a 11 ).
As
Pragas
São histórias
estilizadas e artificiais. Quando os mais velhos foram contar para os mais
novos a história da libertação do Egito, eles se quiseram mostrar muitas vezes
a intervenção poderosa de Deus contra o inimigo e assim glosaram os fatos com
situações fantasiosas. Que há aí de histórico? Cada fato tem relação com algum
fenômeno acontecido, mas não na quantidade que a Bíblia relata. Eles
transportaram tudo para um tempo determinado e deram uma significação e
interpretação religiosa.
Com relação à morte dos primogênitos,
certamente durante o tempo em que os hebreus estiveram lá aconteceu a morte de
um filho do Faraó e eles atribuíram também significação religiosa a este fato,
como sendo um desígnio divino. Mas o que interessa não é o fato, e sim a
interpretação do fato. Eles queriam convencer o leitor de que foi Deus quem fez
tudo isso.
A história das
pragas evoluiu do tempo em que se passaram historicamente para o tempo em que
foi escrita. Na água que se transformou em sangue está o melhor exemplo desta
evolução: estão presentes as três tradições (Javista, Eloísta e Sacerdotal). Em
Ex. 4,9, diz: 'pouco de água tirada num balde, com a ação de Moisés se
transformou em sangue' (javista); em 7,17-19, diz que 'todo o Nilo se transformou
em sangue'. É uma evolução da anterior (sacerdotal). A seguir, diz que 'todas
as águas ficaram vermelhas'. Note-se nisto tudo uma constante evolução do
fenômeno, certamente ocasionado pela tradição oral, antes das histórias serem
escritas.
Face á não concordância do Faraó, o Senhor instituiu a Páscoa
(EX, cap 12 ), na qual os hebreus deveriam marcar as ombreiras das portas com o
sangue dos cordeiros imolados, assinalando sua presença para que os
primogênitos não fôssem atingidos pela praga destruidora. Disse então o Faraó a
Moisés: "Ide e servi o Senhor, como tendes dito" (EX 12:31).
Instituição da Páscoa (cap. 12)
O autor retrojeta
para o tempo de Moisés um rito pascal instituído depois do exílio, usado no
templo de Jerusalém. O vers. 1 é a ligação. Será o primeiro mês do ano, isto
porque até o tempo de Josias (séc VII) o ano começava no outono (outubro),
igual ao calendário dos babilônios. Com o reinado de Josias, a festa foi mudada
de data para a primavera, a fim de não se confundir com o culto da fertilidade,
celebrado pelos pagãos no inicio do ano. A páscoa já existia mesmo antes dos
cananeus.
A origem da
palavra 'páscoa' vem de "pashá", que significa coxear, mancar. Daí
passou para pular, dançar, festejar, passar por cima, salvar. "O anjo de
Deus saltou as casas dos hebreus para não lhes fazer mal." A festa dos
ázimos também era pagã, mas era a festa agrícola correspondente à páscoa, que
era pastoril. O caso de não comer pão com fermento é porque fermento é deterioração
da matéria, sinal de impureza. Não se sabe como, depois eles juntaram as duas
festas.
O fato narrado em
Ex 12,6 é uma alusão á saída do Egito, é um rito supersticioso e mágico dos
nômades, para livrar de qualquer mal espírito as casas: pintar os umbrais com
sangue. O autor coloca aí como se fosse na noite posterior às pragas, na noite
da partida. Em 12,15, fala da festa dos ázimos. Na pressa da saída, não tiveram
tempo de fermentar o pão. E manda comer pão assim por sete dias. Em 12, 27, há um
rito que se cumpre ainda hoje na tradição dos hebreus: um menino pergunta ao
pai, que conta toda a história. Fala da libertação, mas não como fato passado,
e sim como se acontecesse com eles. Todas as vezes que celebravam uma
libertação, eles referiam este fato.
A passagem do Mar
Vermelho é uma narração epopéica, enriquecida pela liturgia. O Cap.15 é o canto
de Moisés, mas este canto não é exatamente dele. Fala de vitórias sobre os
filisteus, os amalecitas, povos posteriores a ele. Foi feito por outro autor e
atribuído a Moisés. A passagem 15, 20-21 é um texto muito antigo. Teria sido
mesmo após a passagem do mar vermelho.
Inicia-se o ÊXODO (saída dos hebreus do Egito), mas,
arrependendo-se, o Faraó persegue-os até as margens do Mar Vermelho (na região
do Mar dos Juncos), onde os soldados egípcios são tragados pelo mar, depois da
passagem de Moisés e seu povo.
Em 19,4 começa a narração da aliança. A arqueologia mostrou
várias alianças entre reis antigos, parecidos com esta do Sinai, redigidas no
mesmo esquema. A de Israel tem sua conotação própria, porque é com Deus. A
insistência em trovões e relâmpagos talvez são fatos que provavelmente teriam
acontecido o que é muito possível em região vulcânica como lá.
A Lei de Deus, ou Decálogo, é uma lei de todos os tempos e de
todos os povos, e tem, por isso mesmo, um caráter divino. Todas as demais
estabelecidas por Moisés, contidas no LEVÍTICO, NÚMEROS E DEUTERÔNOMIO (livros
do Pentateuco), eram TRANSITÓRIAS, porque o grande legislador foi
"obrigado a manter pelo temor um povo naturalmente turbulento e
indisciplinado, no qual tinha que combater abusos arraigados e preconceitos
adquiridos durante a servidão do Egito". Para dar autoridade ás suas leis,
ele teve de lhes atribuir uma origem divina, como o fizeram todos os
legisladores dos povos primitivos. A autoridade do homem devia apoiar-se na
autoridade de Deus.
A Aliança
A narração da
entrega dos mandamentos é um esforço para colocar dentro da aliança o decálogo,
uns preceitos imperativos e outros explicativos, uns mais antigos e outros mais
recentes. Em parte vêm de Moisés, pois ele teria dado alguns princípios gerais
para o governo do povo, e outros foram acrescentados, tirados de outros povos,
preceitos conhecidos e adotados pelos povos vizinhos.
Eis o esquema
comum das alianças, que foi seguido pelos hebreus:
l. introdução
histórica
2. proposta
(mandamentos)
3. pacto
(compromisso)
4. bênçãos e
maldições
5. sacrifício: a
tábua é colocada no santuário de um deus.
Este esquema era
das alianças que ordinariamente se faziam naquela época. Como se vê, pouco ou
nada há de diferente na esquematização da Aliança de Deus com Israel. Até a
conservação das tábuas houve também.
A introdução
(19,3-19) é de origem sacerdotal. 3-6 é o discurso de Deus como introdução à
Aliança; 7-15 é a preparação da vinda de Deus para onde está o povo; 16-19 é
uma teofania (aparição de Deus na tempestade). O vers 20 é uma repetição disto
tudo, originária de outra tradição. A seguir, a narração é interrompida para
que sejam intercalados os mandamentos. O decálogo está em 20, 1-17. É um código
de leis bastante antigo, muito inspirado em Hamurabi.
As tempestades a
que se refere o cap. 19 são teofanias e constam nas tradições Javista, Eloísta
e Deuteronômica. Para os antigos, relâmpagos e trovões eram manifestações de
Deus. Os exegetas não negam que possa ser a narração de um fato natural da
época. No seu discurso, Deus faz questão de dizer "toda a terra é
minha", para que o povo não pense numa religião nacionalista, mas
universal. "Reino de Sacerdotes", porque no mundo de Javé todos são
mediadores; "nação santa", ou seja, em hebraico 'kadosh' = separada.
A "nuvem" é a presença de Deus, e o "som da trombeta" é um
modo de descrever o ruído do trovão. O povo não vê Deus, vê apenas os sinais.
O vers.22 é da lei
de talião. É muito rigorosa, em relação ao Evangelho, mas é um grande progresso
comparada às leis mais antigas. O cap. 24 é quase todo de origem eloista. Tem
algo de sacerdotal. Vers 3 é um compromisso do povo; vers. 5 é o holocausto,
vítima pacífica. A seguir, a aspersão do povo com o sangue, para consumar a
aliança. JC na instituição da eucaristia faz alusão às palavras de Moisés. O
vers 11 é o mesmo sacrifício, descrito na tradição javista.
Os hebreus nem
sempre entenderam bem o sentido da aliança. O seu significado foi dado pelos
profetas, mais tarde, acentuando não tanto o contrato jurídico, mas o relacionamento
pessoal de Deus, acompanhando-os no deserto.
Os Mandamentos
Um problema que
sempre perturbou os hebreus foi eles distinguirem o Deus verdadeiro da imagem
de Deus. Se Moisés deixasse o povo fazer imagens, eles a adorariam como Deus.
Foi preciso muito tempo para que eles chegassem a uma concepção abstrata da
divindade. O "Deus que ninguém vê" era um problema sério, e por isso
eles caíram muitas vezes em idolatria. Dai a séria proibição na Bíblia de se
fazerem imagens.
O Decálogo católico é uma adaptação. Nele
está modificado o 6o. mandamento. Na Bíblia diz: "não cometer
adultério", e no catecismo diz: 'não pecar contra a castidade'; também os
9 e 10 mandamentos na Bíblia são um só, e no catecismo está dividido. Esta distinção
foi precisa para se completarem os dez, porque eles suprimiram o que proibia a
fabricação de imagens, e isto sempre foi causa de polêmica com os protestantes.
Aqui está a
discriminação dos mandamentos na Bíblia (cap. 20):
1o. mandamento =
vers 3 - (Não terás outros deuses diante de mim.)
2o. mandamento =
vers 4 a 6 - (Não farás para ti imagem esculpida... não te prostrarás diante
destes deuses e não os servirás...)
3o. mandamento =
vers 7 - (Não pronunciarás em vão o nome do teu Deus)
4o. mandamento =
vers 8 a 11 - (Trabalharás durante seis dias... o sétimo dia é o sábado de
Javé)
5o. mandamento =
vers 12 - (Honra teu pai e tua mãe)
6o. mandamento =
vers 13 - (Não matarás)
7o. mandamento =
vers 14 - (Não cometerás adultério)
8o. mandamento =
vers 15 - (Não roubarás)
9o. mandamento =
vers 16 - (Não apresentarás um falso testemunho contra o próximo)
10o.mandamento =
vers 17 - (Não cobiçarás a casa do próximo, nem sua mulher, nem seu escravo, nem
sua escrava, nem seu boi, seu jumento nem coisa alguma que lhe pertença.
Míriam, assim como qualquer ser humano, não era perfeita. Ousada
nas palavras e nos atos é humana tanto em suas virtudes como em suas fraquezas.
Míriam amava o irmão. Além de ter dons proféticos, era uma mulher bondosa,
generosa, devotada a seus irmãos e a seu povo.E ela via Moisés muito só,
isolado de seu povo. Ao saber que havia se separado fisicamente de sua esposa,
Miriam procura Aarão preocupada. Diz-lhe que os patriarcas e outros profetas
não se separavam das mulheres, por que então o faria Moisés?
Apesar de suas palavras não conterem malícia, mas apenas
preocupação, o próprio Eterno repreende Aarão e Míriam duramente, afirmando que
o nível de profecia de Moisés era diferente de todos os outros que o
antecederam. Depois de receber a Torá no Monte Sinai, Moisés não poderia voltar
a viver uma existência física e material.
Ramban observa que Míriam só murmurou discretamente para seu outro
irmão e mesmo assim foi severamente punida por ter falado de Moisés: “E a nuvem
retirou-se de sobre a tenda, e eis que Míriam estava leprosa, branca como a
neve; e olhou Aarão a Míriam, e eis que estava leprosa” (Números 12,10).
Apesar de estar passando um dos momentos mais difíceis de sua
vida, Moisés intercede pela irmã e pede a D’us que a cure. D’us concorda e
ordena que Míriam permaneça sete dias fora do acampamento, isolada, mas afirma
que Ele mesmo vai cuidar dela ”D’us a puniu, Ele a fez adoecer e Ele a sarou”.
“E Míriam foi deixada fora do acampamento, durante sete dias e o
povo não partiu até ela ser recolhida” (Números 12:15). O povo, em lealdade
profunda por sua líder, esperou por ela, assim como ela havia esperado na
margem do rio Nilo para ver o que iria acontecer com o pequeno Moises.
No quadragésimo ano da saída, no mês de Nissan, no deserto em
Cadesh, Míriam estava com 125 anos: “... e morreu ali Míriam, e foi sepultada
ali” (Números 20,1). Uma morte sem dor concedida por D´us pelos seus grandes
méritos. Logo após sua morte a Torá diz:
“... e a congregação já não tinha mais água” (Números 20:2). A
fonte milagrosa que providenciara água sem interrupção durante 40 anos
desaparece após sua morte. Os hebreus, sedentos, voltam a se queixar.
Rashi analisa o impacto da morte de Míriam sobre o irmão para
tentar explicar os eventos que levam Moisés a não obedecer as Ordens Divinas.
Segundo Rashi, a conexão entre Moisés e a irmã era muito forte, pois ela havia
moldado sua vida. Ela sempre estivera a seu ao lado - vigiando-o enquanto
criança e exultando e cantando com ele após a travessia do Mar Vermelho.
Mesmo nas horas mais difíceis, Míriam nunca perdeu as esperanças
de que um dia Moisés libertaria Israel da escravidão. Foi ela quem tornou a redenção
possível por nunca ter desistido de sua visão. Quando Míriam morre, Moisés
sente-se perdido, exausto, incapaz de suportar pacientemente as queixas e lamú-
rias de seu povo e não consegue controlar sua ira. E, então, comete o erro que
faz com que não lhe seja permitido entrar na Terra de Israel.
Bibliografia:
Munk, Rabbi
Elie, The Call of the Torah
Weissman,
Rabbi Moshe,
The Midrash
Says
Enfim, Moisés, depois de tirar o povo escravizado do Egito pelo
deserto, e durante quarenta anos permanecerem no deserto, finalmente chegam a
Palestina e/ou “Terra Prometida”. E isso é descrito em “seus livros” – “Êxodo,
Levítico e Números”, que compõem o Pentateuco.
PENTATEUCO
A autoria de todos os “Cinco Livros” (Pentateuco), costuma ser
atribuída à Moisés.
“Pentateuco” (palavra
portuguesa), nome originado, conforme pesquisadores, do desejo de obter cópias
manejáveis desse grande volume, fazendo com que se dividisse seu texto em cinco
rolos de tamanho similar, provindo daí, a denominação que lhe foi dado nos
círculos de língua grega (dos Fenícios): “he
pentateuchos” (subentendido “biblos”
= livros), “O livro em cinco volumes”,
posteriormente, transcrito em latim como ‘Pentateuchus”
(subentendido “Liber” = livros),
donde a expressão portuguesa “Pentateuco”.
Tendo, tal divisão, sido atestada, antes de nossa era, pela versão grega dos
“Setenta” (70), ou seja, trata-se do conjunto dos cinco (5) primeiros livros da
bíblia, (possivelmente, trazidos da Babilônia por Esdras) denominados pelos
judeus de “Lei”, ou Torá (Bíblia, fundamento da religião judaica; seu livro
canônico, por excelência; sua Lei; Reguladora da vida moral, social e religiosa
desse povo). Os “títulos” de cada um desses “livros”, foram dados, segundo seu
conteúdo, assim sendo, são os seguintes:
1. Gênesis (Por
tratar-se das origens do mundo) – Divide-se em duas partes desiguais,
sendo a primeira, um relato da criação do universo, do homem, e, de tudo que
era necessário; o relato da queda original e suas consequências,...a
perversidade crescente,...a destruição pelo dilúvio, a primeira “Aliança” que
Deus faz com a humanidade, através de Noé (o
Profeta justo), ocorre o repovoamento da terra, e,...genealogias,
culminando, ao chamado “Pai do povo
eleito”, o Profeta Abraão (Profeta da Fé). E, a segunda parte, relata – através das histórias dos Patriarcas – a
Fé, a Confiança e, principalmente, a Obediência dos “grandes ancestrais”,
recompensada por Deus, com a “Renovação da Aliança”, através da “Circuncisão”,
além da promessa à Abraão, de posteridade para ele, e, para seus descendentes – (Os “doze” filhos de Jacó [Profeta
das Habilidades, porém, escolhido “desde antes do nascimento”, com quem Deus
“Renovou a promessa da Aliança” concedida à Abraão, seu avô], são os
ancestrais das “Tribos de Israel”) -
a “Terra Santa”. No entanto, se encerra, enfatizando José (o homem da Sabedoria), que no relato de
sua vida, torna evidente a recompensa pela virtude do sábio;...
Resumindo, o Gênesis, traduz com expressões abstratas, mas,
talvez adequada a “mente do povo daquela época”, ou ainda, oculta, à ser
desvelada pelos que tivessem ou adquirissem o “Dom da Ciência”, a origem dos
seres (até o cap. 11), enunciados num estilo que mistura o simples com o
figurado, clara nas advertências fundamentais, imprescindíveis, para se
entender a necessidade da salvação; na intervenção especial de Deus para formar
o homem e a mulher; a unidade do gênero humano; o pecado dos primeiros pais, a
ruína e as penas hereditárias que constituíram sua sanção;...profundo, rico e
belo texto, com “vestes míticas”,...tal como convinha ao inspirado que
escreveu.
2. Êxodo (Por
tratar-se da saída do Egito) – Neste livro, iniciam-se narrativas da vida de
Moisés, continuando nos dois livros seguintes (Levítico e Números); relato da
formação do povo eleito, bem como, o início da “travessia no deserto” (com
duração de 40 anos), e, o estabelecimento de sua lei social (“Sinarquia”) e
religiosa (Javismo). No Êxodo, há dois “temas” principais, descritos: a
libertação do povo do Egito (israelitas escravizados pelos Faraós) e o
“recebimento da Revelação do nome Iahweh”
(“Eu sou quem sou”), na “Montanha de Deus”, e a “Nova Aliança”, no “Deserto
do Sinai”, isto é, “As Tábuas da Lei” (Os Dez Mandamentos – um “Código de
conduta”). Relata a “Vocação de Moisés”, o tornando “Iniciador da Religião;
Legislador; Formador; Condutor;...” do povo escolhido. Descreve, também, o
caráter tolerante e condescendente de Deus, perdoando – mais uma vez - a “traição” (neste caso, a adoração do
bezerro de ouro);...
Acredita-se que a “partida do povo do Egito”, tenha se dado
entre 1290-1224 a.C.; pois que, de acordo com um trecho do Êxodo (Cap.
1-11), os hebreus trabalharam na construção das cidades-entrepostos de Piton e
Ramsés. Conclui-se daí, que o êxodo é, pois, posterior à Ramsés II, que fundou
a cidade de Ramsés, tendo iniciado a construção no início de seu reinado, e,
terminado, cerca de 1250 a.C.
Com o tempo, constatou-se que o “Código da Aliança”, contem
semelhanças com os “Códigos da Mesopotâmia”, na coleção das Leis Assírias ou no
“Código dos Hititas”;...além de outros “Códigos do Oriente Antigo”, parecendo
tratar-se um bem comum aos povos do Oriente Médio. Daí, concluindo que o
“Decálogo” (As Dez Palavras; Os Dez Mandamentos) não era criação mosaica, sendo
este tão somente um “Instrumento Divino”;...
3. Levítico (Por
tratar-se da “Lei dos Sacerdotes”, da
tribo de Levi) – Interrompendo a narrativa da “marcha sobre o deserto”, este
livro, possui um caráter, basicamente, ou quase exclusivamente, “Legislativo”,
relatando normas, regras, oferendas, sacrifícios, rituais, bençãos,
maldições,...que viabilizavam a “Lei da
Santidade”; enfim, determina as condições de “resgate” das pessoas, animais
e tudo que for consagrado à Iahweh (Leis
Cultuais ou Rituais);...
Acredita-se, muitas destas leis, terem origem em povos nômades.
4. Números (Por
iniciar-se com recenseamentos) – Num retorno a “marcha pelo deserto”, este
livro vai tratar das providências tomadas para “partida do Monte Sinai” (Montanha Santa). Narra algumas
tentativas frustradas, os conflitos, culminado no estabelecimento de duas
tribos (Gad e Rúben) na Transjordânia (talvez, cerca de 1225 a.C.), mas, as
(outras tribos) que restam, preparam-se para o estabelecimento em Canaã
(considerado o início da “Idade de Ferro”).
5. Deuteronômio, de
acordo com uma interpretação grega “Segunda
Lei” (Acredita-se, por tratar-se de uma interpretação e reforma – através
de “Leis civis e religiosas” – que partem de um longo discurso de Moisés) – O
conteúdo deste livro, considera-se possuir uma “estrutura particular”, onde,
misturam-se, “vários dicursos de Moisés”, recordando os
“Grandes acontecimentos” do êxodo, as “Leis promulgadas no deserto”, porém,
intercalados de “Códigos de Leis reformadoras” (perdão de dívidas, estatutos
dos escravos,...); também de trechos sobre a vida de Moisés, isto é, sua
missão, seus cânticos, suas bençãos e seu fim (sua morte). Também, relata a
“Missão de Josué”. Salientam, sobretudo, seu sentido religioso,...exortando,
principalmente, à Fidelidade (“...Deus, por puro beneplácito, escolheu Israel
como seu povo, mas esta eleição e o pacto que a sanciona têm como condição a fidelidade de Israel, à
lei de seu Deus e ao culto legítimo, que lhe deve prestar num Santuário
único”). Aliás, eis aqui, a nítida diferença desse “livro”, enquanto no
Êxodo, baseando-se no “Código da Aliança”, havia legitimado a multiplicidade de
Santuários, em Deuteronômio, é imposta a Lei da unidade do lugar de culto. O que acarreta
modificações em algumas regras anteriores (sacrifícios, dízimos, festas,...),
e, as “fontes” de tais idéias “revolucionárias”, são “desconhecidas”.
NOTA: A autoria de todos os “Cinco Livros” (Pentateuco),
costuma ser atribuída à Moisés, e admitida tradicionalmente, embora, jamais
confirmada pelas tradições antigas. No entanto, alguns pesquisadores,
através de estudos das formas literárias e das tradições, orais ou escritas,
que precederam a redação das fontes atribuídas, constataram conterem elementos
muito mais antigos, tendo estes, sido respaldados, posteriormente, pela
descoberta – arqueológica - “das literaturas mortas (idiomas perdidos,...)” do
Oriente Médio, além do progresso (das conclusões) da história no conhecimento
das civilizações vizinhas à Israel. Demonstrando que as tradições eram
guardadas e conservadas em Santuários, ou eram transmitidas por “narradores
populares”, e, que podem ter sido agrupadas em ciclos, para depois serem
sintetizadas e redigidas por alguém capacitado à isso. Até porque, notaram que
o Pentateuco, apresenta “fatores”, que mostram ter sido revisado, recebido
complemento, combinados entre si, sendo, por isso, respeitado como, “momentos privilegiados de uma longa evolução”,
considerando tratar-se de pontos de cristalização das correntes de tradições
que se originaram em diversas civilizações, culturas,...e, a pluralidade dessas
correntes, são fatos evidenciados pelas diferenças de estilo, desordem de
relatos, duplicatas, repetições, discordâncias,...por exemplo, dois relatos da
criação, duas expulsão de Agar, duas
genealogias de Caim-Cainã, dois relatos combinados do dilúvio, quatro
calendários litúrgicos,...e, por aí vai,...
Segundo informações contidas na “Introdução do Pentateuco”, da
Bíblia de Jerusalém, uma teoria (Século XIX), conseguiu impor-se, após longas
hesitações, aos críticos – pela influência dos trabalhos de Graf e de
Wellhausen - , à de que o “Pentateuco” seria a compilação de quatro documentos,
diferentes quanto à idade, e ao ambiente de origem, mas todos eles muito
posteriores à Moisés. Teria havido, portanto, primeiramente, duas obras narrativas: o Javista (J), – escrito no século IX, em
Judá, talvez no reinado de Salomão - que desde o relato da criação (no
Gênesis), usa o termo “Iahweh” (Javé),
com o qual Deus se revelou à Moisés, e o Eloísta (E), - escrito pouco mais
tarde em Israel (começando já com Abraão) - que designa Deus pelo nome comum de
“Elohim”. E, depois da ruína do reino
do Norte, os dois teriam sido reunidos num só. (JE). Nota-se, portanto, que
apesar das particularidades de estilo, de doutrina, as divergências, enfim,
apesar dos traços que os distinguem, contam – substancialmente – a mesma
história, portanto, têm uma origem em comum. (as duas tradições podem ter sido
compiladas, no fim da época monárquica, talvez no reinado de Ezequias. Depois
de Josias, o Deuteronômio (pode representar costumes do Norte, trazidas para
Judá pelos Levitas, depois da ruína de Samaria), lhe teria sido acrescentado
(JED); e, depois do Exílio, o código Sacerdotal, (P), que continha, sobretudo, “Leis”, com
algumas narrações, teria sido somado a essa compilação, à qual serviu de
arcabouço e moldura (JEDP).
Enfim, o fato é que
especialistas em tais pesquisas religiosas, concordam e reconhecem que essa
“Teoria documentária clássica”, não limitam-se à uma simples crítica verbal,
pois que, não bastam, aceitar ou rejeitar, para explicar a “composição do
Pentateuco”, podendo ainda, terem sido reunidas, num trabalho editorial, dos
Sacerdotes (do Templo de Jerusalém),
durante ou após o Exílio. Acredita-se que tais relatos bíblicos já eram
ensinados oralmente, podendo já terem sido escritos desde a época de Juízes,
quando Israel, começou a existir como povo, como nação.
Há, também, quem questione o número de livros, considerando
tratar-se – originalmente de um “Hexateuco” (incluído Josué e início dos
Juízes), onde passa-se da “Promessa” à “Realização da Promessa” (referindo-se à
conquista da Terra Prometida), assim, tendo sido, posteriormente separado,
quando “O Livro de Josué” passou à primeiro
“livro histórico”. Outros pesquisadores, citam um “Tetrateuco”, ou seja, quatro
livros, excluído desse grupo, Deuteronômio, que se acrescentaria aos “Livros
dos Reis”,...mas, todos reconhecem que tudo são hipóteses, dificilmente
comprovadas infalivelmente, de forma, que resta, ater-nos ao conteúdo
espiritual, dessa multiplicidade de narrativas,...de um povo;...que aprende a
fundamentar, unificar,...a fé e a prática
da fé;...
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