A Evolução Espiritual da Humanidade
(O Influxo Divino e A Pluralidade das Existências)
(A origem da Raça Ariana)
KRISHNA
(Cerca de 4.000 a.C.)
Agora
verão a belíssima história de Krishna,
que
remonta a “noite dos tempos”.
Onde
também, nasce de uma virgem, e morre voluntariamente.
Além
de que são eternos, os ensinamentos
ainda
nos servem nos dias de hoje.
DEVAQUI, a MÃE (Do Nascimento de Krishna)
Devaqui
– Irmã do rei. Virgem de coração singelo e puro. Vem a ser a mãe de Krishna.
Krishna era filho de uma virgem (Tal como Nossa Senhora – Mãe Maria)
Do Nascimento:
Durante um ritual e após um sacerdote declarar a Cansa (Rei de Madura) que nenhum de seus filhos seria o Senhor do
Mundo e que este nasceria das entranhas de sua irmã Devaqui, grande foi a consternação de Cansa e a cólera da negra Nixcumba
(uma de suas esposas), ao ouvirem tais palavras. Daí a rainha Nixcumba, quando
se encontra a sós com o rei o diz que é preciso que Devaqui morra. O rei temia os devas que protegiam Devaqui e titubeou, mas Nixcumba o chamou de covarde e medroso e
o ameaçou voltar para o pai (Calanemi).
Foi então que Cansa ameaçado de a
perder, e fascinado por uma volúpia terrível, sente-se tomado de medo, e
mordido por um novo desejo implacável, e diz: “Pois seja! Exclama: Devaqui
morrerá; mas não me deixes tu”.
Nessa
mesma noite, porém, o puróhita, chefe do sacrifício e sacerdote do fogo, viu
num sonho Cansa a puxar a espada
contra sua irmã – e correu imediatamente à morada da virgem Devaqui, anunciando-lhe o perigo de
morte a ameaça, e ordenando-lhe que, sem perda de tempo, fugisse para entre os
anacoretas. E ela disfarçada em penitente sai do palácio de Madurá. Pela manhã
dão falta dela e Cansa indaga os
guardas que dizem que tinham visto durante o sono fenderem-se os sombrios muros
da fortaleza por um raio de luz e uma mulher sair da cidade seguindo esse raio
que fendia os muros sombrios... Assim, Cansa
compreendeu que um poder invencível protegia Devaqui. Desde então Cansa
com o seu coração tomado de medo, passa a odiar mortalmente sua irmã Devaqui.
Enquanto
isso, vestida com casca de plantas, entrava Devaqui
nas vastas solidões dos gigantescos bosques. Cambaleava, vencida pelo cansaço e
pela fome. Embora só tenha sentido a sombra dos bosques admiráveis. Então se
encontra com o rei dos anacoretas.
Então
Devaqui vê surgir a sua frente uma
paisagem duma paz profunda, de um encanto celeste e paradisíaco.
Devaqui
viu à borda do lago um barco. De pé, junto dele, um homem de idade avançada, um
anacoreta, parecia esperar. Este sinaliza e então, Devaqui entra no barco que segue roçando as ninféias e vê um cisne
num vôo arrebatado, um outro corta os ares, descrevendo em torno da fêmea
grandes círculos e a abatendo depois sobre a água, junto dela, a sacudir as
plumagens de neve. Vendo isso Devaqui
estremeceu profundamente sem saber por
que. Em seguida chega ao rei dos anacoretas (Vasixta) que tinha mais o ar de um deus que de um homem.
Assim
que Vasixta vê Devaqui, levanta-se, saúda a mulher e diz:
“Devaqui, irmã do ilustre Cansa, sede
benvinda entre nós! Guiada por Mahadeva, o Senhor Supremo, trocaste o mundo das
misérias pelo das delícias. Eis-te, pois, junto dos santos rixis, senhores dos
seus sentidos, contentes do seu destino e desejosos de alcançar o caminho que
leva ao céu. Há imenso tempo que vos esperávamos, como a noite espera a aurora.
Porque nós somos o olho dos devas fitado sobre o mundo, nós que vivemos no mais
profundo das florestas. Os homens não nos vêem, mas nós vemos os homens e
seguimo-los nas suas ações. A idade sombria do desejo, do sangue e do crime tem
flagelado a Terra. Mas nós te elegemos para a obra da libertação, e os devas te
escolheram para nós. Porque é nas entranhas de uma mulher que o raio do esplendor
divino receberá uma forma humana.”
Quando os rixis saíram das ermidas para oração da tarde, o velho Vasixta ordena-lhes que se dobrem até o
chão diante de Devaqui. E Vasixta falou-lhes por esta forma: “Aquela será a mãe de
todos nós, porquanto dela nascerá o espírito que deve regenerar.” E voltando-se para ela:
“Vai, minha filha: os rixis te conduzirão ao lago vizinho onde habitam as irmãs
penitentes. Tu viverás entre elas, e os mistérios hão de cumprir-se.”
Assim Devaqui fez e foi
morar numa ermida abraçada de cipós, entre as mulheres piedosas. Onde uma velha
transmitia-lhe instruções secretas. Todas as penitentes haviam recebido ordem
de a vestirem, como a uma rainha de estofos raros e perfumados, deixando-a
errar sozinha em plena floresta. E a floresta cheia de perfumes, de vozes e
mistérios, atraía a jovem. Às vezes, encontrava cortejos de anacoretas, que
regressavam do rio, e que mal a viam, se ajoelhavam à sua roda; depois
retomavam o seu caminho.
Um dia, junto de uma fonte em que os lótus cor-de-rosa floresciam,
apercebe-se ela de um moço anacoreta, que meditava. Ao acercar-se dele, o moço
levanta-se, envolve-se em um profundo olhar triste, e afasta-se em silêncio. Devaqui, começou a sonhar e apareciam em seu
sonhos as figuras graves dos velhos, o grasnar dos dois cisnes da lagoa, o
olhar do moço anacoreta,...
Junto a essa fonte de lótus cor-de-rosa, havia uma árvore
frondosa, de idade imemorável e de grandes ramos (talvez fosse uma figueira),
que os santos rixis chamavam de “árvore da vida”. Devaqui gostava de assentar à sombra de seus ramos; e muitas vezes
se deixou ali adormecer, assim visitavam-na visões estranhas. Vozes cantavam
para lá das folhagens:
“Glória a
ti, Devaqui! Ele virá, aureolado de luz, esse eflúvio puro emanado da grande
alma, e as estrelas hão de empalidecer diante de seu esplendor. Ele virá, e a
vida desafiará a morte, e ele rejuvenescerá o sangue de todos os seus. Ele
virá, mais doce do que o mel e a ambrosia, mais puro que o cordeiro sem mácula
e a boca de uma virgem, e, então passará por todos os corações o mesmo
transporte de amor. Glória, glória, glória a ti, Devaqui!”(Atarva-Veda)
Em
sua ida para floresta, provou os frutos da mangueira;
deslizou por corredores de verduras;
cipós; Ela caminhou toda a tarde e
nessa hora descobriu um bosque de bambus.
Quando chega ao local onde vivem os anacoretas, encontra um lago semeado de lótus e de ninféias azuis. Ao abrigo das palmeiras
sorria o ermida dos anacoretas. Este só se alimentava de frutos selvagens.
Respirou
a frescura da fonte no caminho. E o lago que havia no esconderijo dos
anacoretas possuía uma claridade rósea e tranqüila, no bosque e na morada dos santos rixis. No horizonte, ao largo, a
cumeada branca do monte Merú (montanha
do Himávant) dominava o oceano das florestas.
O hálito de um rio invisível animava
as plantas, e o rumor velado de uma catarata
longínqua errava no ar como uma carícia ou uma melodia.
Atraíram-lhe
para os anacoretas, o zumbido das abelhas;
o grito dos pavões amorosos; o canto
dos coquilas (uma espécie de
pássaros) e de mil outras árvores. Os gamos
e as panteras pulavam pelas
alfombras, enquanto os búfalos faziam estalar os ramos e bandos de macacos
passavam nas folhagens dando gritos. No bosque de bambus, descobriu um elefante que a reverenciou. Quando
chega púdicas cegonhas se revêem na
água, imóveis sobre as margens, enquanto duas gazelas bebem nas suas ondas. Do barco no lago que a levava ao rei
dos anacoretas Devaqui vê nadando na
lagoa, um cisne que rodeava em vôos
circulantes uma fêmea. O rei dos anacoretas (Vasixta) ficava assentado sobre uma pele de gazela e vestido de uma pele de antílope negro.
Da Iniciação, Triunfo e Morte de KRISHNA
Da Iniciação:
Entrementes,
tendo o rei Cansa sabido que sua irmã Devaqui vivia entre os anacoretas, não
conseguindo, todavia, descobri-la, começou a persegui-los e a dar-lhes caça
como se fossem bestas ferozes. A fim de lhe fugir tiveram que se refugiar na
parte mais inacessível e selvagem da floresta. Entretanto, o seu chefe, o velho
Vasixta, apesar dos seus cem anos de idade, pôs-se a caminho para falar ao rei
de Madurá. Foi com verdadeira emoção que os guardas viram aparecer às portas do
palácio um velho guiado por uma gazela, que trazia presa por um fio. Tomados de
respeito pelo rixi, deixaram-no passar. Vasixta acerca-se então do trono onde
Cansa se sentava ao lado de Nixcumba, e diz-lhe:
-
Cansa, rei de Madurá, desgraçado seja tu, filho do Touro, que persegues os
solitários da floresta santa! Desgraçada sejas tu, filha da Serpente, que lhe
assopras o ódio. Aproxima-se o dia do vosso castigo. Sabei que o filho de Devaqui
vive. Ele virá, coberto duma armadura de escamas infrangíveis, e te despenhará
do teu trono na ignomínia. Entretanto, tremei e vivei em temor: é este o
castigo decretado contra vós pelos devas.
Os
guerreiros, os guardas, os fâmulos prosternavam-se ante o santo centenário, que
saiu conduzido pela gazela, sem que alguém ousasse tocar-lhe.
Desde
esse momento, porém, Cansa e Nixcumba só pensavam nos meios de aniquilar
secretamente o rei dos anacoretas. Devaqui havia
morrido, e ninguém, exceto Vasixta, sabia que Krishna era seu filho.
O rumor das proezas deste tinha entretanto chegado aos ouvidos do
rei. E Cansa pensa:
- “Eu preciso dum homem
forte para me defender. Aquele que matou a serpente de Calenemi não terá por
certo medo do anacoreta!
E isto pensando, fez dizer ao patriarca Nanda:
- “Manda-me o moço herói
Krishna, para que eu o faço condutor do meu carro e meu primeiro conselheiro”
NOTA DO AUTOR: Na antiga Índia estas duas funções andavam a maior
parte das vezes juntas. Os condutores dos carros dos reis eram grandes
personagens, e, quase sempre, ministros do monarca, como por inúmeros exemplos,
nos informa a poesia hindu.
Nanda transmitiu a Krishna as ordens do rei e Krishna respondeu: “Irei”, pensando de si para si: “Será o rei de Madurá, aquele que é imutável?
Por ele eu saberia, se o fosse, o paradeiro de minha mãe.”
Vendo Cansa, o vigor, a destreza e a inteligência de Krishna,
afeiçoa-se-lhe e confia-lhe a guarda do seu reino. Nixcumba ao ver, porém, o
herói do Monte Méru, sente sobressaltar-lhe a carne um desejo impuro, e o seu
espírito sutil trama desde logo, ao clarão dum pensamento criminoso, um projeto
terrível. Faz chamar, às ocultas do rei, o condutor do carro ao seu gineceu.
Feiticeira, ela tinha a arte de se rejuvenescer momentaneamente por via de
misteriosos filtros. O filho de Devaqui encontra, pois, Nixcumba, dos seios de
ébano, quase nua sobre um leito de púrpura: anéis de ouro cercavam os seus
artelhos e os seus braços; um diadema de pedras preciosas faiscava sobre sua
fronte. A seus pés ardia um braseiro de que se evolava uma nuvem de perfumes.
Então ela disse:
- Krishna,
disse a filha do rei das Serpentes, a tua fronte é mais calma que as neves do
Himavant, e o teu coração é como a ponta do raio. Tu resplandeces, na tua
inocência, acima dos reis da terra. Ninguém aqui te reconheceu; nem tu próprio
sabes quem és. Eu, somente eu, o sei: os devas fizeram de ti o senhor do mundo.
Queres?
Respondeu Krishna, com um ar grave:
- Se é
Mahadeva quem fala pela tua boca, tu me dirás onde está minha mãe e onde
encontrarei o grande velho que me falou sob os cedros do Monte Méru.
Disse Nixcumba com sorriso desdenhoso:
- Tua
mãe? Certamente que não será por mim que tu o saberás, quanto ao velho, nem
sequer o conheço. Insensato! Tu persegues sonhos e não queres ver os tesouros
da terra que te ofereço. Há reis que ostentam a coroa e que não são reis. Há
filhos de pastores que trazem a realeza assinalada em sua fronte e que ignoram
a sua própria força. Tu és forte, tu és moço, tu és belo, serão teus os
corações. Mata o rei durante o seu sono e eu colocarei a coroa sobre a tua
cabeça, e tu serás o senhor do mundo. Porque eu te amo e tu me estás destinado.
Eu o quero, eu ordeno!
Assim falando, a rainha soerguera-se do leito de púrpura,
fascinante, imperiosa, terrível como uma bela serpente. Levantada sobre o
tálamo, ela lança dos seus olhos nos olhos límpidos do moço herói um jato de
luz tão sombria, que este estremece de espanto. Era como que o inferno, que lhe
aparecia nesse olhar e lhe faz rever o abismo do templo de Cali, deusa do
desejo e da morte, e as serpentes que se retorciam como uma agonia eterna...
Então subitamente, com os seus olhos que pareciam dois gládios, como que
transpassou de lado a lado a rainha. E o herói do Monte Méru, exclama:
- Eu sou
fiel ao rei que me tomou para seu defensor, mas tu, tu sabes que vais morrer!
Nixcumba dá um grito lancinante e rola sobre o seu leito, mordendo
a púrpura. Toda a sua mocidade fictícia se desvanecera, e ficava de novo velha
e encarquilhada.
Krishna, deixando-a entregue à sua cólera, saiu.
Ora, perseguido noite e dia pelas palavras do anacoreta, o rei de
Madurá disse um dia ao condutor de carro de seu reino:
- Depois
que o inimigo pôs o pé em meu palácio, nunca mais tornei a dormir em paz. Um
feiticeiro infernal de nome Vasixta, que vive numa floresta profunda, veio aqui
lançar-me a sua maldição. Desde então eu não respiro; o velho envenenou os meus
dias. Mas junto de ti, que nada temes, eu já não o temo. Vem comigo à floresta
maldita. Um espião que conhece todas as sendas, nos conduzirá até ele. Logo que
o vejas, lança-te a ele, prende-o bem, antes que possa dizer uma única palavra
ou lançar-te sequer um olhar. Quando o tiveres ferido mortalmente,
pergunta-lhe, então, onde está o filho de minha irmã Devaqui e qual o seu nome.
A paz de meu reino depende desse mistério.
- Fique
tranquilo, respondeu Krishna, eu não me arreciei de Calanemi nem da serpente de
Cali. Quem, pois, poderá fazer-me tremer? Por mais possante que seja esse
homem, eu saberei o que ele oculta.
Disfarçados em caçadores, o rei e o seu guia rolaram em seu carro
de cavalos fogosos e rodas velozes. O espião que explorava a floresta ia atrás
deles.
Era o começo da estação das chuvas. Os rios intumesciam-se; uma
forte vegetação recobria os caminhos; as manchas brancas das cegonhas
agitavam-se no alto, sobre o dorso das nuvens.
Mal os viajantes se aproximavam da floresta sagrada, logo o
horizonte se ensombrecia, se velava o sol e se cercava a atmosfera duma bruma
cor de bronze. As nuvens pendem, como trombas d’água, do céu tempestuoso sobre
os bosques assombrados.
- Por que é, perguntou
Krishna ao rei, que o céu se escureceu
tão de repente, e a floresta se tornou tão negra?
- É
Vasixta, diz o rei de Madurá, o maléfico solitário que ensombreceu o céu e
eriça contra mim a floresta maldita! Mas terá tu medo, Krishna?
- Que o
céu mude de rosto e a terra de cor, - eu não terei medo!
- Então,
avancemos!
Krishna fustiga os cavalos, e o carro penetra na sombra densa dos
baobás, rodando por algum tempo com uma velocidade maravilhosa. Mas a floresta
tornava-se cada vez mais selvagem e mais terrível. Relâmpagos fendem o espaço,
e o trovão rouqueja ao largo.
- Nunca
vi, diz Krishna, o céu tão negro e as árvores torcerem assim. Oh! É um homem
poderoso o teu feiticeiro!
-
Krishna, matador de serpentes, herói do Monte Méru, terás tu medo?
- Que a
terra trema e que o céu desabe – e eu não terei medo!
Novamente o ousado condutor fustiga os cavalo e o carro roda como
numa vertigem. Mas a tempestade torna-se então tão aterradora que as árvores
gigantescas curvam-se. A floresta abalada ruge, com um alarido de mil demônios.
O raio cai ao lado dos viajantes, os cavalos recuam e a terra estremece.
- É pois, um deus, o teu
inimigo, diz Krishna, visto que o
próprio Indra o protege.
- Eis-nos
chegados ao fim da nossa jornada, diz o
espião do rei. Olhais esta aleia de
verdura. Na extremidade encontra-se uma cabana miserável. É ali que habita
Vasixta o grande muni, alimentando-se de aves, rodeado de feras e defendido por
uma gazela. Mas nem por um reino eu daria um passo mais.
A estas palavras, o rei de Madurá tornou-se lívido:
- “É na
verdade ali? Por detrás daquelas árvores?”
E aferrando-se a Krishna, segreda-lhe em voz sumida, num
estremecimento de todos os seus membros:
-
Vasixta! Vasixta, que medita a minha morte, está lai. E vê-me do fundo do seu
retiro... e os seus olhos perseguem-me... Livra-me dele!
- Sim,
por Mahadeva, diz Krishna, saltando do carro por sobre um tronco de
baobá, eu quero ver aquele que assim te faz tremer.
O muni centenário, Vasixta, vivia há um ano naquela cabana,
escondida no mais profundo da floresta santa, aguardando a morte. Antes da
morte do corpo já ele se libertara da prisão dos sentidos. Os seus olhos
haviam-se extinguido; porém via através da alma. A sua carne apenas percebia a
sensação do calor e do frio, mas o seu espírito vivia em uma unidade perfeita
com o espírito soberano. Não via as coisas deste mundo senão através da luz de
Brahma, rezando, meditando sem cessar. Um discípulo fiel trazia-lhe todos os
dias da ermida alguns grãos de arroz, com que se alimentava. A gazela, que
pastava pela sua mão, avisava-o, da aproximação das feras, que ele afastava
murmurando algumas palavras e estendendo para elas o seu bastão de bambu de
sete nós. Quanto aos homens, esses, vê-los-ia vir, quem quer que fosse, a légua
de distância, com os olhos do espírito.
Krishna, avançando pela aleia obscura, encontrou-se subitamente em
face de Vasixta. O rei dos anacoretas estava sentado sobre uma esteira, os
joelhos cruzados, o tronco apoiado contra um barrote da cabana, imerso numa paz
profunda. Ardia nos olhos parados de cego uma cintilação interior de vidente.
Krishna reconheceu-o, logo que o avistou como – “o velho sublime” – e então
apoderou-se dele uma comoção de alegria; um respeito súbito fazia dobrar a sua
alma.
Esquecendo o rei, o seu carro e o seu reino, os joelhos
dobram-se-lhe ante o santo – e adora-o.
Vasixta parecia vê-lo. O seu corpo, encostado à cabana, agitou-se
numa pequena oscilação; os braços alongaram-se para o seu hóspede em ar de
benção, enquanto os seus lábios murmuravam a sílaba sagrada:
AUM
Nota do autor: Esta palavra sagrada significa na iniciação
brahmânica: O Deus-Supremo, o Deus-Espírito. Cada uma das suas letras
corresponde a uma das suas faculdades divinas, vulgarmente falando a uma das
pessoas da trimurti.
Entrementes Cansa, vendo que nem sequer ouvia um grito e que seu
condutor não voltava, foi-se dirigindo pela alameda, fora num passo furtivo e
medroso. Ao deparar com Krishna ajoelhado em frente do santo anacoreta, fica
subitamente petrificado de espanto.
E Vasixta, fitando os seus olhos parados de cego no rei cheio de
terror, levanta o bastão de sete nós e exclama:
- Ó rei
de Madurá, tu vens para me matar: Bem hajas! Por me libertar da miséria do
corpo. Queres saber onde está o filho da tua irmã Devaqui, não é verdade? Aí o
tens, curvado diante de mim e diante de Mahadeva. É Krishna, o teu próprio
condutor! Considera quanto és insensato e maldito, pois que o teu inimigo
implacável é o teu próprio servidor. Tu conduziste-o aqui para eu lhe dizer que
é ele próprio o filho predestinado de tua irmã. Treme, que estás perdido,
porquanto a tua alma infernal vai ser presa dos demônios!
Cansa escuta, estupefato. Não se atrevia a olhar face a face o
velho; pálido de raiva, e vendo que Krishna se não erguia da sua atitude de
adoração, pega então do seu arco e, retesando-o com toda a sua força, disparou
uma seta contra o filho de Devaqui. Tremeu-lhe, porém, o braço e, desviando-se,
o dardo foi cravar no peito de Vasixta, que, os braços postos em cruz, parecia
esperá-la, como um êxtase.
Um grito se ouviu, - um grito terrível, partido não do peito do
ancião, mas do de Krishna. Ele sentira zunir-lhe a flecha ao ouvido, havia-a
visto penetrar na carne do santo... e pareceu-lhe que era em seu próprio
coração que se embebera, de tal maneira a sua alma se tinha identificado nesse
momento com a do rixi.
Dir-se-ia que com essa flecha aguda toda a dor do mundo
trespassava a alma de Krishna, dilacerando-a até às suas profundezas.
No entretanto, Vasixta, embebido o dardo no peito, e sem mudar de
postura, agitou ainda os lábios murmurando:
- Filho de Mahadeva, para
que soltaste esse grito? Matar é inútil. O dardo não pode extinguir a alma e a
vítima é sempre a vencedora do assassinato. Triunfa, Krishna; o destino
cumpriu-se; em retorno Àquele que é imutável. Que Brahma receba a minha alma. Mas tu, seu eleito, o
salvador do mundo, de pé! Krishna! Krishna!
Krishna levantou-se, levando a mão à espada... Cansa, porém, havia
fugido.
Um clarão fendeu, então o céu negro e Krishna tombou por terra
como que fulminado por uma luz resplandecente. Enquanto o seu corpo se tornava
insensível, a sua alma, unida à do velho pelo poder da simpatia, ascendia nos
espaços. A terra inteira, com seus rios, seus mares, seus continentes
desaparecia como uma grande esfera negra e os dois remontavam-se ao sétimo céu
dos devas para junto do Pai dos seres, o sol dos sóis, Mahadeva, a inteligência
divina. Eles mergulharam num oceano de luz, que se abria à sua roda. E Krishna
viu então, ao meio da esfera, Devaqui, a sua mãe radiosa, a sua mãe
glorificada, que com um sorriso inefável lhe estendia os braços, o atraía ao
seu seio.
Milhares de devas vinham banhar-se no resplendor, que irradiava da
Virgem-Mãe, como de um facho incandescente. Krishna sentiu-se como que
reabsorvido num olhar amoroso de Devaqui. E então do coração da mãe radiosa, o
seu ser refulgiu através de todos os céus.
Sentiu que era o Filho, a alma divina de todos os seres, a Palavra
de vida, o Verbo Criador. Superior à vida universal, ele penetrava-a todavia,
pela essência da dor, pelo fogo da oração e pela felicidade dum divino
sacrifício.
NOTA DO AUTOR: A lenda de krishna faz-nos colher na sua própria
fonte original a ideia da Virgem-Maria, do Homem-Deus e da Trindade. Essa idéia
aparece na Índia, desde a sua origem, no seu simbolismo transparente, e com
toda a profundeza do seu sentido metafísico. No livro V, cap II, o Vixnu
Purana, depois de ter narrado a concepção de Krishna por Devaqui, ajunta: “Ninguém podia fitar Devaqui, devido à luz
que a envolvia, sentindo-se perturbados aqueles que contemplassem o seu
esplendor; os deuses, invisíveis aos mortais, celebravam continuadamente os seus
louvores desde que Vixnu se encerrara na sua pessoa. Os deuses diziam: “Tu és
essa Prácriti infinita e sutil que outrora trazias Brahma em seu seio; tu foste
em seguida a deusa da Palavra, a energia do Criado do Universo e a Mãe dos
Vedas. Ó tu, ser eterno, que compreendes na tua substância a essência de todas
as coisas criadas, tu foste idêntica com a criação, tu foste o sacrifício donde
procede tudo o que a terra gera e tu és a madeira que pela fricção concebe o
fogo. Como Áditi, tu és a mãe dos deuses; como Diti és a mãe dos Dátios, seus
inimigos. Tu és a luz donde nasce o dia; tu és a humildade, mãe da verdadeira
sabedoria; tu és a política dos reis; mãe da ordem; tu és o desejo de que nasce
o amor; tu és a satisfação de que deriva a resignação; tu és a inteligência,
mãe da ciência; tu és a paciência, mãe da coragem; todo o firmamento e as
estrelas todas são tuas filhas, é de ti que procede tudo que existe... Tu
desceste à terra para salvação do mundo. Tende compaixão de nós, ó deusa! E
mostra-te favorável ao universo, e sê orgulhosa por trazeres no ventre o Deus
que sustem o mundo.”
Esta passagem prova que os brâhmanes identificavam a mãe de
Krishna com a substância universal e o princípio feminino da natureza.
Fizeram-na a segunda pessoa da Trindade Divina, da tríade inicial e não
manifestada.
O Pai, Nara
(Eterno-Masculino); a Mãe, Nari (Eterno-Feminino);
o Filho, Viradi (Verbo-Criador), tais
são as faculdades divinas, ou, por outros termos; o princípio intelectual, o
princípio plástico e o princípio produtor. O conjunto de todas três produz a natura naturans, para empregar uma
expressão de Spinosa.
O mundo organizado, o universo vivo, natura naturata, é o produto do verbo criador que, por seu turno,
se manifesta por três formas: Bramá,
o Espírito, corresponde ao mundo divino; Vixnu,
a Alma, corresponde ao mundo humano; Xiva,
o corpo, corresponde ao mundo natural. O princípio masculino e princípio
feminino (essência e substância), são igualmente ativos nesses três mundos, e o
Eterno-feminino manifesta-se simultaneamente na natureza terrestre, humana e
divina. Ísis é tríplice, Cibele, também. Assim concebida, a dupla trindade, a
de Deus e a do universo, contém os princípios e o quadro de uma teodicéia e
duma cosmogonia. É de justiça reconhecer que esta idéia-mãe é originária da Índia. Todos os templos antigos, todas as grandes religiões e muitos
filósofos célebres a têm adotado.
No tempo dos Apóstolos e nos primeiros séculos do Cristianismo, os
iniciados cristãos veneravam o princípio feminino da natureza visível sob o
nome de Espírito Santo, representado por uma pomba, sinal do poder feminino em
todos os templos da Ásia e da Europa. Se depois a Igreja ocultou e perdeu a
chave dos seus mistérios, o sentido destes conserva-se ainda escrito nos seus
símbolos.
Ora, quando Krishna voltou a si, o trovão rolava ainda pelo céu, a
floresta mergulhava na sombra, enquanto a chuva desabava a torrente sobre a
cabana.
Uma gazela lambia o sangue que se derramara pelo corpo do asceta
trespassado. O “Velho sublime” não era mais do que um cadáver. Porém, Krishna,
esse levantava-se como um ressuscitado. Separava-o um abismo do mundo e das
suas aparências vãs. Ele havia entrevisto a grande verdade e compreendido a sua missão.
Quanto ao rei Cansa, fugia cheio de espanto acossado pela
tempestade, sobre o seu carro, cujos cavalos se empinavam como chicoteados por
mil demônios.
A
Doutrina dos Grandes Iniciados
Os anacoretas saudaram Krishna, como o sucessor esperado e
predestinado de Vasixta. Celebrada na floresta sagrada a xrada ou cerimônia
fúnebre do santo ancião, foi entregue ao filho de Devaqui o bastão de sete nós,
insígnia do poder, depois de se haver consumado o sacrifício do fogo em
presença dos anacoretas mais velhos – aqueles que sabem de cor os três Vedas.
Em seguida, Krishna retirou-se para o monte Méru, para ali meditar
a sua doutrina e descobrir a via da salvação humana. Duraram sete anos as suas
meditações e as suas austeridades. Passado esse tempo, ele sentiu que a sua
natureza divina dominara a sua natureza terrena, para merecer o nome de filho
de Deus. Só então chama a si os anacoretas, os moços e os velhos, a fim de lhes
revelar a sua doutrina.
Assentados todos sob os cedros do monte Méru, em face do Himavant,
ouvem Krishna, que começa por falar aos seus discípulos das verdades
inacessíveis aos homens, que vivem na escura escravidão dos sentidos. Ele
ensina-lhes a doutrina da alma imortal, das suas renascenças e da sua união
mística com Deus.
O corpo – dizia, invólucro da alma que faz dele a sua moradia, é uma
coisa finita, mas a alma que o habita, essa é invisível, imponderável,
incorruptível, eterna.(1)
NOTA DO AUTOR: (1) O enunciado desta doutrina, que mais tarde se
torna a de Platão, encontra-se no livro I da Bhagavad Gita, sob a forma de um
diálogo entre Krishna e Arjuna.
O homem terreno é tríplice como a divindade que reflete:
inteligência, alma, corpo.
Se a alma se une a inteligência, ela alcançará Satwa, a sabedoria e a paz;
Se se conserva indecisa entre a inteligência
e o corpo é dominado por Radja,
a paixão, e volteia de objeto em objeto num círculo fatal;
Se se abandona ao corpo,
tomba no Tamas, a loucura, a ignorância e a morte temporária.
Eis o que cada homem poderá observar dentro de si mesmo e à sua
roda.(2)
NOTA DO AUTOR: (2) Livro XIII a XVIII da Bhagavad Gita
E Krishna diz que o destino da alma depois da morte, obedece
sempre à mesma lei, não se lhe furta nunca, obedece-lhe, sempre. Reside nisso o
mistério das renascenças.
Quando o corpo está dissolvido, logo que Satwa (a sabedoria) domina, a
alma evola-se às regiões desses seres puros que têm conhecimento do Todo
Infinito.
Quando o corpo se desfaz enquanto Radja (a paixão) o domina a alma vem habitar de novo entre aqueles que
estão apegados às coisas da terra.
Da mesma maneira, se o corpo é destruído enquanto Tamas (a ignorância) predomina,
a alma, obscurecida pela matéria, é de novo atraída por qualquer matriz de
seres irracionais.(3)
NOTA DO AUTOR: (3) Livro XIV da Bhagavad Gita
- Escutai, pois, diz Krishna, um enorme e profundíssimo segredo, o
mistério soberano, sublime e puro. Para se chegar à perfeição, é mister
conquistar a ciência da unidade, que
está acima da sabedoria; é mister elevarmo-nos até o ser divino, que está acima
da alma, mais alto mesmo que a inteligência. Ora esse ser divino, esse amigo
sublime, existe em nós próprios, está dentro de cada um de nós. Porque Deus reside no
interior de cada homem, mas poucos sabem encontrá-lo.
Ora, eis aí o verdadeiro caminho da salvação. Uma vez que tu te
tenha apercebido do ser supremo, que está acima do mundo e que está em ti
mesmo, decide-se a abandonar o inimigo que se disfarça sob a forma do desejo.
Dominai as vossas paixões.
“Dominai o
EGO!”
Ora, sabei-o, a alma que
encontrou Deus, está isenta da renascença e da morte, da decrepitude e da dor,
e bebe a água da imortalidade.
...
Krishna insiste: “Escutai o que ele (Mahadeva) vos diz pela minha
boca; eu e vós, todos nós havemos tido várias encarnações. As minhas só de mim
mesmo são conhecidas; mas vós nem as vossas conheceis. Ainda que eu não esteja,
pela minha natureza, sujeito a renascer ou a morrer e que seja o senhor de
todas as criaturas, no entanto, como sou eu que dirijo a minha natureza,
torno-me visível pelo meu próprio poder, e sempre que a virtude decline no mundo
e que o vício e a injustiça a vençam, eu me tornarei visível, e me mostrarei de
idade em idade para a salvação do justo, destruição do malévolo e
restabelecimento da virtude. Aquele que conheça, verdadeiramente, a minha
natureza e a minha obra divina, deixando o seu corpo, nunca mais volta a
encarnar de novo, e então une-se a mim.”
- Vós não tínheis os vossos olhos abertos. Eu vos entreguei o
grande segredo: não o digais senão àqueles que o possam entender. Vós, que sois meus eleitos, vedes o fim, e a multidão não vê
senão um vazio no caminho. E, entretanto, ide, ide pregar ao povo o caminho da
auto-realização.
Do Triunfo de Krishna:
Depois
de ter instruído seus discípulos sobre o Monte Merú, Krishna transportou-se com
eles à beira do Iamuná e do Ganges, a fim de ensinar ao povo. Entrava pelas
cabanas e demorava-se pelas vilas. A multidão agrupava-se à sua volta, pelas
tardes, nas cercanias das povoações. O que ele pregava
ao povo era, acima de tudo, a caridade para com o próximo. “os males com
que afligimos o nosso próximo, dizia, perseguir-nos-ão, como a nossa sombra
segue o nosso corpo.”
–
As obras que têm por princípio o amor do
nosso semelhante, são aquelas que devem ser ambicionadas pelo justo, porque são
as que mais pesarão na balança celeste.
– Se frequentas os
bons, o teu exemplo será útil; não temas, pois, viver entre os maus para os converteres ao bem.
– O homem virtuoso é
semelhante ao castanheiro gigantesco cuja sombra benfazeja dá às plantas que o
cercam a frescura da vida.
Krishna,
cuja alma rescendia um perfume de amor, falava a reveses da abnegação e do
sacrifício numa voz suave em imagens empolgantes:
-
Da mesma forma que a terra suporta os que
a calcam aos pés e lhe dilaceram o seio, lavrando-a, da mesma maneira nós devemos retribuir o mal com o bem.
- O homem honesto
deve tombar sob os golpes dos maus, como a árvore do sândalo, que, ao
abater-se, perfuma o machado que a destruiu...
Quando os
meio-sábios, os incrédulos ou os orgulhosos lhe pediam que lhes explicasse a
natureza de Deus, respondia com sentenças como estas:
- A ciência do homem
não é mais que vaidade; todas as suas boas ações são ilusórias, desde que ele
não saiba referi-las a Deus.
- Aquele que é
humilde de coração e de espírito é amado de Deus; e não tem necessidade de
outra coisa. Só o infinito e o espaço podem compreender o infinito; só Deus
pode compreender Deus.
Não eram estas as únicas coisas novas da sua doutrina, que
arrebatava. Ele arrastava multidões, sobretudo pelo que dizia do Deus vivo, de Vixnu.
Ensinava que o senhor do Universo se tinha por mais de uma vez
encarnado entre os homens. Havia aparecido sucessivamente na pessoa dos sete
rixis, em Viaça e em Vasixta. E apareceria ainda. Mas Vixnu, no dizer de
Krishna, comprazia-se em falar pela boca dos humildes, de algum mendigo, de
alguma mulher arrependida, de alguma criança.
*Notem a
semelhança com Pedro na bíblia ocidental...
E contava ao povo a parábola do pobre pescador Durga, que
encontrara um menino morrendo de fome sob uma tamareira. O bom Durga, ainda que
vergado sob a miséria e sobrecarregado por uma família numerosa, que nem ele
sabia como haveria de alimentar, apiedou-se comovidamente do pequenino,
levando-o para sua cabana.
Ora, tinha o sol desaparecido, a lua espalhava-se no Ganges, a
família havia pronunciado já a oração da tarde, e o pequenino murmurava a meia
voz: “O fruto da cataca purifica a água;
assim as boas ações purificam a alma. Toma as tuas redes, Durga: a tua barca
flutua sobre o Ganges”. Durga lança então as suas redes, que saem da água
carregadas de peixes.
E a criança desapareceu. Assim, dizia
Krishna, quando o homem esquece a sua própria miséria, pela dos outros, Vixnu
manifesta-se e enche-lhe o coração de ventura.
Era por exemplos semelhantes que ele pregava o culto do Eterno. Todos se
maravilhavam de encontrar Deus tão perto do coração, quando o filho de Devaqui
falava.
A
história de Sarasvati e Nixdali
A fama do santo pelo Monte Merú, expandiu-se pela Índia toda. Os
pastores que o haviam criado e assistido às suas primeiras proezas, não queriam
crer que esse santo personagem fosse o herói impetuoso que haviam conhecido.
O
velho Nanda morrera, mas suas duas filhas Sárasvati e Nixdali, que Krishna
amara, viviam ainda. Diversos haviam sido seus destinos. Sárasvati, irritada
pelo abandono de Krishna, procurara o esquecimento no casamento. Tornara-se a
mulher dum homem de casta nobre, que a pedira, encantado com a sua beleza,
repudiando-a em seguida a um váixia ou comerciante.
Passado
pouco tempo, Sarasvati deixara por desprezo esse homem para se entregar à má
vida. Porém, certo dia, de coração desolado, tomada pelo remorso e pelo
desgosto, ela regressa a seu país natal, e procura secretamente sua irmã
Nixdali. Esta, pensando sempre em Krishna, como se o tivesse presente, não se
casara e vivia junto dum irmão como servente. Contando-lhes Sarasvati os seus
infortúnios e a sua vergonha, Nixdali respondeu-lhe:
-
Minha pobre irmã! Eu perdoo-te, mas meu irmão não te perdoará nunca. Só Krishna
te pode salvar.
Uma
chama brilha nos olhos apagados de Sarasvati:
-
Krishna! Exclama: - Que é feito dele?
-
É um santo, um grande profeta, que prega sobre as margens do Ganges.
-
Vamos procurá-lo! Diz Sarasvati.
E
as duas irmãs puseram-se a caminho, uma fanada pelas paixões, a outra
embalsamada pela inocência – e, todavia, ambas consumidas elo mesmo amor.
Krishna
preparava-se para ensinar a sua doutrina aos guerreiros ou xátrias, pois que o
fazia interpoladamente, aos brâhmanes, aos homens da casta militar e ao povo.
Aos
brâhmanes explicava, com a calma da idade madura, as verdades profundas da
ciência divina; em face dos rajás, celebrava, com o ardor entusiasta da
juventude, as virtudes guerreiras e familiares; ao povo falava com a singeleza
da infância, da caridade, da resignação e da esperança.
O
filho de Devaqui estava, pois, sentado à mesa dum festim em casa dum chefe de
nomeada, quando as mulheres pediram para serem apresentadas ao santo.
Deixam-nas
entrar, devido aos seus trajes de penitentes. Sarasvati e Nixdali correram a
ajoelhar-se aos pés de krishna, e Sarasvati clama, lavada numa torrente de
lágrimas:
-
Desde que nos abandonaste, tenho passado a minha existência no erro e no
pecado: mas se quiseres, Krishna, podes salvar-me!...
-
Ó Krishna! A primeira vez que te vi, logo soube que te amaria para sempre;
agora, que te reencontro em plena glória, sei que tu és filho de Mahadeva!...
E
ambas se arrojaram, abraçando-o pelos joelhos.
Os
rajás disseram:
-
Por que é, santo rixi, que tu consentes que estas mulheres do povo te afrontem
com suas palavras insensatas?
Krishna
respondeu-lhes:
-
Deixai-as abrir seus corações: eles valem bem mais do que os vossos! Porque
esta possui a fé e aquela tem o amor. Sarasvati, a pecadora, está salva, desde
esta hora, porque acreditou em mim, e Nixdali, em seu silêncio, tem amado mais
a verdade, que vós com todos os vossos brados. Sabei, pois, que minha mãe
radiosa, que vive no sol de Mahadeva, lhes ensinará os mistérios do amor
eterno, enquanto que vós continuareis ainda mergulhados na obscuridade das
vidas inferiores.
A
partir desse dia, Sarasvati e Nixdali prenderam-se aos passos de Krishna,
seguindo-o por toda parte com os seus discípulos.
Inspiradas
por ele, ensinaram as outras mulheres.
O Rei de Madurá
influenciado por Nixcumba
e as tentativas frustradas
de atingir KRISHNA
Cansa
continuava a reinar em Madurá. Desde a morte de Vasixta, o rei não tinha um
momento de sossego. A profecia do anacoreta realizara-se: o filho de Devaqui
estava vivo! O rei vira-o, e, sob o seu olhar, sentira como um folha seca, e
muitas vezes quando ia sair do palácio, voltava bruscamente atrás, não obstante
a companhia dos guardas, temendo ver o jovem herói terrível e radioso, em pé,
junto à sua porta...
Quanto
a Nixcumba, essa passava os seus dias enroscada sobre o tálamo de púrpura, ao
fundo do gineceu, a cismar em todos os seus poderes perdidos. Logo que soube
que Krishna, tornado profeta, pregava sobre as margens do rio Ganges, persuadiu
o rei mandar contra ele um bando de soldados, com ordens de lho trazerem
algemado. O rei assim o fez.
Quando,
porém, Krishna viu os soldados, sorriu e disse-lhes:
-
Eu sei quem vós sois e pelo que vindes aqui. Estou pronto a seguir-vos até
junto do vosso rei; mas, antes, deixai que vos fale do rei do céu, que é o meu
rei.
E
começara a falar de Mahadeva, do seu esplendor e das suas manifestações. Quando
acabou, os soldados entregaram as armas a Krishna, dizendo-lhe:
-
Não te conduziremos preso até o nosso rei, mas seguir-te-emos até o teu.
E
haviam ficado com ele.
Cansa,
ao saber de tal, ficara terrificado. Nixcumba disse-lhe então:
-
Manda os principais do reino.
E
assim se fez. Os primeiros do reino marcharam para a cidade onde Krishna então
ensinava, prometendo não o escutarem. Quando, porém, viram o fulgor estranho do
seu olhar, a majestade de seu porte e o respeito que a multidão lhe
testemunhava, não puderam furtar-se a ouvi-lo.
Krishna
fala-lhes da servidão interior daqueles que fazem o mal e da liberdade celeste
dos que praticam o bem. E os xátrias sentiram-se subitamente invadidos de
alegria e surpresa, pois tais palavras os libertavam dum peso enorme, que lhes
pesava nas consciências.
-
Em verdade, tu és um grande feiticeiro, disseram-lhe. Nós juramos levar-te ao
rei, preso por cadeias de ferro, mas é-nos impossível fazê-lo, pois que tu nos
libertaste das nossas.
Voltando
para junto do rei, disseram-lhe:
-
Não pudemos trazer-te esse homem. É um grande santo e tu não tens nada a temer
dele.
Vendo
o rei que tudo era inútil, fez triplicar os guardas, e reforçar com cadeias de
ferro todas as portas da cidade.
Um
dia, porém, sentiu um grande tropel na cidade, gritos de alegria e triunfo. Os
guardas correram a dizer-lhe: “É Krishna
que entra em Madurá. O povo força as portas, quebrando as cadeias de ferro.”
Cansa ainda quis fugir; mas os próprios guardas o forçaram a conservar-se no
seu trono.
Efetivamente,
Krishna, seguido pelos seus discípulos e por um grande número de anacoretas,
fazia a sua entrada em Madurá, entre estandartes, no meio de uma multidão
compacta de homens, semelhante a um mar agitado pelo vento. Chovia sobre ele
uma torrente de grinaldas e de flores. Todos o acalmavam. Defronte dos templos
os brâhmanes agrupavam-se sob as bananeiras sagradas, para saudarem o filho de
Devaqui, o vencedor da serpente, o herói do Monte Méru, mas, acima de tudo,
profeta de Vixnu.
Seguido
dum brilhante cortejo, e saudado como um libertador pelo povo e os xátrias,
Krishna, apresenta-se ante o rei e a rainha.
-
Tu não tens reinado senão pela violência
e pelo mal, (diz a Cansa) e merece
mil mortes, porque assassinaste o santo velho Vasixta. Todavia, não morrerá
ainda. Quero provar ao mundo que não é matando que se
triunfa dos inimigos vencidos, mas sim perdoando-lhes.
- Infame
feiticeiro, brada Cansa, que roubaste a minha coroa e o meu reino.
Acaba comigo!
- Tu falas
como um insensato, respondeu Krishna, pois que se morreres em estado de fúria,
de crueldade e de crime, estarás irrevogavelmente perdido na outra vida. Se, ao
contrário, começares a compreender a tua loucura e a arrepender-te nesta vida,
o teu castigo na outra será menor, e, pela intervenção dos espíritos puros,
Mahadeva te salvará um dia.
Nixcumba, colada ao rei, murmurava-lhe ao ouvido.
- Insensato! Aproveita-te da loucura do seu orgulho. Enquanto se
vive, conserva-se ao menos a esperança de vingança.
Krishna compreendeu, apesar de as não as ter ouvido, as palavras
da rainha. E lançando-lhe um olhar severo de penetrante piedade:
- Ah desgraçada! Sempre a tua peçonha. Corruptora, feiticeira
negra, que não tens em teu coração senão o veneno das serpentes. Depura-te
dele, ou eu me verei um dia forçado a esmagar-te a cabeça. No entretanto, irás
com o rei para um lugar de penitência expiar os teus crimes, sob a vigilância
dos brâhmanes.
Krishna destituiu o rei e encontrou um sucessor: Arjuna.
ARJUNA
Ora,
após os acontecimentos anteriores, Krishna consagra, com consentimento dos
grandes do reino, Arjuna, seu discípulo e o mais
ilustre descendente da raça solar, como rei de Madurá, e concede a
autoridade suprema aos brâhmanes. A fim de furtar esse conselho a perseguições,
fez construir para eles uma povoação entre montanhas, defendida por uma alta
muralha e por uma população escolhida. Chamava-se essa povoação Duarca, e no
seu centro, encontra-se o templo dos iniciados, cuja parte mais importante se
ocultava sob o solo.
NOTA DO AUTOR: O
Vixnu Puruna, livro V, Cap. XXII e XXX, fala em termos bastante claros dessa
cidade: “Krishna resolveu, pois, edificar, uma cidadela, onde a tribo de Iadu
encontrasse um refúgio seguro, e que fosse de tal natureza que as p´roprias
mulheres pudessem defende-la. A povoação de Duarca era protegida por muralhas
elevadas, embelezada por jardins e piscinas, e, tão esplêndida como Amaravati,
a cidade Indra. É nessa povoação que ele planta a árvore Parijata, “cujo odor
suave se espalha ao longo da terra. Todos aqueles que se lhe acercarem terão o
condão de se recordarem de sua existência anterior.” Essa árvore é
evidentemente o símbolo da ciência divina
e da iniciação, a mesma que nos depara na tradição caldaica e que de lá
passa para o Gênese hebraico. Após a morte de Krishna, a cidade submergiu, à
arvore subiu ao céu, mas o tempo subsiste.
Se
tudo isso contém um sentido histórico, quer dizer, para quem conheça a linguagem
ultra-simbólica e prudente dos hindus, que um tirano qualquer fez arrasar a
cidade, e que a iniciação se tonrou cada vez mais secreta.
Entrementes,
chegando ao conhecimento dos reis do culto lunar que um rei do culto solar
ascendera ao trono de Madurá, e que os brâhmanes se tornariam, por seu
intermédio, os senhores da Índia, fizeram aqueles uma liga poderosa entre si
com o fim de o destronarem. Por seu turno Arjuna agrupou à sua volta todos os
reis do culto solar da tradição branca,
ariana, védica. Do fundo do seu templo de Duarca, Krishna seguia-o e
dirigia-o.
Os
dois exércitos encontram-se, finalmente, face a face e a batalha estava
eminente. Entretanto, Arjuna, não tendo junto de si o seu senhor, sentia
perturbar-se-lhe o espírito e esvair-se-lhe a coragem. Mas, certa manhã, pelo
raiar do dia, Krishna apareceu defronte da tenda do rei, seu discípulo:
-
Por que é, disse severamente o
mestre, que tu não iniciaste ainda o
combate, que haverá de decidir se hão de ser os filhos do Sol ou os filhos da
Lua que dominarão a Terra?
- Não o podia fazer
sem ti, respondeu Arjuna. Olha porém, estes dois exércitos imensos, essa multidão de homens que
se vão matar entre si.
Da
eminência onde estavam, o dominador dos espíritos e o rei de Madurá
contemplaram, por instantes, os dois exércitos imensos, postos em ordem de
batalha, um em face do outro. Viam-se brilhar as cotas de malha dourada dos
chefes e milhares de infantes, de cavalos e elefantes, que aguardavam o sinal
do combate. Nesse momento o chefe do exército inimigo, o mais velho dos kurus,
soprava na sua concha marinha, essa grande concha cujo som imitava o rugido dos
leões. E subitamente, ao seu sinal, ouviram-se os relinchos de milhares de
cavalos, um ruído confuso de armas, de tambores e de trombetas, enchendo o
campo de batalha de um grande rumor.
A
Arjuna cumpria-lhe saltar para seu carro puxado por cavalos brancos, e,
assoprando na sua concha azul celeste, dar o sinal de combate esperado pelos
filhos do Sol. Mas eis que o rei se deixa dominar pela piedade, e exclama muito
abatido:
-
Vendo essa multidão que vai lutar, eu
sinto caírem-me os braços. A minha boca seca-se; o meu corpo treme; os meus
cabelos arrepiam-se; a minha pele queima e o meu espírito desvaira num mau
agouro. Que faremos desses reinos, dessas riquezas, desses domínios? Aqueles
mesmos para quem nós desejamos esses reinos, essas riquezas, essas glórias,
estão ali, de pé, para se baterem olvidando a sua vida e seus bens.
Preceptores, pais, filhos, avós, tios, netos, parentes vão estrangular-se uns
aos outros. E se eu não tenho vontade de matar para reinar sobre os três
mundos, como a terei para reinar sobre esta terra? Que prazer poderei
experimentar em matar os meus inimigos? Mortos os maus, o pecado cairá sobre
nós.
- Como te acometeu,
disse Krishna, esse flagelo do medo, indigno do sábio, fonte de infâmia, que
nos expulsa do céu? Não sejas covarde; de pé!
Mas
Arjuna, oprimido pelo desânimo, diz:
- Eu não combaterei!
- Ó Arjuna, chamei-te
o rei do sono porque em ti o espírito velava sempre. Mas o teu espírito
adormeceu, o teu corpo venceu a tua alma. Tu choras aqueles que não deverias
chorar, e as tuas palavras são isentas de sabedoria. Os homens instruídos nunca
lamentam nem os vivos, nem os mortos. Eu e tu, e todos esses guiadores de
homens, havemos existido sempre e não cessaremos jamais de existir. Da mesma
maneira que, nesses corpos, a alma passa pela infância, pela mocidade e pela
velhice, ela o fará em outros corpos novos. Filho de Bárata! Suporta o desgosto
e o prazer com ânimo igual. Aqueles a quem eles não consigam atingir, merecerão
a imortalidade. Aqueles que vejam a essência real, veem a eterna verdade que
domina a alma e o corpo. Sabe, pois, que o que atravessa todas as coisas, está
acima da destruição. Ninguém poderá destruir o Indestrutível. Tu sabes que
estes corpos durarão pouco. Mas os videntes sabem, também, que a alma neles
encarnada é eterna, indestrutível e infinita. Eis aí porque vais combater,
filho de Bárata! Os que creem que a alma pode matar ou que ela pode ser morta,
enganam-se igualmente. Ela não mata nem morre. Ela não nasceu nunca e nunca
morrerá, e não pode perder o ser que sempre teve. Assim como uma criança se
desmuda de roupas velhas, para se apossar de roupas novas, assim a alma rejeita
esse corpo para tomar outros. Nem a
espada nem o cutelo a corta; nem o fogo, nem a chama a queima; nem a água, nem
a umidade a molha; nem o ar a seca. Ela é impermeável e incombustível.
Duradoura, firme, eterna, ela atravessa tudo. Tu não deves inquietar-te, pois,
nem com o que nasce nem com o que morre, ó Arjuna. Porque para aquele que nasce
é certa a morte, e para aquele que morre é também o nascimento o é. Cumpre o
teu dever, sem hesitações: porque para um xátria, não existe nada melhor que um
combate justo. Felizes dos guerreiros que encaram a batalha como uma porta
aberta para o céu! Se não quiseres, porém, combater este justo combate, tu
cairás em pecado, abandonando o teu dever e o teu renome. Todos os seres
falarão da tua infâmia eterna, e a infâmia é bem pior que a morte para quem
tenha sido honrado.
NOTA:
Palavras do Bhagarad Gita
A
tais palavras, Arjuna sentiu-se acometido de vergonha e pulsou-lhe nas veias
com a sua antiga coragem o seu sangue real. Salta para o seu carro e dá o sinal
de combate. Krishna, então, diz adeus ao seu discípulo e abandona o campo de
batalha, certo da vitória dos filhos do Sol.
NOTA2:
Alguns intérpretes, mesmo orientais, veem nas palavras de Krishna um convite
para uma guerra justa, em sentido físico, tomando as palavras dele ao pé da
letra. Outros, porém – entre eles Rabindranath Tagore, Mahatma Gandhi e outros
iniciados – interpretam as palavras de Krishna em sentido simbólico, como,
aliás, toda a luta de Arjuna contra os usurpadores, entendendo que Arjuna é o
Eu humano cujo reino foi usurpado pelo Ego, e Krishna é o Eu plenamente
realizado, que convida Arjuna a fazer a sua auto-realização, derrotando seu
parentes – os sentidos, a mente e as emoções – que, no homem profano, usurpam
injustamente o domínio do divino Eu.
Da Morte de Krishna
O
profeta havia compreendido, no entanto, que, para fazer aceitar aos vencidos a
sua religião, seria mister conseguir sobre a sua alma uma vitória mais difícil
que a das armas. Da mesma forma que o santo Vasixta tinha sido varado por uma
flecha, para revelar a Krishna, a verdade suprema, da mesma maneira Krishna
devia morrer voluntariamente às mãos do seu inimigo mortal, para implantar no
coração de seus adversários a fé que pregava aos seus discípulos e ao mundo.
Ele
sabia que o antigo rei de Madurá, longe de fazer penitência, se refugiara em
casa de seu sogro Calenemi, o rei das serpentes. O seu rancor, sempre
estimulado por Nixcumba, fazia-o seguir por espiões, que esperavam o momento
propício para o inutilizarem. Ora, Krishna sentia que a
sua missão estava terminada, não lhe faltando senão o selo do sacrifício, como
prova suprema. Cessou, pois, de evitar e de paralisar o inimigo pelo
poder da sua vontade, sabendo que, logo que deixasse de se defender por essa
força oculta, o golpe há tanto premeditado não tardaria a colhe-lo na sombra.
Mas o filho de Devaqui queria morrer longe dos homens, na solidão do Himavant.
Ali sentir-se-ia mais perto de sua mãe radiosa, do velho sublime e do sol de
Mahadeva.
Partiu,
pois, para uma ermida que se encontrava em um lugar selvático e desolado, junto
dos altos cimos do Himavant. Nenhum dos seus discípulos lograra penetrar os
seus desígnios. Só Sarasvati e Nixdali o haviam podido decifrar no olhar do
mestre por esse poder de adivinhação que existe nas mulheres e no amor. Quando
Sarasvati compreendeu que ele queria morrer, lançou-se-lhe aos pés e
cingindo-os com furor, bradou:
- Mestre! Não nos
deixes!
Nixdali
olhou-o e disse-lhe simplesmente:
- Eu sei para onde
vais. Mas a nós, que tanto te temos amado, deixai-nos seguir-te.
Krishna
respondeu:
- No meu céu, não
será recusado o amor. Vinde.
Após
uma longa viagem, o profeta e as santas mulheres atingiram umas cabanas
agrupadas em torno dum grande cedro nu de folhagens; sobre uma montanha
requeimada e fraguenta. Dum lado, as grandes cúpulas nevadas do Himavant; do
outro, na profundeza do espaço, um dédalo de montanha; ao largo a planície, a
Índia, perdida como um sonho em uma bruma dourada. Na ermida, viviam apenas
alguns penitentes, vestidos com cascas de árvores, os cabelos atados em longas
madeixas, a barba comprida e mal tratada a cair sobre corpos sujo de lama e
poeira, e os membros crestados pelo sopro dos ventos e pela ardência do sol.
Alguns deles não tinham mais do que uma pele seca sobre um esqueleto árido.
Vendo
este lugar triste, Sarasvati exclama:
- A terra está
distante e o céu é mudo. Senhor, por que nos conduziste tu a este deserto
abandonado de Deus e dos homens?
- Medita, respondeu
Krishna, se queres que a terra se
aproxime e o céu fale.
- Contigo, o céu é
sempre conosco, disse Nixdali; mas por que é que o céu nos quer deixar?
- É preciso, disse
o profeta, que o filho de Mahadeva
morra,m trespassado por uma seta, para que
o mundo creia na sua palavra.
- Explica-nos esse
mistério.
- Vós o compreendereis,
depois da minha morte. Meditemos.
Fizeram
durante sete dias meditações e abluções. O rosto de Krishna transfigura-se e
parecia que irradiava luz. Ao sétimo dia, as duas mulheres viram alguns
arqueiros caminhando para a ermida.
- Eis os arqueiros de
Cansa, que te procuram: mestre, defende-te!
Mas
Krishna, ajoelhado junto do grande cedro, não interrompeu a sua meditação. Os
arqueiros chegaram: contemplaram as mulheres e os penitentes. Eram soldados
rudes, de faces amarelas e negras. Ao depararem com a figura extática do santo,
sustiveram interditos. Começaram por arrancá-lo ao seu êxtase, endereçando-lhe
perguntas, injuriando-o e arremessando-lhe pedras. Nada, porém, o fez sair da
sua imobilidade. Então, precipitaram-se sobre ele e acorrentaram-no ao tronco
do cedro. Krishna deixa fazer tudo, como adormecido num sonho. Depois os
arqueiros, colocando-se à distância, atiraram sobre ele incitando-se
mutuamente. À primeira flecha que o transpassa, o sangue brota-lhe da carne
ferida, e Krishna exclama: “Vasixta, os filhos do Sol são vitoriosos!” Quando
a segunda seta se embebe na sua carne, diz: “Que aqueles que me amam entrem comigo na tua
luz.” À terceira, murmurando somente: “Mahadeva!” E, depois, com o nome de Brahaman
nos lábios expira.
O
sol sumira-se. Um grande vento se alevantou, e uma tempestade de neve tombou no
Himavat sobre a terra. O céu escureceu, um turbilhão negro varreu as montanhas.
Espantados pelo que tinham feito, os matadores evadiram-se, e as duas mulheres
geladas de pavor, rolaram desmaiadas por terra como debaixo de uma chuva de
sangue.
O corpo de krishna foi queimado pelos seus discípulos
na cidade santa de Duarca. Sarasvati e Nixdali lançaram-se na fogueira para se
juntarem ao mestre, e a multidão julgou ter visto o filho de Mahadeva sair
entre as labaredas com um corpo de luz, e levando consigo as suas duas esposas.
Desde esse dia, uma grande parte da Índia adotou o culto de Vixnu, que
conciliava os cultos solares e lunares na religião de Brahman.
Mais Curiosidades
|
Krishna – Esse homem divino foi criador da Religião Nacional da Índia, o Brahmanismo.
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Vixnu-Purana
– Narrativa confusa e mítica que encerra dados históricos sobre Krishna. É de um caráter individual.
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Bhagavad Gita
– A “bíblia” de Krishna. Maravilhoso fragmento
interpolado no grande poema do Mahabarata,
e que os brâhmanes consideram um
dos seus mais sagrados livros. Duas fontes, das quais uma representa a
tradição popular e a outra a dos iniciados.
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Hinduísmo é um termo genérico usado para designar a religião dos hindus,
uma das mais antigas do mundo. Inicialmente houve o hinduísmo Védico e
posteriormente o hinduísmo Brahmânico.
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Ágni – O
fogo celeste, que forma o corpo glorioso dos devas e que purifica a alma dos
homens. Espalhou pela Terra os seus eflúvios etéreos.
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Cali
– A deusa do desejo e da morte, que irrompe da terra como um bafo esbraseado.
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Pandu
– A justiça reinava com os nobres filhos de Pandu, os reis solares, que obedecem à voz dos sábios.
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Cansa
– Rei da altiva cidade de Madura. Inimigo de Krishna. Homem de coração
tortuoso e alma insaciável, que não suportava em torno de si senão escravos.
Homenageado pelos reis lunares. Desejava submeter toda a Índia, desde Lança
ao Himavant. A fim de realizar o seu desejo se alia a Calanemi.
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Calanemi
– senhor dos montes Vindia, o poderoso rei dos Iávanas, os homens da face amarela. Sectário da deusa Cali,
dedicara-se às artes tenebrosas da magia negra. Chamavam-no o amigo dos rácxasas, ou dos demônios noctívagos,
e o rei das serpentes.
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Nixcumba
– filha do rei feiticeiro Calanemi.
Foi oferecida pelo pai, para que houvesse uma aliança, em casamento ao rei Cansa. Comparada a Cali, a própria deusa do desejo. Ventre
estéril. Invejava as outras por isso.
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Mixcumba
– Outra esposa de Cansa, a quem ele
escutava. Como outras mulheres de Cansa
tinha filhos desse.
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Vasixta
– rei dos anacoretas. Há sessenta anos que se alimentava exclusivamente de
frutos selvagens. A sua cabeleira e a sua barba eram brancas como os cumes do
Himávant, a sua pele transparente, olhar vago, com a indiferença de quem
medita.
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Mahadeva
– O Senhor Supremo
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O
Senhor Krishna é conhecido por muitos nomes. A seguir, damos uma lista de 108
mais freqüêntes para Sri Krishna:
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Achala:
Senhor imóvel.
Achyuta:
Senhor infalível.
Adbhutah:
Deus maravilhoso.
Adidev:
O Senhor dos senhores.
Aditya:
O filho de Aditi.
Ajanma:
Quem é Ilimitado e Infinito.
Ajaya:
O vencedor da vida e da morte.
Akshara:
Senhor indestrutível.
Amrut:
Aquele que é doce como néctar.
Anaadih:
A Primeira Causa.
Anandsagar:
Senhor misericordioso.
Ananta:
Senhor infinito.
Aantajit:
Senhor sempre vitorioso.
Anaya:
Aquele que não têm um líder.
Aniruddha:
Aquele que não pode ser obstruído.
Aparajeet:
O Senhor que não pode ser derrotado.
Avyukta:
Aquele que é claro como o cristal.
Balgopal:
O “Todo Atrativo”; o menino Krishna.
Bali:
O Senhor da força.
Chaturbhuj:
O Senhor dos quatro braços.
Danavendra:
Concededor de bênçãos.
Dayalu:
Depósito de toda a compaixão.
Dayanidhi:
Senhor misericordioso.
Devadidev:
Deus dos deuses.
Devakinandan:
Filho de Devaki.
Devesh:
Senhor dos senhores.
Dharmadyaksha:
Senhor do Dharma
Gopal:
Aquele que brinca com os vaqueirinhos, e com as Gopas (vacas).
Gopalpriya:
Amigo querido dos vaqueirinhos.
Govinda:
Aquele que agrada as vacas, a Terra e a natureza inteira.
Gyaneshwar:
Senhor do Conhecimento.
Hari:
O Senhor da Natureza.
Hiranyagarbha:
O Criador todo-poderoso.
Hrishikesh:
O Senhor de todos os Sentidos.
Jagadguru:
Preceptor do universo.
Jagadisha:
O Protetor de todos.
Jagannatah:
Senhor do Universo.
Janardhana:
O que concede bênção para todos.
Jayatah:
Vencedor dos inimigos.
Jyotiraaditya:
O Resplendor do Sol.
Kamalnath:
O Senhor da Deusa da Fortuna, Lakshmi.
Kamalnayan:
O Senhor que tem os olhos como o lótus.
Kamsantak:
Matador do demônio Kamsa.
Kanjalochana:
O Senhor dos olhos de lótus.
Keshava:
Aquele que tem os cabelos longos, pretos, encaracolados.
Krishna:
O Senhor da compleição escura.
Laksmikantam:
O Senhor da Deusa Lakshmi.
Lokadyaksha:
O Senhor de todos os três mundos.
Madan:
O Senhor do amor.
Madhava:
Senhor do pleno conhecimento.
Madhusudana:
Matador do demônio Madhuasura.
Mahendra:
Senhor de Indra.
Manmohan:
Senhor todo-aprazível.
Manohar:
Senhor da belea.
Mayur:
O Senhor que tem uma pluma de pavão na Sua coroa.
Mohan:
Senhor Todo-atrativo.
Murali:
Senhor de toda a doçura; Senhor da flauta.
Murlidhar:
O Senhor que segura uma flauta.
Murlimanohar:
Deus que toca flauta.
Nandgopala:
Filho de Nanda.
Narayana:
O refúgio de todos.
Nirañjana:
Senhor imaculado.
Nirguna:
Aquele que não tem qualidades.
Padmahasta:
Aquele que tem Seus pés como um lótus.
Padmanabha:
O Senhor que tem o umbigo na forma de uma flor de lótus.
Prabrahmana:
A Suprema e Absoluta Verdade.
Paramatma:
Senhos de todos os Seres.
Parampurusha:
Suprema Personalidade.
Parthasarthi:
Quadrigueiro do Partha, Arjuna.
Prajapati:
Pai de todas as crianturas.
Punyah:
Supremamente puro.
Purshottam:
A Alma Suprema.
Ravilochana:
Aquele cujos olhos são o Sol.
Sahasrrakash:
Senhor dos mil-olhos.
Sahasrajit:
Aquele que conquista milhares.
Sahasrapaat:
Senhor dos mil pés.
Sakshi:
Senhor todo-testemunha.
Sanatana:
O Senhor Eterno.
Sarvajana:
Senhor Onisciente.
Sarvapalaka:
Protetor de todos.
Sarveshwar:
Senhor de todos os Deuses.
Satyavachana:
Aquele que fala somente a Verdade.
Satyavrata:
O Senhor verdadeiramente dedicado.
Shantah:
Senhor pacífico.
Shreshta:
O mais Glorioso Senhor.
Shrikanta:
Belo Senhor.
Shyam:
Senhor de compleição escura.
Shyamsundara:
Senhor do maravilhoso anoitecer.
Sudarshana:
Senhor do Chakra formoso.
Sumedha:
Senhor inteligente.
Suresham:
Senhor de todos os semideuses.
Swargapati:
Senhor dos Céus.
Trivikrama:
Vencedor de todos os três mundos.
Upendra:
Irmão de Indra.
Vaikunthanatha:
Senhor de Vaikuntha, a morada celeste.
Vardhamaanah:
Senhor sem-forma.
Vasudev:
Senhor filho de Vasudeva; Senhor todo-penetrante.
Vishnu:
Controlador Supremo.
Vishwadakshinah:
Senhor habilidoso e eficiente.
Vishwakarma:
Criador do Universo.
Vishwarupa:
Quem mostrou a Forma Universal.
Vishwatma:
Alma do universo.
Vrishaparvaa:
Senhor do Dharma.
Yadavendra:
Rei do clã dos Yadavas.
Yogi:
O Mestre Supremo.
Yoginampati:
Senhor dos Yogis.
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Frases de Krishna
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“No mundo mental: pensar é agir.” Krishna
“Quem aprendeu a arte do autodomínio atinge
a meta da auto-realização.” Krishna
Fala
Krishna: “Eu ensino o caminho da
auto-realização”.
“O Eu divino é o melhor amigo do homem, mas
o ego humano é o seu pior inimigo.” Krishna
“Não basta simplesmente
o bem, é preciso ser bom.” Krishna
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SÓ UMA SUGESTÃO PRETO E VERMELHO FICA PÉSSIMO PRA LER. MUDA PARA UM FUNDO CLARO
ResponderExcluirSÓ UMA SUGESTÃO PRETO E VERMELHO FICA PÉSSIMO PRA LER. MUDA PARA UM FUNDO CLARO
ResponderExcluirOlá Benjamin. Eu penso exatamente o contrário. O vermelho dá ênfase, entendeu?
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