A Evolução Espiritual da Humanidade
(O Influxo Divino e A Pluralidade das Existências)
(A origem da Raça Ariana)
HERMES
(Cerca de 10.000 a.C.)
Ó
alma cega! Arma-te com o facho dos Mistérios
e
tu descobrirás na noite terrena o teu Duo luminoso,
a
tua Alma celeste. Segue esse guia divino e que ele seja o teu Gênio:
-
Porque ele contém a chave das tuas existências passadas e futuras.
Apelo aos Iniciados: Do livro dos Mortos
Escutai-o
em vós mesmos e vede-o no infinito do Espaço e do Tempo.
Ali
reboa o canto dos Astros, a voz dos Números, a harmonia das Esferas.
É
cada sol um pensamento de Deus e cada planeta um modo desse pensamento.
É
para conhecer o pensamento de Deus, ó almas!
Que
desceis e subis penosamente
os
caminhos de sete planetas e dos seus sete céus.
Que
fazem os Astros? Que dizem os Números? Que roam as Esferas?
–
Ó almas perdidas ou salvas, eles dizem, eles cantam, elas rolam,
- os vossos destinos!
Fragmento. (De Hermes)
Os
Mistérios do Egito
A raça negra, que sucedeu
à raça vermelha do domínio do mundo, fez do Alto Egito seu principal santuário.
O nome de Hermes-Toth-Mercúrio, misterioso e primeiro iniciador do Egito nas
doutrinas sagradas, relaciona-se, sem dúvida, a uma primeira e pacífica mistura
da raça branca com a negra, nas regiões da Etiópia e do Alto Egito, muito tempo
antes da época ariana.
Hermes
é um nome genérico, como Manu e Buda. Designa ao mesmo tempo um homem, uma
casta e um deus. O homem, Hermes, é o primeiro, o grande iniciador do Egito; casta, é o sacerdócio depositário das tradições ocultas;
deus, é o planeta Mercúrio, assimilado com sua esfera a uma categoria de
espíritos, de iniciadores divinos; em resumo, Hermes preside à região
supraterrestre da iniciação celestial.
Na
economia espiritual do mundo, todas essas coisas estão ligadas por secretas
afinidades, como que por um fio invisível. O nome de
Hermes é um talismã que as sintetiza, um som mágico que as evoca.
Daí
seu prestígio. Os gregos, discípulos dos egípcios,
chamaram-no Hermes Trimegisto ou
três vezes grande, porque era considerado rei, legislador e sacerdote.
Ele representa uma época em que o sacerdócio, a magistratura e a realeza
estavam reunidos em um só corpo governamental. A cronologia egípcia de Maneton
denomina esta época de reino dos deuses. Ainda não havia o papiro nem a escrita
fonética; mas já existia a ideografia sagrada e a ciência do sacerdócio estava
inscrita em hieróglifos nas colunas e nas paredes das criptas.
Consideravelmente
aumentada, ela passou mais tarde às bibliotecas dos templos. Os egípcios
atribuíam a Hermes 42 livros sobre a ciência oculta. O livro grego
conhecido sob o nome de Hermes Trimegisto encerra certamente restos alterados,
mas infinitamente preciosos, da antiga teogonia que é como o fiat lux, de onde Moisés e Orfeu
receberam seus primeiros raios. A doutrina do
Fogo-Princípio e do Verbo-Luz, contida na Visão de Hermes, será o vértice e o
centro da iniciação egípcia.
Tentaremos
dentro em pouco reencontrar esta visão dos mestres, esta rosa mística que só
desabrochou na noite do santuário e no arcano das grandes religiões. Algumas
palavras de Hermes, impregnadas da antiga sabedoria, são bem elaboradas para
nos prepararmos.
“Nenhum de nossos pensamentos - disse ele ao
discípulo Asclépio - poderia conceber Deus, nem linguagem alguma defini-lo. O
que é incorporal, invisível, sem forma, não pode ser apreendido por nossos
sentidos; o que é eterno não poderia ser medido pela curta regra do tempo;
Deus, portanto, é inefável. Deus pode, é verdade, comunicar a alguns eleitos a
faculdade de se elevar acima das coisas naturais, a fim de perceber algum
vislumbre de sua suprema perfeição - mas esses eleitos não encontram palavras
para traduzir em linguagem vulgar a imaterial visão que os fez estremecer.
Podem explicar à humanidade as causas secundárias das criações que passam sob
seus olhos como imagens da vida universal, mas a causa primeira permanece
velada e só chegaremos a compreende-la atravessando a morte.”
É
assim que Hermes falava de Deus desconhecido no limiar das criptas. Os
discípulos que penetravam com ele em suas profundezas aprendiam a conhecê-lo
como um ser vivo(1).
O
livro fala de sua morte como da partida de um deus.
“Hermes viu o
conjunto das coisas, e, tendo visto, ele compreendeu; e tendo compreendido, ele
tinha o poder de manifestar e de revelar. O que ele pensou, ele escreveu; o que
ele escreveu ocultou em grande parte, simultaneamente falando e calando-se com
sabedoria para que toda a duração do mundo procurasse essas coisas. E assim,
tendo ordenado aos deuses, seus irmãos, que lhe servissem de cortejo, ele subiu
às estrelas.”
Pode-se,
a rigor, isolar a história política dos povos, mas não se pode separar sua
história religiosa. As religiões da Assíria, do Egito, da Judéia, da Grécia só
podem ser compreendidas quando se toma seu ponto de ligação com a antiga
religião indo-ariana. Consideradas em particular são enigmas e charadas; vistas
em conjunto e do alto, constituem uma soberba evolução, onde tudo se comanda e
se explica reciprocamente. Em resumo, a história de uma religião será sempre
estreita, supersticiosa e falsa. Nada existe de verdadeiro, a não ser a
história religiosa da humanidade. A esta altura, só se sentem as correntes que
dão a volta ao globo. O povo egípcio, o mais independente e o mais fechado de
todos às influências exteriores, não pode esquivar-se a esta lei universal.
Cinco
mil anos antes de nossa era, a luz de Rama, acesa no Irã, brilhou sobre o Egito
e tornou-se a lei de Âmon-Rá, o Deus solar de Tebas. Essa constituição
permitiu-lhe enfrentar muitas revoluções.
Menes foi o primeiro rei
justo, o primeiro faraó executor daquela lei. Ele procurou não negar a antiga
teologia do Egito, que também era a sua. Apenas confirmou-a e a fez
desabrochar; a ela acrescentando uma organização social nova: o sacerdócio,
isto é, o ensinamento, a um primeiro conselho; a justiça, a um outro; o
governo, aos dois; a realeza foi concebida como sua delegação e submetida ao
seu controle; a independência relativa dos nomos ou comunas, na base da
sociedade. A isto podemos chamar governo dos iniciados.
Seu princípio fundamental era uma síntese das ciências conhecidas sob o nome de
Osíris (O-Sir-is), o senhor intelectual. A
grande pirâmide e o gnomo matemático são seu símbolo. O faraó, que recebia seu
nome iniciático no templo, que exercia a arte sacerdotal e real sobre o trono,
era um personagem muito diferente do déspota assírio, cujo poder arbitrário
apoiava-se no crime e no sangue. O faraó era o iniciado
coroado, ou pelo menos aluno e instrumento dos iniciados. Durante
séculos, os faraós defenderão, contra a Ásia que se tornara despótica e contra
a Europa anárquica, a lei do Carneiro, que
representava então os direitos da justiça e da arbitragem internacional.
HICSOS,
Os reis-pastores
Por
volta do ano 2.000 antes de Cristo, o Egito sofreu a crise mais terrível que um
povo pode atravessar: a invasão estrangeira e uma semiconquista. A invasão
fenícia era a conseqüência do grande cisma religioso asiático, que sublevara as
massas populares, semeando a discórdia nos templos. Liderada
pelos reis-pastores chamados hicsos,
essa invasão derramou seu dilúvio sobre o Delta e o Médio-Egito. Os reis
cismáticos traziam com eles uma civilização corrompida, a indolência jônia, o
luxo asiático, os costumes do harém, uma idolatria grosseira. A existência
nacional do Egito estava comprometida, sua intelectualidade em perigo, sua
missão universal ameaçada. Mas o Egito tinha uma alma de vida, isto é, um corpo organizado de iniciados, depositários da antiga
ciência de Hermes e de Âmon-Rá. O que fizeram eles? Retiraram-se para o
fundo de seus santuários, recolheram-se em si mesmos para melhor resistirem ao
inimigo. Aparentemente, o sacerdócio se curvou diante da invasão e reconheceu
os usurpadores que traziam a lei do Touro e o culto do
boi Ápis. Entretanto, ocultos nos templos, os dois conselhos lá
guardavam, como um depósito sagrado, sua ciência, suas tradições, a antiga e
pura religião e, com ela, a esperança de uma restauração da dinastia nacional.
Foi
por essa época que os sacerdotes espalharam entre a multidão a lenda de Ísis e
de Osíris, do desmembramento deste último e de sua próxima ressurreição através
do filho, Hórus, o qual reencontraria seus membros esparsos trazidos pelo Nilo.
Excitou-se a imaginação da multidão mediante a pompa das cerimônias públicas.
Manteve-se seu amor pela velha religião representando-lhe as infelicidades da
deusa, suas lamentações pela perda do esposo celeste e a esperança que tinha no
filho, Hórus, o divino mediador.
Mas,
ao mesmo tempo, os iniciados julgaram necessário tornar a verdade esotérica
inatacável, ocultando-se sob um tríplice véu. À difusão do culto popular de
Ísis e de Osíris corresponde a organização interior e sábia dos pequenos e
grandes Mistérios, cercados de barreiras intransponíveis, de perigos terríveis.
Inventaram-se
provas morais, exigiu-se o juramento do silêncio e a pena de morte foi
rigorosamente aplicada contra os iniciados que divulgassem o mínimo detalhe dos
Mistérios. Graças a essa organização severa, a
iniciação egípcia tornou-se não somente refúgio da doutrina esotérica, mas
ainda cadinho de uma ressurreição nacional e escola das futuras religiões.
Enquanto os usurpadores coroados reinavam em Menfis, Tebas preparava lentamente
a regeneração do país. De seu templo, de sua arca solar, saiu o salvador do Egito, Amos, que expulsou os hicsos, após
nove séculos de domínio, restaurando os direitos da ciência egípcia e da
varonil religião de Osíris. Assim os Mistérios salvaram a alma do Egito
da tirania estrangeira, e para o bem da humanidade.
Pois, naquela época, era tal a força da sua disciplina, o poder de sua iniciação, que eles continham a melhor força moral e a mais
alta seleção intelectual.
A
iniciação antiga repousava em uma concepção do homem ao mesmo tempo mais sadia
e mais elevada do que a nossa. Nós dissociamos a educação do corpo, da alma e
do espírito. Nossas ciências físicas e naturais, bastante avançadas em si
mesmas, abstraem o princípio da alma e de sua difusão no Universo; nossa religião não satisfaz às necessidades da inteligência;
nossa medicina nada quer saber nem da alma nem do espírito. O homem
contemporâneo procura o prazer sem a felicidade, a felicidade sem a ciência, e
a ciência sem a sabedoria. A antigüidade não admitia semelhante
separação. Em todos os domínios, ela levava em conta a tríplice natureza do
homem. A iniciação era um treino gradual de todo ser humano rumo aos cumes
vertiginosos do espírito, de onde se pode dominar a vida.
“Para atingir o
domínio – diziam os sábios de então – o homem tem necessidade de uma refundição
total de seu ser físico, moral e intelectual. Ora, esta refundição só é
possível mediante o exercício simultâneo da vontade, da intuição e do raciocínio. Por meio
de sua completa concordância, o homem pode desenvolver suas faculdades até
limites incalculáveis. A alma tem sentidos adormecidos;
a iniciação os desperta.
Através de um estudo aprofundado, uma aplicação constante, o homem pode
colocar-se em comunicação consciente com as forças ocultas do Universo. Através
de um esforço prodigioso, ele pode atingir a percepção espiritual direta, abrir
os caminhos do além e tornar-se capaz de se dirigir para lá. Somente então pode
dizer que venceu o destino e conquistou aqui na terra sua liberdade divina.
Somente então o iniciado pode tornar-se iniciador, profeta e teurgo, isto é,
vidente e criador de almas. Porque somente aquele que comanda a si mesmo pode comandar os
outros; somente aquele que é livre pode libertar.”
Assim
pensavam os iniciados antigos. Os maiores deles viviam e agiam de acordo com
esse pensamento. A verdadeira iniciação, portanto, era muito diferente de um
sonho vazio e muito mais do que um simples ensinamento científico; era a
criação de uma alma por ela mesma, sua eclosão em um plano superior, sua
eflorescência no mundo divino.
Coloquemo-nos
no tempo dos Ramsés, na época de Moisés e de Orfeu, cerca do ano 1.300 antes de
nossa era – e esforcemo-nos para penetrar no coração da iniciação egípcia. Os
monumentos figurados, os livros de Hermes, a tradição judaica e a grega (2) permitem fazer reviver
as fases ascendentes e fazer uma idéia de sua mais alta revelação.
(1).
A teologia sábia, esotérica, diz M. Maspero, é monoteísta desde os tempos do
Antigo Império. A afirmação da unidade fundamental do ser divino se expressa em
termos formais e com grande energia nos textos que remontam àquela época. Deus
é uno, único, aquele que existe pela essência, o que vive só em substância, o
único gerador no céu e sobre a terra, que não foi gerado. Ao mesmo tempo Pai,
Mãe e Filho, ele gera, ele procria e é, perpetuamente; e estas três pessoas,
longe de dividir a unidade da natureza divina, concorrem
para
sua infinita perfeição. Seus atributos são a imensidade, a eternidade, a
independência, a vontade todo-poderosa, a bondade sem limite. “Ele criou seus
próprios membros, que são os Deuses”, dizem os velhos textos. Cada um desses
deuses secundários, considerados idênticos ao Deus Único, pode formar um tipo
novo, de onde emanam por sua vez, e pelo mesmo processo, outros tipos
inferiores. - Histoire ancienne des peuples de I'Orient.
(2).
’IAMBAIXOV, περι Μνστηριων λογοs.
ÍSIS.
A INICIAÇÃO. AS PROVAS
No
tempo dos Ramsés, a civilização egípcia resplandecia no apogeu de sua glória. Os
faraós da XXª dinastia, discípulos e guardiões dos santuários, sustentavam como
verdadeiros heróis a luta contra Babilônia. Os arqueiros egípcios assediavam os
líbios, os bodones, os númidas até o centro da África. Uma frota de 400 velas
perseguia a liga dos cismáticos até as bocas do Indo. Para melhor resistir ao
choque da Assíria e de seus aliados, os Ramsés haviam traçado retas
estratégicas até o Líbano e constituído uma série de fortes entre Magedo e Carquemiche.
Intermináveis caravanas afluíram, pelo deserto, de Radasié a Elefantina. Os
trabalhos de arquitetura prosseguiam sem descanso e ocupavam os operários de
três continentes. A sala hipostila de Carnac fora recuperada e aí cada pilar
atinge a altura da coluna Vendôme; o templo de Ábidos se enriquecia com
maravilhosas esculturas e o Vale dos Reis, com grandiosos monumentos.
Construíase em Bubasta, em Lucsor, em Espeos Ibsambul. Em Tebas, um troféu colossal
relembrava a tomada de Cadesh. Em Mênfis, erguia-se o Ramesseum cercado de uma
floresta de obeliscos, estátuas e monólitos gigantes.
Em
meio a essa atividade efervescente, a essa vida ofuscante, mais de um
estrangeiro que aspirava aos Mistérios, vindo das plagas longínquas da Ásia
Menor ou das montanhas da Trácia, abordava o Egito, atraído pela reputação de
seus templos! Ao chegar a Mênfis, ele ficava estupefato: monumentos,
espetáculos, festas públicas, tudo lhe dava impressão de opulência e de
grandeza. Após a cerimônia da consagração real no recesso do santuário, ele via
o faraó sair do templo diante da multidão, exibir o escudo sustentado por doze
oficiais paramentados de seu estado-maior. À sua frente, doze jovens levitas mantinham
sobre almofadas bordadas de ouro as insígnias reais: o cetro dos arbítrios com
cabeça de carneiro, a espada, o arco e um jogo de armas. Atrás seguiam a casa
real, os colégios sacerdotais e os iniciados nos grandes e nos pequenos
mistérios. Os pontífices traziam a tiara branca e em seu peito reluziam como
fogo as pedras simbólicas. Os dignitários da coroa ostentavam as decorações do
Cordeiro, do Carneiro, do Leão, do Lis e da Abelha, suspensas por correntes
maciças admiravelmente trabalhadas. As corporações fechavam a marcha com seus
emblemas e suas bandeiras desfraldadas (1). À noite, barcas magnificamente
ornamentadas, conduziam pelos lagos artificiais as orquestras reais, no meio
das quais perfilavam-se em poses hieráticas dançarinas e saltimbancos.
Mas
não era essa pompa esmagadora que o estrangeiro procurava.
O
que o trazia de tão longe era o desejo de penetrar no segredo das coisas, a
sede de saber. Tinham-lhe dito que nos santuários do Egito viviam magos,
hierofantes possuidores da ciência divina. Ele também queria ter acesso ao
segredo dos deuses. Ouvira falar, por um sacerdote de seu país, do Livro dos
Mortos, de seu rolo misterioso que se colocava sob a cabeça das múmias como um
viático e que, segundo os sacerdotes
de
Âmon-Rá, narrava em linguagem simbólica a viagem de além túmulo da alma. O
estrangeiro acompanhara com ávida curiosidade e um certo estremecimento
interior mesclado de dúvida essa longa viagem da alma após a vida; sua expiação
em uma região ardente; a purificação do seu invólucro sideral; o encontro com o
mau piloto sentado na barca com a cabeça virada e o bom piloto, que olha de frente;
o companheiro diante dos quarenta e dois juizes terrestres; sua justificação
por Tote; e, finalmente, sua entrada e sua transfiguração na luz de Osíris.
Podemos aquilatar o poder deste livro e a revolução total que a iniciação
egípcia operava nos espíritos, pela passagem do Livro dos Mortos que diz o
seguinte: “Este capítulo foi achado em Hermópolis, em escrita azul sobre uma
laje de alabastro, aos pés do deus Tote (Hermes), no tempo do rei Mencara, pelo
príncipe Hatastefe, quando ele viajava para inspecionar os templos. Ele
transportou a pedra para o templo real. Oh! grande segredo! Quando ele leu este
capítulo, não viu mais nada, não ouviu mais nada, não se aproximou mais de nenhuma
mulher e não comeu mais carne nem peixe” (2). Porém, o que havia de verdadeiro
nessas narrativas perturbadoras, nessas imagens hieráticas por detrás das quais
reluzia o terrível mistério de alémtúmulo?
–
Ísis e Osíris o sabem! diziam. Mas que deuses seriam esses, dos quais só se
falava com um dedo sobre a boca? Para sabê-lo é que o estrangeiro batia à porta
do grande Templo de Tebas ou Mênfis.
Os
servos o conduziam sob o pórtico de um pátio interno, cujos pilares enormes
pareciam lótus gigantescos sustentando, com sua força e sua pureza, a Arca
solar, o templo de Osíris. O hierofante se aproximava do novato. A majestade de
seu porte, a tranqüilidade de sua fisionomia, o mistério de seus olhos negros,
impenetráveis, mas repletos de luz interior, já de certa maneira, inquietavam o
postulante. Este olhar perfurava como uma punção. O estrangeiro se sentia
diante de um homem do qual nada seria possível esconder. O sacerdote de Osíris
o interrogava sobre sua cidade natal, sobre sua família e sobre o templo que o
instruíra. Se, nesse curto mas penetrante exame, ele fosse julgado indigno dos
mistérios, um gesto silencioso, porém irrevogável, mostrava-lhe a porta. Se,
contudo, o hierofante encontrasse no aspirante o desejo sincero da verdade,
pedia-lhe que o seguisse. Atravessavam pórticos, pátios internos, depois, por
uma avenida talhada na rocha, a céu aberto e guarnecida de estrelas e de
esfinges, chegavam a um pequeno templo que servia de entrada às criptas
subterrâneas. A porta era dissimulada por uma estátua de Ísis em tamanho
natural. A deusa, sentada, segurava um livro fechado sobre os joelhos, numa
atitude de meditação e de recolhimento. Seu rosto estava velado e, sob a
estátua, se lia: Nenhum mortal levantou meu véu.
Dizia-lhe,
então, o hierofante:
–
Eis aqui a porta do santuário oculto. Olha estas duas colunas. A vermelha
representa a ascensão do espírito para a luz de Osíris; a negra significa o seu
cativeiro na matéria, e esta queda pode ir até o aniquilamento. Todo aquele que
aborda nossa ciência e nossa doutrina aí arrisca sua vida. A loucura ou a
morte, eis o que encontra o fraco ou o mau; somente os fortes e os bons
encontram a vida e a imortalidade.
Muitos,
imprudentes, entraram por esta porta e não saíram vivos. É um abismo que só
restitui à luz os intrépidos. Portanto, reflete muito no que vais fazer, nos
perigos que vais correr e, se tua coragem não for bastante para toda prova,
renuncia à empresa. Pois, uma vez que esta porta se fechar sobre ti, não
poderás mais recuar.
Se
o estrangeiro persistia em sua resolução, o hierofante o levava para o pátio
externo e o recomendava aos servidores do templo, com os quais ele devia passar
uma semana, obrigado aos trabalhos mais humildes, escutando hinos e fazendo
abluções. Recomendavam-lhe o silêncio mais absoluto.
Chegando,
a noite das provas, dois neócoros (3) ou assistentes levavam o aspirante aos
mistérios à porta do santuário oculto. Entravase em um vestíbulo escuro, sem
saída aparente. Dos dois lados dessa sala lúgubre, à luz de tochas, o
estrangeiro via uma fila de estátuas com corpos de homens e cabeça de animais –
leões, touros, aves de rapina, serpentes –, que pareciam fitá-lo, zombando dele
enquanto passava. Ao fim desta sinistra avenida, que se atravessava sem
pronunciar uma única palavra, havia uma múmia e um esqueleto humano, de pé, de
frente um para o outro. E, com um gesto mudo, os dois neócoros mostravam ao noviço
um buraco no muro à sua frente. Era a entrada de um corredor tão baixo que só
se podia penetrar arrastando-se.
Dizia-lhe
um dos assistentes:
–
Podes ainda voltar. A porta do santuário ainda não foi fechada.
Caso
contrário, deves continuar teu caminho por ali, e sem retomo.
Então,
o noviço respondia, reunindo toda sua coragem:
-
Eu fico!
Entregavam-lhe,
então, uma pequena lâmpada acesa. Os neócoros regressavam e fechavam com
estrondo a porta do santuário. Não era possível mais hesitar, era preciso
entrar no corredor. Apenas começava a rastejar sobre os joelhos, com a lâmpada
na mão, ele ouvia uma voz dizer, do fundo do subterrâneo: “Aqui morrem os
loucos que cobiçaram a ciência e o poder”. Graças a um maravilhoso efeito acústico,
essa frase era repetida sete vezes por meio de ecos distanciados. Era preciso avançar,
todavia. O corredor se alargava, mas descia em rampa cada vez mais inclinada.
Enfim, o viajante destemido se encontrava diante de um funil que terminava num
buraco. Uma escada de ferro lá se perdia; o noviço aí se arriscava. No último
degrau, seu olhar sobressaltado desaparecia num poço assustador. Sua pobre
lâmpada de nafta, que ele apertava convulsivamente com a mão trêmula, projetava
uma luz difusa nas trevas sem fundo. O que fazer? Acima dele, o retorno era impossível;
para baixo, a queda na escuridão, na noite aterradora. Nessa angústia, ele
percebia uma fenda à esquerda. Agarrado à escada com uma das mãos e com a outra
focalizando a lâmpada, ele aí via degraus.
Outra
escada! Era a salvação! Para ela se atirava, subia e escapava do abismo. A
escada, furando a rocha como uma verruma, subia em espiral. No fim, o aspirante
esbarrava numa grade de bronze que dava para uma larga galeria, sustentada por
enormes cariátides. Nos intervalos, na parede, viam-se duas fileiras de
pinturas simbólicas.
Havia
doze de cada lado, suavemente iluminadas por lâmpadas de cristal que as belas
cariátides seguravam.
Um
mago, chamado pastóforo (guardião dos símbolos sagrados) abria a grade ao
noviço e o acolhia com um sorriso benevolente.
Felicitava-o
por ter felizmente vencido a primeira prova; depois, conduzindo-o através da
galeria, explicava-lhe as pinturas sagradas.
Embaixo
de cada uma dessas pinturas, havia uma letra e um número. Os vinte e dois
símbolos representavam os vinte e dois primeiros arcanos e constituíam o
alfabeto da ciência oculta, quer dizer, os princípios absolutos, as chaves
universais que, aplicadas pela vontade, tornam-se a fonte de toda a sabedoria e
de todo o poder. Esses princípios se fixavam na memória pela correspondência
com as letras da linguagem sagrada e com os números que se ligam a estas
letras. Cada letra e cada número exprime, nessa linguagem, uma lei ternária,
tendo sua repercussão no mundo divino, no mundo intelectual e no mundo físico.
Assim como o dedo que tange uma corda da lira faz ressoar uma nota da gama e
vibrar todas as suas harmonias, assim também o espírito que contempla todas as
virtualidades de um número, a voz que profere uma letra com a
consciência
de seu alcance, evocam um poder que repercute nos três mundos.
É
assim que a letra A, que corresponde ao número 1, exprime no mundo divino: Ser
absoluto de onde emanam todos os seres; no mundo intelectual: a unidade, fonte
e síntese dos números; no mundo físico: o homem, ápice dos seres relativos,
que, pela expansão de suas faculdades, se eleva nas esferas concêntricas do
infinito. – O arcano 1
era
representado, entre os egípcios, por um mago de vestimenta branca, cetro na
mão, a fronte cingida de uma coroa de ouro. A veste branca significava a
pureza, o cetro, o domínio, a coroa de ouro, a luz universal.
O
noviço estava longe de compreender tudo o que ouvia de estranho e de novo; mas
perspectivas desconhecidas se entreabriam diante dele à palavra do pastóforo,
diante das belas pinturas que o olhavam com a impassível gravidade dos deuses.
Atrás de cada uma delas, ele vislumbrava por meio de revelações uma série de pensamentos
e de imagens subitamente evocadas. Pela primeira vez ele pressentia o interior
do mundo através da cadeia misteriosa das causas.
Assim,
de letra em letra, de número em número, o mestre ensinava ao discípulo o
sentido dos arcanos, e o conduzia de Ísis Urânia ao carro de Osíris, pela torre
fulminada à estrela flamejante, e finalmente à coroa dos magos. “Fica sabendo –
dizia o pastóforo – o que quer dizer esta coroa: toda vontade que se une a
Deus, para manifestar a verdade e operar a justiça, participa já nesta vida do
poder divino sobre os seres e as coisas, como recompensa eterna dos espíritos
livres.” Enquanto ouvia o mestre, o neófito experimentava um misto de surpresa,
de temor e de arrebatamento. Eram os primeiros clarões do santuário, e a
verdade entrevista lhe parecia a aurora de uma divina recordação.
Mas
as provas não tinham ainda terminado. Acabando de falar, o pastóforo abria uma
porta que dava acesso a outra abóbada estreita e longa, em cuja extremidade
crepitava uma fornalha ardente. E o noviço, trêmulo, olhava seu guia e dizia:
-
Mas isto é a morte!
-
Filho - respondia o pastóforo - a morte só apavora as naturezas abortadas.
Outrora, atravessei estas chamas como se fossem um roseiral.
E
a grade da galeria dos arcanos se fechou atrás do postulante.
Aproximando-se
da barreira de fogo, ele percebia que a fornalha se resumia a uma ilusão de
ótica criada por leves entrelaçamentos de ramos resinosos, dispostos em
quincunce sobre grelhas. Uma vereda desenhada no meio permitia-lhe passar
rapidamente. À prova do fogo sucedia a prova da água. O aspirante era forçado a
atravessar uma água morta e negra, ao clarão de um incêndio de nafta que se
acendia por trás dele, no quarto do fogo. Depois disto, dois assistentes o
conduziam, todo trêmulo ainda, a uma gruta obscura onde se via apenas um leito macio,
misteriosamente iluminado pela meia-luz de uma lâmpada de bronze suspensa na
abóbada. Secavam-lhe o corpo, faziam-lhe massagem com essências aromáticas,
vestiam-no de fino linho e deixavam-no só, depois de lhe terem dito: “Repousa e
espera o
hierofante”.
O
noviço estendia os membros cansados sobre o tapete suntuoso do leito. Depois
das emoções diversas por que passara, esse momento de calma lhe parecia doce.
As pinturas sagradas que vira, todas aquelas figuras estranhas, as esfinges, as
cariátides voltavam à sua imaginação.
Porém,
por que uma daquelas pinturas se repetia como uma alucinação?
Ele
revia obstinadamente o arcano X representado por uma roda suspensa sobre seu
eixo entre duas colunas. De um lado sobe Hermanubis, o gênio do Bem, belo como
um jovem efebo; do outro, Tifon, o gênio do Mal, com a cabeça baixa, se
precipita no abismo.
Entre
os dois, acima da roda, está sentada uma esfinge segurando na garra uma espada.
O
vago som de uma música lasciva, que parecia partir do fundo da gruta,
desvanecia aquela imagem. Eram sons leves e indefinidos, de um langor triste e
penetrante. Um tinido metálico vinha afagar seus ouvidos, misturado aos
trêmulos harpejos, de onde escapavam sons de flauta, suspiros ofegantes como um
sopro ardente. Envolto num sonho de fogo, o estrangeiro fechava os olhos. Ao
reabri-los, via a alguns passos do leito uma aparição perturbadora de vida e de
infernal sedução.
Uma
mulher de Núbia, vestida em gaze de púrpura transparente, um colar de amuletos
ao pescoço, semelhante às sacerdotisas de Milita, lá estava, de pé, cobrindo-o
com o olhar e segurando com a mão esquerda uma taça coroada de rosas. Ela era
do tipo núbio, cuja sensualidade intensa e capitosa concentra todos os poderes
do animal feminino:
maçãs
salientes, narinas dilatadas, lábios polpudos como um fruto vermelho e
saboroso. Seus olhos negros brilhavam na penumbra. O noviço erguia-se e,
surpreso, não sabendo se devia tremer ou rejubilar-se, cruzava instintivamente
as mãos sobre o peito. Mas a escrava avançava a passos lentos e, com as
pálpebras descerradas, murmurava em voz baixa: “Tens medo de mim, belo
estrangeiro? Trago-te a recompensa dos vencedores, o esquecimento das penas, a
taça da felicidade. . .” O noviço hesitava; então, como que tomada de lassidão,
a núbia sentava-se no leito e envolvia o estrangeiro com um olhar suplicante
como uma longa chama úmida. Infeliz dele se ousasse tocála, se se inclinasse
sobre aquela boca, se se inebriasse com os perfumes pesados que subiam daquelas
espáduas bronzeadas. Uma vez que houvesse tomado aquela mão e molhado os lábios
naquela taça, estaria perdido... e rolaria no leito preso num amplexo ardente.
Mas, depois da satisfação selvagem do desejo, o líquido que bebera mergulhava-o
num sono pesado. Ao despertar, via-se só, angustiado. A lâmpada lançava urna
claridade fúnebre sobre o leito em desordem. Um homem estava de pé, diante
dele. Era o hierofante, que lhe dizia:
-
Venceste as primeiras provas. Triunfaste sobre a morte, o fogo e a água; mas
não soubeste vencer a ti mesmo. Tu, que aspiras às alturas do espírito e do
conhecimento, sucumbiste à primeira tentação dos sentidos e tombaste no abismo
da matéria. Quem vive escravo dos sentidos, vive nas trevas. Preferiste as
trevas à luz; fica, pois, nas trevas.
Eu
te adverti dos perigos aos quais te expunhas. Salvaste tua vida, mas perdeste a
liberdade. Permanecerás, sob pena de morte, escravo do templo.
Se,
ao contrário, o aspirante houvesse derramado a taça e repelido a tentadora,
doze neócoros armados de tochas vinham cercá-lo para conduzi-lo triunfalmente
ao santuário de Ísis, onde os magos em semicírculo e vestidos de branco
aguardavam-no em assembleia plenária. No fundo do templo esplendidamente
iluminado, ele percebia a estátua colossal de Ísis em metal fundido, uma rosa
de ouro ao peito e coroada de um diadema de sete raios de luz, trazendo nos
braços o filho Hórus. Diante da deusa, o hierofante vestido de púrpura recebia
o neófito e, sob as mais terríveis imprecações, mandava-o fazer o juramento do
silêncio e da submissão. Então, saudava-o em nome de
toda
a assembléia como um irmão e como um futuro iniciado. Diante destes augustos
mestres, o discípulo de Ísis acreditava-se em presença dos deuses. Dignificado
acima de si mesmo, pela primeira vez ele penetrava na esfera da verdade.
(1).
Ver as pinturas murais dos tempos de Tebas, reproduzidas no livro de François
Lenormant e o capítulo sobre o Egito na Mission des Juifs, de M. Saint-Yves
d'Alveydre.
(2).
Livro dos Mortos, cap. LXIV.
(3).
Por ser mais inteligível, empregamos aqui a tradução grega dos termos egípcios.
OSÍRIS.
A MORTE E A RESSURREIÇÃO
No
entanto, o noviço não fora além do limiar da iniciação. Pois começavam agora os
longos anos de estudo e de aprendizagem. Antes de chegar a Ísis Ucrânia, ele
devia conhecer a Ísis terrestre, instruir-se nas ciências físicas e
androgônicas. Seu tempo se dividia entre as meditações em sua cela, o estudo
dos hieróglifos nas salas e nos pátios
do
templo tão vasto quanto uma cidade, e as lições dos mestres. Ele aprendia a
ciência dos minerais e das plantas, a história do homem e dos povos, a
medicina, a arquitetura e a música sacra. Nessa longa aprendizagem, ele não
devia somente conhecer, mas transformar-se, ganhar força por meio da renúncia.
Os
sábios antigos acreditavam que o homem somente possui a verdade se ela se tornar
uma parte do íntimo de seu ser, um ato espontâneo da alma. Durante aquele
profundo trabalho de assimilação, o discípulo era deixado sozinho consigo
mesmo. Os mestres não o ajudavam em nada, e muitas vezes ele se espantava com
sua frieza e indiferença. Vigiavam-no com atenção; submetiam-no a regras inflexíveis;
exigiam dele obediência absoluta; mas não lhe revelavam nada além de certos
limites. Ante suas inquietações e perguntas, respondiam-lhe: “Espera e
trabalha!”
Vinham-lhe,
então, revoltas súbitas, arrependimentos amargos, suspeitas horríveis. Teria
ele se tornado escravo de impostores audaciosos da magia negra, que subjugavam
sua vontade para um fim infame? A verdade fugia; os deuses o abandonavam; ele
estava só e prisioneiro do templo. A verdade tinha-lhe aparecido sob a figura
de uma esfinge. Agora, a esfinge lhe dizia: “Eu sou a Dúvida!” E a besta alada,
com sua cabeça de mulher impassível e suas garras de leão, transportava-o para
dilacerá-lo na areia ardente do deserto.
Porém,
a esses pesadelos sucediam horas de calma e de pressentimento divino. Ele
compreendia, então, o sentido simbólico das provas que atravessara ao entrar no
templo. Porque, ai! o poço sombrio em que ele quase caíra era menos negro do
que a insondável verdade; o fogo que atravessara era menos temível do que as
paixões que queimavam ainda sua carne; a água gelada e tenebrosa onde tivera de
mergulhar era menos fira do que a dúvida em que seu espírito naufragava e se
arruinava nas horas más.
Em
uma das salas do Templo se estendiam, em duas filas, aquelas mesmas pinturas
sagradas, cujo sentido tinham-lhe explicado na cripta durante a noite das
provas, e que representavam os vinte e um arcanos.
Esses
arcanos, que se deixavam entrever no limiar da ciência oculta, eram as próprias
colunas da teologia; mas era preciso ter atravessado toda a iniciação para
compreendê-los. Depois, nenhum dos mestres tornara a falar-lhe deles.
Permitiam-lhe somente passear naquela sala, meditar sobre aqueles sinais. Ele
aí passava longas horas solitárias. Por aquelas figuras castas como a luz,
graves como a Eternidade, a invisível
e
impalpável verdade se infiltrava lentamente no coração do neófito. Na muda
sociedade daquelas divindades silenciosas e sem nome, cada uma das quais
parecia presidir a uma esfera da vida, ele começava a experimentar algo de
novo: primeiro uma descida ao fundo do seu ser, depois, uma espécie de
desligamento do mundo que o fazia pairar acima das coisas. Às vezes, ele
perguntava a um dos magos: “Ser-me-á permitido um dia respirar a rosa de Ísis e
ver a luz de Osíris?” Respondiam-lhe: “Isto não depende de nós. A verdade não
se dá. É encontrada em si mesma ou não é encontrada. Nós não podemos fazer de
ti um adepto, é preciso torná-lo por ti mesmo. O lótus pulsa sob as águas do
rio por muito tempo, antes de desabrochar. Não apresses a eclosão da flor
divina. Se ela deve vir, virá no dia certo. Trabalha e ora!”
E
o discípulo voltava aos estudos, às meditações, com uma alegria triste. Ele
sentia o encanto austero e suave daquela solidão que passava como um sopro do
ser dos seres. Assim corriam os meses, os anos. E ele percebia operar-se em si
uma transformação lenta, uma metamorfose completa. As paixões que haviam
assediado sua juventude se afastavam como sombras, e os pensamentos que o
acometiam agora sorriam-lhe como amigos imortais. O que ele experimentava por
momentos era o desaparecimento de seu eu terrestre e o nascimento de um outro
eu, mais puro e mais etéreo. Com esse sentimento, acontecia-lhe prosternarse diante
dos degraus do santuário fechado. Então, não existia mais nele revolta, nem
desejo algum, nem arrependimento. Havia apenas um
abandono
perfeito de sua alma aos Deuses, uma oblação completa à verdade. “Oh! Ísis –
dizia ele em sua prece – uma vez que minha alma não é mais do que uma lágrima
de teus olhos, que ela caia como orvalho sobre as outras almas e que, morrendo,
eu sinta seu perfume subir em tua direção. Eis-me aqui, pronto para o
sacrifício!”
Após
uma dessas orações mudas, o discípulo ainda em êxtase via, de pé perto dele, como
uma visão saída do sol, o hierofante envolto nos cálidos clarões do pôr-do-sol.
O mestre parecia ler todos os pensamentos do discípulo, penetrar todo o drama
de sua vida interior. E dizia-lhe:
-
Filho, aproxima-se a hora em que a verdade ser-te-á revelada. Tu já a
pressentiste descendo ao fundo de ti mesmo e aí encontrando a vida divina. Vais
entrar na grande, na inefável comunhão dos Iniciados. És digno dela pela pureza
do coração, pelo amor da verdade e a força da renúncia. Mas ninguém transpõe a
soleira de Osíris sem passar pela morte e pela ressurreição. Nós te
acompanharemos até a cripta. Não tenhas medo, pois já és um de nossos irmãos.
No
crepúsculo, os sacerdotes de Osíris, empunhando tochas, acompanhavam o novo
adepto a uma cripta baixa, sustentada por quatro pilares assentados sobre
esfinges. Em um canto se encontrava aberto um sarcófago de mármore (1). E o
hierofante o advertia:
-
Nenhum homem escapa à morte e toda alma viva está destinada
à
ressurreição. O adepto passa vivo pelo túmulo para, desta vida, entrar na luz
de Osíris. Deita-te, pois, neste sarcófago e espera a luz. Nesta noite
atravessarás a porta do Terror e alcançarás os umbrais do Mestrado.
O
adepto deitava-se no sarcófago aberto, o hierofante estendia a mão sobre ele,
para abençoá-lo, e o cortejo dos iniciados se afastava em silêncio da
sepultura. Uma pequena lâmpada deixada no chão ilumina ainda, com sua luz
incerta, as quatro esfinges que sustentam as colunas atarracadas da cripta. Um
coro de vozes profundas se faz ouvir, baixo e velado. De onde vem ele? É o
canto dos funerais!..., Ele termina, a lâmpada lança um derradeiro clarão,
depois se extingue completamente.
O
adepto está só nas trevas, o frio do sepulcro cai sobre ele e congela-lhe todos
os membros. Passa gradualmente pelas sensações dolorosas da morte e cai em
letargia. Sua vida desfila diante dele em quadros sucessivos, como algo irreal
e sua consciência terrestre torna-se cada vez mais vaga e difusa. Mas à medida
que sente seu corpo se dissolver, a parte etérea e fluida de seu ser se
desprende. Ele entra em êxtase...
Que
ponto brilhante e longínquo é este que aparece, imperceptível no fundo negro
das trevas? Ele se aproxima, aumenta, transforma-se numa estrela de cinco
pontas, cujos raios têm todas as cores do arco-íris e que lança nas trevas
descargas de luz magnética. Agora é um sol que o atrai na brancura de seu
centro incandescente. Será a magia dos mestres que produz essa visão? Será o
invisível que se torna visível? Será o presságio da verdade celeste, a estrela
flamejante da esperança e da imortalidade? – Ela desaparece; e em seu lugar um
botão de flor desabrocha na noite, uma flor imaterial, mas sensível e dotada de
uma alma. Abre-se diante dele como uma rosa branca; desabrocha suas pétalas e
ele vê tremularem suas folhas vivas e avermelhar-se seu cálice inflamado.
Será
a flor de Ísis, a Rosa mística da sabedoria que encerra o Amor em seu coração?
Mas,
eis que de repente ela se evapora como uma nuvem de perfumes. Então, aquele que
estava em êxtase se sente inundado num sopro quente e acariciante. E, depois de
ter tomado formas caprichosas, a nuvem se condensa e se transforma numa figura
humana. É a figura de uma mulher, a Ísis, do santuário oculto, porém, mais
jovem, sorridente e luminosa. Um véu transparente a envolve em espiral e seu
corpo brilha, revelando-se. Segurando um rolo de papiro, ela se aproxima
docemente, inclina-se sob o iniciado deitado no túmulo e lhe diz: “Eu sou a tua
irmã invisível, tua alma divina e este é o livro da tua vida. Ele contém páginas
repletas de tuas existências passadas e páginas brancas das futuras. Um dia,
desenrolarei todas diante de ti. Agora tu me conheces.
Chama-me
e eu virei!” E enquanto ela fala, brota-lhe dos olhos um raio de ternura...
presença de uma reprodução angélica, promessa inefável do divino, fusão
maravilhosa no impalpável além!...
Mas
tudo se rompe, a visão se desfaz. Uma dilaceração atroz... e o adepto se sente
precipitado em seu corpo como em um cadáver. Volta ao estado de letargia
consciente; círculos de fogo apertam-lhe os membros; um peso terrível comprime
seu cérebro; ele desperta... e, de pé, diante dele, está o hierofante,
acompanhado dos magos. Rodeiam-no, fazem-no beber um cordial e ele se levanta.
Proclama,
então, o profeta:
-
Eis que surges ressuscitado! Vem celebrar conosco o ágape dos iniciados e
conta-nos tua viagem na luz de Osíris. Pois, de hoje em diante, és um dos
nossos.
Transporter-no-nos
agora, com o hierofante e o novo iniciado, ao observatório do templo, no tépido
esplendor de uma noite egípcia. Lá o chefe do templo fazia, ao adepto recente,
a grande revelação, narrando-lhe a visão de Hermes Essa visão não estava
escrita em nenhum papiro.
Era
apenas indicada por sinais simbólicos nas estrelas da cripta secreta, só
conhecida pelo profeta. E sua explicação era transmitida, oralmente, de
pontífice a pontífice.
–
Presta atenção – dizia o hierofante –, esta visão encerra a história eterna do
mundo e o círculo das coisas.
(1).
Os arqueólogos viram, durante muito tempo, no sarcófago da grande pirâmide de
Gisé, o túmulo do rei Sesostris, baseados na opinião de Heródoto, que não era
iniciado e ao qual os sacerdotes egípcios confiaram apenas anedotas e contos
populares. Mas os reis do Egito tinham sua sepultura em outro lugar. A
estrutura interior e bizarra da pirâmide prova que ela devia servir para as
cerimônias da iniciação e práticas secretas dos sacerdotes de Osíris.
Encontra-se ali o Poço da Verdade, que descrevemos, a escadaria, a Sala dos
arcanos... A chamada câmara do rei, que encerra o sarcófago, era aquela à qual
conduziram o adepto na véspera de sua grande iniciação. As mesmas disposições
estavam reproduzidas nos grandes templos da Idade Média e do Alto Egito.
A
VISÃO DE HERMES (1)
“Um
dia, Hermes adormeceu, após ter refletido sobre a origem das coisas. Um pesado
torpor apoderou-se-lhe do corpo; mas, à medida que o corpo se entorpecia, seu
espírito se elevava nos espaços. Então, teve a impressão de que um ser imenso,
sem forma determinada, o chamava pelo nome. Atemorizado, Hermes pergunta:
-
Quem és tu?
-
Eu sou Osíris, a Inteligência soberana, e posso revelar todas as coisas. O que
desejas?
-
Contemplar a origem dos seres, oh! divino Osíris, e conhecer Deus.
-
Serás satisfeito.
Logo
Hermes sentiu-se inundado por uma luz deliciosa. Naquelas ondas diáfanas
passavam as formas encantadoras de todos os seres.
Porém,
repentinamente, trevas assustadoras e de forma sinuosa desceram sobre ele.
Hermes mergulhou num caos úmido, cheio de fumaça e de um lúgubre rugido. Então,
uma voz se elevou do abismo.
Era
o grito da luz. Logo, um fogo sutil lançou-se das profundezas úmidas e ganhou
as alturas etéreas. Hermes subiu com ele e se reviu nos espaços. O caos
clareava no abismo; coros de astros ressoavam sobre sua cabeça; e a voz da luz
enchia o infinito.
E
Osíris perguntou a Hermes, acorrentado em seu sonho e supenso entre a terra e o
céu:
-
Compreendeste o que viste?
-
Não, respondeu Hermes.
-
Pois bem, vais compreender. Acabas de ver toda a eternidade. A luz, que viste
primeiro, é a inteligência divina que contém todas as coisas em potência e
encerra os modelos de todos os seres. As trevas, em que mergulhaste a seguir, é
o mundo material onde vivem os homens da terra. Mas o fogo, que viste brotar
das profundezas, é o Verbo divino. Deus é o Pai, o Verbo é o Filho, sua união é
a Vida.
Comentou
Hermes:
-
Que sentido maravilhoso abriu-se para mim! Não vejo mais com os olhos do corpo,
mas com os do espírito. Como é possível isto?
Osíris
respondeu:
-
Filho do pó! Isto é porque o Verbo está em ti. O que em ti ouve, vê, age, é o
próprio Verbo, o fogo sagrado, a palavra criadora!
Então
disse Hermes:
-
Já que é assim, deixa-me ver a vida dos mundos, o caminho das almas, de onde o
homem vem e para onde vai.
-
Que seja feito segundo teu desejo.
Hermes
tornou-se mais pesado do que uma pedra e rolou pelos espaços como uma aerólito.
Finalmente, viu-se no cume de uma montanha. Era noite; a terra sombria e nua;
seus membros pareciam-lhe pesados como ferro. E ouviu a voz de Osíris:
-
Ergue os olhos e olha!
Então,
Hermes viu um espetáculo maravilhoso. O espaço infinito, o céu estrelado o
envolvia com as sete esferas luminosas. Com um só olhar Hermes percebeu os sete
céus dispostos sobre sua cabeça como sete globos transparentes e concêntricos,
cujo centro sideral ele ocupava. O último tinha como circuito a Via Láctea. Em
cada esfera girava um planeta acompanhado de um gênio de forma, signo e luz diferentes.
Enquanto Hermes, deslumbrado, contemplava sua florescência esparsa e seus
majestosos movimentos, a voz lhe disse:
-
Olha, escuta e compreende. Estás vendo as sete esferas de toda vida. Através
delas se efetua a queda das almas e sua ascensão. Os sete Gênios são os sete
raios do Verbo-Luz. Cada um deles comanda uma esfera do Espírito, uma fase da
vida das almas. O mais próximo de ti é o Gênio da Lua, com seu sorriso
inquietante e coroado de uma foice de prata. Ele preside aos nascimentos e às
mortes. Separa as almas dos corpos e as atrai para seu raio de luz. Acima dele,
o pálido Mercúrio mostra o caminho às almas, que descem e sobem com seu caduceu
que contém a Ciência. Mais alto, a brilhante Vênus segura o espelho do Amor, em
que as almas alternadamente se esquecem e se reconhecem.
Abaixo
dela, o Gênio do Sol ergue a tocha triunfal da eterna Beleza.
Mais
alto ainda, Marte brande o gládio da Justiça. Reinando sobre a esfera azulada,
Júpiter sustenta o cetro do poder supremo, que é a Inteligência divina. Nos
limites do mundo, sob os signos do zodíaco, Saturno carrega o globo da
sabedoria universal (2).
Hermes
falou:
-
Vejo as sete regiões que compreendem o mundo visível e invisível; vejo os sete
raios do Verbo-Luz, do Deus único que as atravessa e governa. Mas, meu mestre,
como se realiza a viagem dos homens através de todos esses mundos?
Respondeu
Osíris:
-
Vês uma semente luminosa cair das regiões da via Láctea na sétima esfera? São
germes de almas. Elas vivem como vapores leves na região de Saturno, felizes,
sem preocupação, e desconhecem sua felicidade. Porém, ao cair de esfera em
esfera, elas revestem-se de invólucros sempre mais pesados. Em cada encarnação,
adquirem um novo sentido corporal, conforme o meio em que habitam. Sua energia vital
aumenta; e, à medida que penetram em corpos mais densos, elas perdem a
lembrança de sua origem celeste. Assim se completa a queda das almas que vêm do
divino Éter. Cada vez mais cativas da matéria, cada vez mais inebriadas com a
vida, elas se precipitam como uma chuva de fogo, com estremecimentos de
volúpia, através das regiões da Dor, do Amor e da Morte, até sua prisão
terrestre; onde tu mesmo gemes retido pelo centro ígneo da terra e onde a vida
divina te parece um sonho vão.
Hermes
perguntou:
-
As almas podem morrer?
Respondeu
a voz de Osíris:
-
Sim, muitas perecem na descida fatal. A alma é filha do céu e sua viagem é uma
prova. Se, em seu amor desenfreado pela matéria, ela perde a lembrança de sua
origem, a centelha divina que nela estava, e que teria podido tornar-se mais
brilhante do que uma estrela, volta à região etérea como átomo sem vida – e a
alma se desagrega no turbilhão dos elementos grosseiros.
A
estas palavras, Hermes estremeceu. E uma tempestade rugidora o envolveu com uma
nuvem negra. As sete esferas desapareceram sob densos vapores. Ele então viu
espectros humanos soltando gritos estranhos, arrancados e dilacerados por
fantasmas de monstros e animais, em meio a gemidos e blasfêmias inomináveis.
E
Osíris, então, falou:
-
Tal é o destino das almas irremediavelmente baixas e más. Sua tortura só
termina com sua destruição, que é a perda de toda a consciência. Mas veja, os
vapores se dissipam e as sete esferas reaparecem sob o firmamento. Olha deste
lado. Vês este enxame de almas que procura subir para a região lunar? Umas são
rebaixadas para a terra como turbilhões de pássaros sob os golpes da
tempestade. Outras atingem, em grandes vôos, a esfera superior, que as arrasta
em sua rotação. Uma vez lá chegando, elas recuperam a visão das coisas divinas.
Mas desta vez elas não se contentam apenas em refleti-las no sonho
de uma felicidade impotente. Elas se deixam impregnar com a lucidez da
consciência clareada pela dor, com a energia da vontade adquirida na luta.
Tornam-se luminosas, porque possuem o divino em si mesmas e o manifestam em
seus atos. Fortalece, pois, tua alma, oh!
Hermes,
e tranqüiliza teu espírito obscurecido, contemplando esses voos longínquos de
almas que tornam a subir as sete esferas e lá se espalham como feixes
faiscantes. Pois tu também podes segui-las; basta querer, para elevar-se. Vê
como elas enxameiam e descrevem coros divinos.
Cada
uma se junta ao seu gênio preferido. As mais belas vivem na região solar, as
mais poderosas se elevam até Saturno. Algumas sobem novamente até ao Pai, entre
as potências, sendo elas mesmas outras potências. Porque lá, onde tudo termina,
tudo começa eternamente; e as sete esferas dizem juntas: “Sabedoria! Amor!
Justiça! Beleza!
Esplendor!
Ciência! Imortalidade!”
E
o hierofante, então, explicava:
-“Eis
o que viu o antigo Hermes e o que seus sucessores nos transmitiram. As palavras
do sábio são como as sete notas da lira, que encerram toda a música com os
números e as leis do universo. A visão de Hermes se assemelha ao céu estrelado,
cujas profundezas insondáveis estão semeadas de constelações. Para o menino,
não passa de uma abóbada com cravos de ouro; para o sábio é o espaço ilimitado onde
giram os mundos com seus ritmos e suas cadências maravilhosas.
Esta
visão encerra os números eternos, os signos evocadores e as chaves mágicas.
Quanto mais aprenderes a contemplá-la e a compreendê-la, mais verás se
estenderem seus limites. Porque a mesma lei orgânica governa todos os mundos”.
E
o profeta do templo comentava o texto sagrado. Explicava que a doutrina do
Verbo-Luz representa a divindade no estado estático em seu equilíbrio perfeito.
Demonstrava sua tríplice natureza, que é ao mesmo tempo inteligência, força e
matéria; espírito, alma e corpo; luz, verbo e vida. A essência, a manifestação
e a substância são três termos que se superpõem reciprocamente. Sua união
constitui o princípio divino e intelectual por excelência, a lei da unidade
ternária, que de alto a baixo domina a criação.
Tendo
assim conduzido seu discípulo ao centro ideal do universo, ao princípio gerador
do Ser, o mestre desabrochava-o no tempo e no espaço, sacudia-o em florações
múltiplas. Pois a segunda parte da visão representa a divindade no estado
dinâmico, isto é, em evolução ativa ou, em outros termos, o universo visível e
invisível, o céu vivo. As sete esferas ligadas a sete planetas simbolizavam
sete princípios, sete estados diferentes da matéria e do espírito, sete mundos
diversos que cada homem e cada humanidade são forçados a transpor em sua evolução
através do Sistema solar. Os sete Gênios, os sete Deuses, cosmogônicos
significavam os espíritos superiores e dirigentes de todas as esferas,
oriundos, eles mesmos, a inelutável evolução. Cada grande Deus era, portanto,
para o iniciado antigo, o símbolo e o modelo de legiões de espíritos que
reproduziam seu tipo sob mil variantes e que de sua esfera podiam exercer uma
ação sobre o homem e sobre as coisas terrestres. Os sete Gênios da visão de
Hermes são os sete Devas da Índia, os sete amachapandas da Pérsia, os sete
grandes Anjos da Caldéia, os sete Sefirotes (3) da Cabala, os sete Arcanjos do
Apocalipse cristão. E o grande setenário que envolve o universo não vibra
somente nas sete cores do arco-íris, nas sete notas da escala musical: ele se manifesta
ainda na constituição do homem, que é tríplice por essência, mas sétuplo por
sua evolução (4).
Dizia
o hierofante, para terminar:
-
Assim penetraste no limiar do grande arcano. A vida divina apareceu-te sob as
quimeras da realidade. Hermes te fez conhecer o céu invisível, a luz de Osíris,
o Deus oculto do universo, que respira por dez milhões de almas, anima os
globos errantes, e os corpos em ação. Cabe a ti, agora, dirigir-te a ti mesmo e
escolher teu caminho para subir até o Espírito puro. Pois, de hoje em diante,
pertences aos ressuscitados vivos. Não te esqueças de que há duas chaves
principais da ciência. Eis a primeira: “O exterior é como o interior das
coisas; o pequeno é como o grande; só há uma única lei e aquele que trabalha é
Um. Nada é pequeno, nada é grande na economia divina”. Eis a segunda: “Os homens
são deuses mortais e os deuses são homens imortais”. Feliz daquele que
compreende essas palavras, porque possui a chave de todas as coisas. Lembra-te
que a lei do mistério dissimula a grande verdade. O total conhecimento só pode
ser revelado aos nossos irmãos que passaram pelas mesmas provas que nós. É
preciso regular a verdade segundo as inteligências – disfarçá-la com um véu
para os fracos, porque ela torná-los-ia loucos; ocultá-las dos maus, que dela
só podem apreender fragmentos, dos quais fariam armas de destruição. Encerra-a em
teu coração e que ela fale por tuas obras. A ciência será tua força, a fé tua
espada e o silêncio tua armadura infrangível.
As
revelações do profeta de Âmon-Rá, que abriam ao novo iniciado tão vastos
horizontes, sobre si mesmo e sobre o universo, sem dúvida alguma produziam
profunda impressão, quando feitas no observatório de um templo de Tebas, na
calma lúcida de uma noite egípcia. Os pilares, os tetos e os terraços brancos
dos templos dormiam a seus pés, entre os maciços negros dos nopais e dos
tamarineiros. À distância, grandes monolitos, estátuas colossais dos Deuses,
estavam assentados como juizes incorruptíveis sobre seu lago silencioso. Três pirâmides,
figuras geométricas do tetragrama e do setenário sagrado, perdiam-se no
horizonte, espaçando seus triângulos no cinzento leve do ar. O insondável
firmamento pululava de estrelas. Com que surpresa ele olhava esses astros, que
lhe pintavam como futuras moradas! Quando, finalmente, o esquife dourado da lua
emergia do espelho sombrio do Nilo, que se perdia no horizonte como uma longa
serpente azulada, o neófito acreditava ver a barca de Ísis navegando no rio das
almas e transportando-as para o sol de Osíris. Recordava-se, então, do Livro
dos
Mortos
e o sentido de todos esses símbolos se revelava agora a seu espírito. Depois do
que havia visto e aprendido, podia acreditar-se no reino crepuscular de Amenti,
misterioso interregno entre a vida terrestre e a vida celestial, onde os
defuntos, a princípio sem olhos e sem palavra, recuperam pouco a pouco a visão
e a voz. Ele também iria empreender a grande viagem, a viagem do infinito,
através dos mundos e das existências. Hermes já o absolvera e o julgara digno,
tendo já lhe dito a palavra do grande enigma: “Uma única alma, a grande alma do
Todo, gerou, dividindo-se, todas as almas que se movem no Universo”.
Armado
do grande segredo, o neófito subia na barca de Ísis. Ela partia. Soerguida nos
espaços etéreos, ela flutuava nas regiões intersiderais. Ora amplos raios de
uma imensa aurora varavam os véus azulados dos horizontes celestes, ora o coro
dos, espíritos gloriosos, dos Auimu-Secu, que alcançaram o eterno repouso,
cantava: “Levanta-te, Rá-Hermacuti! Sol dos espíritos! Aqueles que vão em tua
barca estão em exaltação! Soltam exclamações na barca de milhões de anos. O grande
ciclo divino transborda de alegria glorificando a grande barca sagrada.
Celebram-se festas na capela misteriosa. Levanta-te, Âmon-Rá Hermacuti! Sol que
a si mesmo se criou!” E o iniciado respondia com estas palavras orgulhosas: “Eu
alcancei o país da verdade e da justificação. Ressuscito como um Deus vivo e
brilho no coro dos Deuses que habitam o céu, porque sou de sua raça”.
Tanto
os pensamentos altivos como as esperanças audaciosas perseguiam o espírito do
adepto, na noite que sucedia à cerimônia mística da ressurreição. No dia
seguinte, nas avenidas do templo, sob a luz deslumbrante, não lhe parecia mais
do que um sonho. Mas que sonho inolvidável fora essa primeira viagem no
impalpável e no invisível... De novo ele lia a inscrição na estátua de Ísis:
Nenhum mortal levantou meu véu.
Uma
ponta do véu soerguera-se, todavia, mas para tornar a cair em seguida, e ele
despertara na terra dos túmulos. Ah! como estava longe do fim sonhado! Quão
longa é a viagem na barca dos milhões de anos! Pelo menos ele entrevira o alvo
final. Mesmo que sua visão do outro mundo fosse apenas um sonho, um esboço infantil
de sua imaginação ainda repleta das vaidades da terra, poderia ele duvidar dessa
outra consciência que ele sentira eclodir dentro de si, desse duplo misterioso,
desse eu celestial que lhe aparecera em sua beleza astral como uma forma viva e
que falara durante o sono? Seria uma alma gêmea, seria seu gênio ou apenas um
reflexo do íntimo de seu espírito, um pressentimento de seu ser futuro?
Maravilha e mistério. Com certeza seria uma realidade, e se essa alma não fosse
a sua, seria a verdadeira. O que não faria ele para reencontrá-la! Vivesse ele
milhões de anos e não esqueceria esta hora divina em que vira seu outro eu,
puro e radiante! (5).
Terminara
a iniciação. O adepto estava consagrado sacerdote de Osíris. Como egípcio, ele
ficaria ligado ao templo; como estrangeiro, era-lhe permitido às vezes retornar
a seu país, para lá fundar um culto ou cumprir sua missão. Mas, antes de
partir, ele prometia solenemente, mediante um juramento terrível, guardar
silêncio absoluto sobre os segredos do templo. Jamais deveria contar a alguém o
que vira ou escutara, nem revelar a doutrina de Osíris, a não ser sob o
tríplice véu dos símbolos mitológicos ou dos mistérios. Se ele violasse esse juramento,
uma morte fatal o atingiria cedo ou tarde, tão longe quanto estivesse. O
silêncio tornara-se o escudo de sua força.
Regressando
às plagas da Jônia, à sua turbulenta cidade, sob o choque das paixões furiosas,
naquela multidão de homens que vivem como insensatos, ignorando-se a si mesmos
– muitas vezes relembrava o Egito, as pirâmides, o templo de Âmon-Rá. Então o
sonho da cripta lhe voltava. E como lá o lótus balança sobre as ondas do Nilo,
essa visão branca sempre flutuaria sobre o rio lodoso e confuso desta vida.
Em
horas escolhidas, ele ouvia sua voz, e era a voz da luz.
Despertando
em seu ser uma música íntima, ela lhe dizia: “A alma é uma luz velada. Quando a
negligenciamos, ela escurece e se extingue. Mas, quando nela derramamos o óleo
santo do amor, ela reluz como uma lâmpada imortal!”
(1).
A visão de Hermes se encontra no frontispício dos livros de Hermes Trimegisto
sob o nome de Poimandrés. A antiga tradição egípcia só chegou até nós sob uma
forma alexandrina ligeiramente alterada. Tentei reconstituir esse fragmento
capital da doutrina hermética no sentido da alta iniciação e da síntese
esotérica que ele representa.
(2).
Decerto, esses Deuses traziam outros nomes na linguagem egípcia.
Mas
os sete Deuses cosmogônicos se correspondem em todas as mitologias, por seu
sentido e suas atribuições. Têm sua raiz comum na antiga tradição esotérica. A
tradição ocidental adotou os nomes latinos e nós os conservamos para maior
clareza.
(3).
Há dez Sefirotes na Cabala. Os três primeiros representam o temário divino, os
sete outros, a evolução do Universo.
(4).
Daremos aqui os termos egípcios dessa constituição setenária do homem, que se
encontra na Cabala: Chat, corpo material; Anch, força vital; Ka, duplo etéreo
ou corpo astral; Hati, alma animal; Baí, alma racional; Cheybi, alma
espiritual; Ku, espírito divino. O desenvolvimento dessas idéias fundamentais
da doutrina esotérica será encontrado no livro de Orfeu e sobretudo no de
Pitágoras.
(5).
Na doutrina egípcia, considerava-se que o homem só tinha consciência da alma
animal e da alma racional, chamadas Hati e Baí. A parte superior de seu ser, a
alma espiritual e o espírito divino, cheybi e ku, existem nele em estado de
germe inconsciente e se desenvolvem depois desta vida, quando ele próprio se
toma um Osíris.
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