sexta-feira, 6 de abril de 2012

HERMES (Cerca de 10.000 a.C.)


A Evolução Espiritual da Humanidade
(O Influxo Divino e A Pluralidade das Existências)
(A origem da Raça Ariana)

HERMES
(Cerca de 10.000 a.C.)




Ó alma cega! Arma-te com o facho dos Mistérios
e tu descobrirás na noite terrena o teu Duo luminoso,
a tua Alma celeste. Segue esse guia divino e que ele seja o teu Gênio:
- Porque ele contém a chave das tuas existências passadas e futuras.
Apelo aos Iniciados: Do livro dos Mortos


Escutai-o em vós mesmos e vede-o no infinito do Espaço e do Tempo.
Ali reboa o canto dos Astros, a voz dos Números, a harmonia das Esferas.
É cada sol um pensamento de Deus e cada planeta um modo desse pensamento.
É para conhecer o pensamento de Deus, ó almas!
Que desceis e subis penosamente
os caminhos de sete planetas e dos seus sete céus.
Que fazem os Astros? Que dizem os Números? Que roam as Esferas?
– Ó almas perdidas ou salvas, eles dizem, eles cantam, elas rolam,
 - os vossos destinos!
Fragmento. (De Hermes)


Os Mistérios do Egito




A raça negra, que sucedeu à raça vermelha do domínio do mundo, fez do Alto Egito seu principal santuário. O nome de Hermes-Toth-Mercúrio, misterioso e primeiro iniciador do Egito nas doutrinas sagradas, relaciona-se, sem dúvida, a uma primeira e pacífica mistura da raça branca com a negra, nas regiões da Etiópia e do Alto Egito, muito tempo antes da época ariana.


Hermes
Thot (ou Tot)
Mercúrio



Hermes é um nome genérico, como Manu e Buda. Designa ao mesmo tempo um homem, uma casta e um deus. O homem, Hermes, é o primeiro, o grande iniciador do Egito; casta, é o sacerdócio depositário das tradições ocultas; deus, é o planeta Mercúrio, assimilado com sua esfera a uma categoria de espíritos, de iniciadores divinos; em resumo, Hermes preside à região supraterrestre da iniciação celestial.

Na economia espiritual do mundo, todas essas coisas estão ligadas por secretas afinidades, como que por um fio invisível. O nome de Hermes é um talismã que as sintetiza, um som mágico que as evoca.

Daí seu prestígio. Os gregos, discípulos dos egípcios, chamaram-no Hermes Trimegisto ou três vezes grande, porque era considerado rei, legislador e sacerdote. Ele representa uma época em que o sacerdócio, a magistratura e a realeza estavam reunidos em um só corpo governamental. A cronologia egípcia de Maneton denomina esta época de reino dos deuses. Ainda não havia o papiro nem a escrita fonética; mas já existia a ideografia sagrada e a ciência do sacerdócio estava inscrita em hieróglifos nas colunas e nas paredes das criptas.

Consideravelmente aumentada, ela passou mais tarde às bibliotecas dos templos. Os egípcios atribuíam a Hermes 42 livros sobre a ciência oculta. O livro grego conhecido sob o nome de Hermes Trimegisto encerra certamente restos alterados, mas infinitamente preciosos, da antiga teogonia que é como o fiat lux, de onde Moisés e Orfeu receberam seus primeiros raios. A doutrina do Fogo-Princípio e do Verbo-Luz, contida na Visão de Hermes, será o vértice e o centro da iniciação egípcia.

Tentaremos dentro em pouco reencontrar esta visão dos mestres, esta rosa mística que só desabrochou na noite do santuário e no arcano das grandes religiões. Algumas palavras de Hermes, impregnadas da antiga sabedoria, são bem elaboradas para nos prepararmos.

Nenhum de nossos pensamentos - disse ele ao discípulo Asclépio - poderia conceber Deus, nem linguagem alguma defini-lo. O que é incorporal, invisível, sem forma, não pode ser apreendido por nossos sentidos; o que é eterno não poderia ser medido pela curta regra do tempo; Deus, portanto, é inefável. Deus pode, é verdade, comunicar a alguns eleitos a faculdade de se elevar acima das coisas naturais, a fim de perceber algum vislumbre de sua suprema perfeição - mas esses eleitos não encontram palavras para traduzir em linguagem vulgar a imaterial visão que os fez estremecer. Podem explicar à humanidade as causas secundárias das criações que passam sob seus olhos como imagens da vida universal, mas a causa primeira permanece velada e só chegaremos a compreende-la atravessando a morte.

É assim que Hermes falava de Deus desconhecido no limiar das criptas. Os discípulos que penetravam com ele em suas profundezas aprendiam a conhecê-lo como um ser vivo(1).

O livro fala de sua morte como da partida de um deus.

“Hermes viu o conjunto das coisas, e, tendo visto, ele compreendeu; e tendo compreendido, ele tinha o poder de manifestar e de revelar. O que ele pensou, ele escreveu; o que ele escreveu ocultou em grande parte, simultaneamente falando e calando-se com sabedoria para que toda a duração do mundo procurasse essas coisas. E assim, tendo ordenado aos deuses, seus irmãos, que lhe servissem de cortejo, ele subiu às estrelas.”

Pode-se, a rigor, isolar a história política dos povos, mas não se pode separar sua história religiosa. As religiões da Assíria, do Egito, da Judéia, da Grécia só podem ser compreendidas quando se toma seu ponto de ligação com a antiga religião indo-ariana. Consideradas em particular são enigmas e charadas; vistas em conjunto e do alto, constituem uma soberba evolução, onde tudo se comanda e se explica reciprocamente. Em resumo, a história de uma religião será sempre estreita, supersticiosa e falsa. Nada existe de verdadeiro, a não ser a história religiosa da humanidade. A esta altura, só se sentem as correntes que dão a volta ao globo. O povo egípcio, o mais independente e o mais fechado de todos às influências exteriores, não pode esquivar-se a esta lei universal.

Cinco mil anos antes de nossa era, a luz de Rama, acesa no Irã, brilhou sobre o Egito e tornou-se a lei de Âmon-Rá, o Deus solar de Tebas. Essa constituição permitiu-lhe enfrentar muitas revoluções.

 

Menes, Primeiro Faraó do Egito;
unificou o baixo e o alto Egito.


 
Menes foi o primeiro rei justo, o primeiro faraó executor daquela lei. Ele procurou não negar a antiga teologia do Egito, que também era a sua. Apenas confirmou-a e a fez desabrochar; a ela acrescentando uma organização social nova: o sacerdócio, isto é, o ensinamento, a um primeiro conselho; a justiça, a um outro; o governo, aos dois; a realeza foi concebida como sua delegação e submetida ao seu controle; a independência relativa dos nomos ou comunas, na base da sociedade. A isto podemos chamar governo dos iniciados. Seu princípio fundamental era uma síntese das ciências conhecidas sob o nome de Osíris (O-Sir-is), o senhor intelectual. A grande pirâmide e o gnomo matemático são seu símbolo. O faraó, que recebia seu nome iniciático no templo, que exercia a arte sacerdotal e real sobre o trono, era um personagem muito diferente do déspota assírio, cujo poder arbitrário apoiava-se no crime e no sangue. O faraó era o iniciado coroado, ou pelo menos aluno e instrumento dos iniciados. Durante séculos, os faraós defenderão, contra a Ásia que se tornara despótica e contra a Europa anárquica, a lei do Carneiro, que representava então os direitos da justiça e da arbitragem internacional.





HICSOS, Os reis-pastores

Por volta do ano 2.000 antes de Cristo, o Egito sofreu a crise mais terrível que um povo pode atravessar: a invasão estrangeira e uma semiconquista. A invasão fenícia era a conseqüência do grande cisma religioso asiático, que sublevara as massas populares, semeando a discórdia nos templos. Liderada pelos reis-pastores chamados hicsos, essa invasão derramou seu dilúvio sobre o Delta e o Médio-Egito. Os reis cismáticos traziam com eles uma civilização corrompida, a indolência jônia, o luxo asiático, os costumes do harém, uma idolatria grosseira. A existência nacional do Egito estava comprometida, sua intelectualidade em perigo, sua missão universal ameaçada. Mas o Egito tinha uma alma de vida, isto é, um corpo organizado de iniciados, depositários da antiga ciência de Hermes e de Âmon-Rá. O que fizeram eles? Retiraram-se para o fundo de seus santuários, recolheram-se em si mesmos para melhor resistirem ao inimigo. Aparentemente, o sacerdócio se curvou diante da invasão e reconheceu os usurpadores que traziam a lei do Touro e o culto do boi Ápis. Entretanto, ocultos nos templos, os dois conselhos lá guardavam, como um depósito sagrado, sua ciência, suas tradições, a antiga e pura religião e, com ela, a esperança de uma restauração da dinastia nacional.

Foi por essa época que os sacerdotes espalharam entre a multidão a lenda de Ísis e de Osíris, do desmembramento deste último e de sua próxima ressurreição através do filho, Hórus, o qual reencontraria seus membros esparsos trazidos pelo Nilo. Excitou-se a imaginação da multidão mediante a pompa das cerimônias públicas. Manteve-se seu amor pela velha religião representando-lhe as infelicidades da deusa, suas lamentações pela perda do esposo celeste e a esperança que tinha no filho, Hórus, o divino mediador.

Mas, ao mesmo tempo, os iniciados julgaram necessário tornar a verdade esotérica inatacável, ocultando-se sob um tríplice véu. À difusão do culto popular de Ísis e de Osíris corresponde a organização interior e sábia dos pequenos e grandes Mistérios, cercados de barreiras intransponíveis, de perigos terríveis.

Inventaram-se provas morais, exigiu-se o juramento do silêncio e a pena de morte foi rigorosamente aplicada contra os iniciados que divulgassem o mínimo detalhe dos Mistérios. Graças a essa organização severa, a iniciação egípcia tornou-se não somente refúgio da doutrina esotérica, mas ainda cadinho de uma ressurreição nacional e escola das futuras religiões. Enquanto os usurpadores coroados reinavam em Menfis, Tebas preparava lentamente a regeneração do país. De seu templo, de sua arca solar, saiu o salvador do Egito, Amos, que expulsou os hicsos, após nove séculos de domínio, restaurando os direitos da ciência egípcia e da varonil religião de Osíris. Assim os Mistérios salvaram a alma do Egito da tirania estrangeira, e para o bem da humanidade. Pois, naquela época, era tal a força da sua disciplina, o poder de sua iniciação, que eles continham a melhor força moral e a mais alta seleção intelectual.

A iniciação antiga repousava em uma concepção do homem ao mesmo tempo mais sadia e mais elevada do que a nossa. Nós dissociamos a educação do corpo, da alma e do espírito. Nossas ciências físicas e naturais, bastante avançadas em si mesmas, abstraem o princípio da alma e de sua difusão no Universo; nossa religião não satisfaz às necessidades da inteligência; nossa medicina nada quer saber nem da alma nem do espírito. O homem contemporâneo procura o prazer sem a felicidade, a felicidade sem a ciência, e a ciência sem a sabedoria. A antigüidade não admitia semelhante separação. Em todos os domínios, ela levava em conta a tríplice natureza do homem. A iniciação era um treino gradual de todo ser humano rumo aos cumes vertiginosos do espírito, de onde se pode dominar a vida.

“Para atingir o domínio – diziam os sábios de então – o homem tem necessidade de uma refundição total de seu ser físico, moral e intelectual. Ora, esta refundição só é possível mediante o exercício simultâneo da vontade, da intuição e do raciocínio. Por meio de sua completa concordância, o homem pode desenvolver suas faculdades até limites incalculáveis. A alma tem sentidos adormecidos; a iniciação os desperta. Através de um estudo aprofundado, uma aplicação constante, o homem pode colocar-se em comunicação consciente com as forças ocultas do Universo. Através de um esforço prodigioso, ele pode atingir a percepção espiritual direta, abrir os caminhos do além e tornar-se capaz de se dirigir para lá. Somente então pode dizer que venceu o destino e conquistou aqui na terra sua liberdade divina. Somente então o iniciado pode tornar-se iniciador, profeta e teurgo, isto é, vidente e criador de almas. Porque somente aquele que comanda a si mesmo pode comandar os outros; somente aquele que é livre pode libertar.

Assim pensavam os iniciados antigos. Os maiores deles viviam e agiam de acordo com esse pensamento. A verdadeira iniciação, portanto, era muito diferente de um sonho vazio e muito mais do que um simples ensinamento científico; era a criação de uma alma por ela mesma, sua eclosão em um plano superior, sua eflorescência no mundo divino.

Coloquemo-nos no tempo dos Ramsés, na época de Moisés e de Orfeu, cerca do ano 1.300 antes de nossa era – e esforcemo-nos para penetrar no coração da iniciação egípcia. Os monumentos figurados, os livros de Hermes, a tradição judaica e a grega (2) permitem fazer reviver as fases ascendentes e fazer uma idéia de sua mais alta revelação.

(1). A teologia sábia, esotérica, diz M. Maspero, é monoteísta desde os tempos do Antigo Império. A afirmação da unidade fundamental do ser divino se expressa em termos formais e com grande energia nos textos que remontam àquela época. Deus é uno, único, aquele que existe pela essência, o que vive só em substância, o único gerador no céu e sobre a terra, que não foi gerado. Ao mesmo tempo Pai, Mãe e Filho, ele gera, ele procria e é, perpetuamente; e estas três pessoas, longe de dividir a unidade da natureza divina, concorrem
para sua infinita perfeição. Seus atributos são a imensidade, a eternidade, a independência, a vontade todo-poderosa, a bondade sem limite. “Ele criou seus próprios membros, que são os Deuses”, dizem os velhos textos. Cada um desses deuses secundários, considerados idênticos ao Deus Único, pode formar um tipo novo, de onde emanam por sua vez, e pelo mesmo processo, outros tipos inferiores. - Histoire ancienne des peuples de I'Orient.

(2). ’IAMBAIXOV, περι Μνστηριων λογοs.




ÍSIS. A INICIAÇÃO. AS PROVAS




No tempo dos Ramsés, a civilização egípcia resplandecia no apogeu de sua glória. Os faraós da XXª dinastia, discípulos e guardiões dos santuários, sustentavam como verdadeiros heróis a luta contra Babilônia. Os arqueiros egípcios assediavam os líbios, os bodones, os númidas até o centro da África. Uma frota de 400 velas perseguia a liga dos cismáticos até as bocas do Indo. Para melhor resistir ao choque da Assíria e de seus aliados, os Ramsés haviam traçado retas estratégicas até o Líbano e constituído uma série de fortes entre Magedo e Carquemiche. Intermináveis caravanas afluíram, pelo deserto, de Radasié a Elefantina. Os trabalhos de arquitetura prosseguiam sem descanso e ocupavam os operários de três continentes. A sala hipostila de Carnac fora recuperada e aí cada pilar atinge a altura da coluna Vendôme; o templo de Ábidos se enriquecia com maravilhosas esculturas e o Vale dos Reis, com grandiosos monumentos. Construíase em Bubasta, em Lucsor, em Espeos Ibsambul. Em Tebas, um troféu colossal relembrava a tomada de Cadesh. Em Mênfis, erguia-se o Ramesseum cercado de uma floresta de obeliscos, estátuas e monólitos gigantes.
Em meio a essa atividade efervescente, a essa vida ofuscante, mais de um estrangeiro que aspirava aos Mistérios, vindo das plagas longínquas da Ásia Menor ou das montanhas da Trácia, abordava o Egito, atraído pela reputação de seus templos! Ao chegar a Mênfis, ele ficava estupefato: monumentos, espetáculos, festas públicas, tudo lhe dava impressão de opulência e de grandeza. Após a cerimônia da consagração real no recesso do santuário, ele via o faraó sair do templo diante da multidão, exibir o escudo sustentado por doze oficiais paramentados de seu estado-maior. À sua frente, doze jovens levitas mantinham sobre almofadas bordadas de ouro as insígnias reais: o cetro dos arbítrios com cabeça de carneiro, a espada, o arco e um jogo de armas. Atrás seguiam a casa real, os colégios sacerdotais e os iniciados nos grandes e nos pequenos mistérios. Os pontífices traziam a tiara branca e em seu peito reluziam como fogo as pedras simbólicas. Os dignitários da coroa ostentavam as decorações do Cordeiro, do Carneiro, do Leão, do Lis e da Abelha, suspensas por correntes maciças admiravelmente trabalhadas. As corporações fechavam a marcha com seus emblemas e suas bandeiras desfraldadas (1). À noite, barcas magnificamente ornamentadas, conduziam pelos lagos artificiais as orquestras reais, no meio das quais perfilavam-se em poses hieráticas dançarinas e saltimbancos.
Mas não era essa pompa esmagadora que o estrangeiro procurava.
O que o trazia de tão longe era o desejo de penetrar no segredo das coisas, a sede de saber. Tinham-lhe dito que nos santuários do Egito viviam magos, hierofantes possuidores da ciência divina. Ele também queria ter acesso ao segredo dos deuses. Ouvira falar, por um sacerdote de seu país, do Livro dos Mortos, de seu rolo misterioso que se colocava sob a cabeça das múmias como um viático e que, segundo os sacerdotes
de Âmon-Rá, narrava em linguagem simbólica a viagem de além túmulo da alma. O estrangeiro acompanhara com ávida curiosidade e um certo estremecimento interior mesclado de dúvida essa longa viagem da alma após a vida; sua expiação em uma região ardente; a purificação do seu invólucro sideral; o encontro com o mau piloto sentado na barca com a cabeça virada e o bom piloto, que olha de frente; o companheiro diante dos quarenta e dois juizes terrestres; sua justificação por Tote; e, finalmente, sua entrada e sua transfiguração na luz de Osíris. Podemos aquilatar o poder deste livro e a revolução total que a iniciação egípcia operava nos espíritos, pela passagem do Livro dos Mortos que diz o seguinte: “Este capítulo foi achado em Hermópolis, em escrita azul sobre uma laje de alabastro, aos pés do deus Tote (Hermes), no tempo do rei Mencara, pelo príncipe Hatastefe, quando ele viajava para inspecionar os templos. Ele transportou a pedra para o templo real. Oh! grande segredo! Quando ele leu este capítulo, não viu mais nada, não ouviu mais nada, não se aproximou mais de nenhuma mulher e não comeu mais carne nem peixe” (2). Porém, o que havia de verdadeiro nessas narrativas perturbadoras, nessas imagens hieráticas por detrás das quais reluzia o terrível mistério de alémtúmulo?
– Ísis e Osíris o sabem! diziam. Mas que deuses seriam esses, dos quais só se falava com um dedo sobre a boca? Para sabê-lo é que o estrangeiro batia à porta do grande Templo de Tebas ou Mênfis.
Os servos o conduziam sob o pórtico de um pátio interno, cujos pilares enormes pareciam lótus gigantescos sustentando, com sua força e sua pureza, a Arca solar, o templo de Osíris. O hierofante se aproximava do novato. A majestade de seu porte, a tranqüilidade de sua fisionomia, o mistério de seus olhos negros, impenetráveis, mas repletos de luz interior, já de certa maneira, inquietavam o postulante. Este olhar perfurava como uma punção. O estrangeiro se sentia diante de um homem do qual nada seria possível esconder. O sacerdote de Osíris o interrogava sobre sua cidade natal, sobre sua família e sobre o templo que o instruíra. Se, nesse curto mas penetrante exame, ele fosse julgado indigno dos mistérios, um gesto silencioso, porém irrevogável, mostrava-lhe a porta. Se, contudo, o hierofante encontrasse no aspirante o desejo sincero da verdade, pedia-lhe que o seguisse. Atravessavam pórticos, pátios internos, depois, por uma avenida talhada na rocha, a céu aberto e guarnecida de estrelas e de esfinges, chegavam a um pequeno templo que servia de entrada às criptas subterrâneas. A porta era dissimulada por uma estátua de Ísis em tamanho natural. A deusa, sentada, segurava um livro fechado sobre os joelhos, numa atitude de meditação e de recolhimento. Seu rosto estava velado e, sob a estátua, se lia: Nenhum mortal levantou meu véu.
Dizia-lhe, então, o hierofante:
– Eis aqui a porta do santuário oculto. Olha estas duas colunas. A vermelha representa a ascensão do espírito para a luz de Osíris; a negra significa o seu cativeiro na matéria, e esta queda pode ir até o aniquilamento. Todo aquele que aborda nossa ciência e nossa doutrina aí arrisca sua vida. A loucura ou a morte, eis o que encontra o fraco ou o mau; somente os fortes e os bons encontram a vida e a imortalidade.
Muitos, imprudentes, entraram por esta porta e não saíram vivos. É um abismo que só restitui à luz os intrépidos. Portanto, reflete muito no que vais fazer, nos perigos que vais correr e, se tua coragem não for bastante para toda prova, renuncia à empresa. Pois, uma vez que esta porta se fechar sobre ti, não poderás mais recuar.
Se o estrangeiro persistia em sua resolução, o hierofante o levava para o pátio externo e o recomendava aos servidores do templo, com os quais ele devia passar uma semana, obrigado aos trabalhos mais humildes, escutando hinos e fazendo abluções. Recomendavam-lhe o silêncio mais absoluto.
Chegando, a noite das provas, dois neócoros (3) ou assistentes levavam o aspirante aos mistérios à porta do santuário oculto. Entravase em um vestíbulo escuro, sem saída aparente. Dos dois lados dessa sala lúgubre, à luz de tochas, o estrangeiro via uma fila de estátuas com corpos de homens e cabeça de animais – leões, touros, aves de rapina, serpentes –, que pareciam fitá-lo, zombando dele enquanto passava. Ao fim desta sinistra avenida, que se atravessava sem pronunciar uma única palavra, havia uma múmia e um esqueleto humano, de pé, de frente um para o outro. E, com um gesto mudo, os dois neócoros mostravam ao noviço um buraco no muro à sua frente. Era a entrada de um corredor tão baixo que só se podia penetrar arrastando-se.
Dizia-lhe um dos assistentes:
– Podes ainda voltar. A porta do santuário ainda não foi fechada.
Caso contrário, deves continuar teu caminho por ali, e sem retomo.
Então, o noviço respondia, reunindo toda sua coragem:
- Eu fico!
Entregavam-lhe, então, uma pequena lâmpada acesa. Os neócoros regressavam e fechavam com estrondo a porta do santuário. Não era possível mais hesitar, era preciso entrar no corredor. Apenas começava a rastejar sobre os joelhos, com a lâmpada na mão, ele ouvia uma voz dizer, do fundo do subterrâneo: “Aqui morrem os loucos que cobiçaram a ciência e o poder”. Graças a um maravilhoso efeito acústico, essa frase era repetida sete vezes por meio de ecos distanciados. Era preciso avançar, todavia. O corredor se alargava, mas descia em rampa cada vez mais inclinada. Enfim, o viajante destemido se encontrava diante de um funil que terminava num buraco. Uma escada de ferro lá se perdia; o noviço aí se arriscava. No último degrau, seu olhar sobressaltado desaparecia num poço assustador. Sua pobre lâmpada de nafta, que ele apertava convulsivamente com a mão trêmula, projetava uma luz difusa nas trevas sem fundo. O que fazer? Acima dele, o retorno era impossível; para baixo, a queda na escuridão, na noite aterradora. Nessa angústia, ele percebia uma fenda à esquerda. Agarrado à escada com uma das mãos e com a outra focalizando a lâmpada, ele aí via degraus.
Outra escada! Era a salvação! Para ela se atirava, subia e escapava do abismo. A escada, furando a rocha como uma verruma, subia em espiral. No fim, o aspirante esbarrava numa grade de bronze que dava para uma larga galeria, sustentada por enormes cariátides. Nos intervalos, na parede, viam-se duas fileiras de pinturas simbólicas.
Havia doze de cada lado, suavemente iluminadas por lâmpadas de cristal que as belas cariátides seguravam.
Um mago, chamado pastóforo (guardião dos símbolos sagrados) abria a grade ao noviço e o acolhia com um sorriso benevolente.
Felicitava-o por ter felizmente vencido a primeira prova; depois, conduzindo-o através da galeria, explicava-lhe as pinturas sagradas.
Embaixo de cada uma dessas pinturas, havia uma letra e um número. Os vinte e dois símbolos representavam os vinte e dois primeiros arcanos e constituíam o alfabeto da ciência oculta, quer dizer, os princípios absolutos, as chaves universais que, aplicadas pela vontade, tornam-se a fonte de toda a sabedoria e de todo o poder. Esses princípios se fixavam na memória pela correspondência com as letras da linguagem sagrada e com os números que se ligam a estas letras. Cada letra e cada número exprime, nessa linguagem, uma lei ternária, tendo sua repercussão no mundo divino, no mundo intelectual e no mundo físico. Assim como o dedo que tange uma corda da lira faz ressoar uma nota da gama e vibrar todas as suas harmonias, assim também o espírito que contempla todas as virtualidades de um número, a voz que profere uma letra com a
consciência de seu alcance, evocam um poder que repercute nos três mundos.
É assim que a letra A, que corresponde ao número 1, exprime no mundo divino: Ser absoluto de onde emanam todos os seres; no mundo intelectual: a unidade, fonte e síntese dos números; no mundo físico: o homem, ápice dos seres relativos, que, pela expansão de suas faculdades, se eleva nas esferas concêntricas do infinito. – O arcano 1
era representado, entre os egípcios, por um mago de vestimenta branca, cetro na mão, a fronte cingida de uma coroa de ouro. A veste branca significava a pureza, o cetro, o domínio, a coroa de ouro, a luz universal.
O noviço estava longe de compreender tudo o que ouvia de estranho e de novo; mas perspectivas desconhecidas se entreabriam diante dele à palavra do pastóforo, diante das belas pinturas que o olhavam com a impassível gravidade dos deuses. Atrás de cada uma delas, ele vislumbrava por meio de revelações uma série de pensamentos e de imagens subitamente evocadas. Pela primeira vez ele pressentia o interior do mundo através da cadeia misteriosa das causas.
Assim, de letra em letra, de número em número, o mestre ensinava ao discípulo o sentido dos arcanos, e o conduzia de Ísis Urânia ao carro de Osíris, pela torre fulminada à estrela flamejante, e finalmente à coroa dos magos. “Fica sabendo – dizia o pastóforo – o que quer dizer esta coroa: toda vontade que se une a Deus, para manifestar a verdade e operar a justiça, participa já nesta vida do poder divino sobre os seres e as coisas, como recompensa eterna dos espíritos livres.” Enquanto ouvia o mestre, o neófito experimentava um misto de surpresa, de temor e de arrebatamento. Eram os primeiros clarões do santuário, e a verdade entrevista lhe parecia a aurora de uma divina recordação.
Mas as provas não tinham ainda terminado. Acabando de falar, o pastóforo abria uma porta que dava acesso a outra abóbada estreita e longa, em cuja extremidade crepitava uma fornalha ardente. E o noviço, trêmulo, olhava seu guia e dizia:
- Mas isto é a morte!
- Filho - respondia o pastóforo - a morte só apavora as naturezas abortadas. Outrora, atravessei estas chamas como se fossem um roseiral.
E a grade da galeria dos arcanos se fechou atrás do postulante.
Aproximando-se da barreira de fogo, ele percebia que a fornalha se resumia a uma ilusão de ótica criada por leves entrelaçamentos de ramos resinosos, dispostos em quincunce sobre grelhas. Uma vereda desenhada no meio permitia-lhe passar rapidamente. À prova do fogo sucedia a prova da água. O aspirante era forçado a atravessar uma água morta e negra, ao clarão de um incêndio de nafta que se acendia por trás dele, no quarto do fogo. Depois disto, dois assistentes o conduziam, todo trêmulo ainda, a uma gruta obscura onde se via apenas um leito macio, misteriosamente iluminado pela meia-luz de uma lâmpada de bronze suspensa na abóbada. Secavam-lhe o corpo, faziam-lhe massagem com essências aromáticas, vestiam-no de fino linho e deixavam-no só, depois de lhe terem dito: “Repousa e espera o
hierofante”.
O noviço estendia os membros cansados sobre o tapete suntuoso do leito. Depois das emoções diversas por que passara, esse momento de calma lhe parecia doce. As pinturas sagradas que vira, todas aquelas figuras estranhas, as esfinges, as cariátides voltavam à sua imaginação.
Porém, por que uma daquelas pinturas se repetia como uma alucinação?
Ele revia obstinadamente o arcano X representado por uma roda suspensa sobre seu eixo entre duas colunas. De um lado sobe Hermanubis, o gênio do Bem, belo como um jovem efebo; do outro, Tifon, o gênio do Mal, com a cabeça baixa, se precipita no abismo.
Entre os dois, acima da roda, está sentada uma esfinge segurando na garra uma espada.
O vago som de uma música lasciva, que parecia partir do fundo da gruta, desvanecia aquela imagem. Eram sons leves e indefinidos, de um langor triste e penetrante. Um tinido metálico vinha afagar seus ouvidos, misturado aos trêmulos harpejos, de onde escapavam sons de flauta, suspiros ofegantes como um sopro ardente. Envolto num sonho de fogo, o estrangeiro fechava os olhos. Ao reabri-los, via a alguns passos do leito uma aparição perturbadora de vida e de infernal sedução.
Uma mulher de Núbia, vestida em gaze de púrpura transparente, um colar de amuletos ao pescoço, semelhante às sacerdotisas de Milita, lá estava, de pé, cobrindo-o com o olhar e segurando com a mão esquerda uma taça coroada de rosas. Ela era do tipo núbio, cuja sensualidade intensa e capitosa concentra todos os poderes do animal feminino:
maçãs salientes, narinas dilatadas, lábios polpudos como um fruto vermelho e saboroso. Seus olhos negros brilhavam na penumbra. O noviço erguia-se e, surpreso, não sabendo se devia tremer ou rejubilar-se, cruzava instintivamente as mãos sobre o peito. Mas a escrava avançava a passos lentos e, com as pálpebras descerradas, murmurava em voz baixa: “Tens medo de mim, belo estrangeiro? Trago-te a recompensa dos vencedores, o esquecimento das penas, a taça da felicidade. . .” O noviço hesitava; então, como que tomada de lassidão, a núbia sentava-se no leito e envolvia o estrangeiro com um olhar suplicante como uma longa chama úmida. Infeliz dele se ousasse tocála, se se inclinasse sobre aquela boca, se se inebriasse com os perfumes pesados que subiam daquelas espáduas bronzeadas. Uma vez que houvesse tomado aquela mão e molhado os lábios naquela taça, estaria perdido... e rolaria no leito preso num amplexo ardente. Mas, depois da satisfação selvagem do desejo, o líquido que bebera mergulhava-o num sono pesado. Ao despertar, via-se só, angustiado. A lâmpada lançava urna claridade fúnebre sobre o leito em desordem. Um homem estava de pé, diante dele. Era o hierofante, que lhe dizia:
- Venceste as primeiras provas. Triunfaste sobre a morte, o fogo e a água; mas não soubeste vencer a ti mesmo. Tu, que aspiras às alturas do espírito e do conhecimento, sucumbiste à primeira tentação dos sentidos e tombaste no abismo da matéria. Quem vive escravo dos sentidos, vive nas trevas. Preferiste as trevas à luz; fica, pois, nas trevas.
Eu te adverti dos perigos aos quais te expunhas. Salvaste tua vida, mas perdeste a liberdade. Permanecerás, sob pena de morte, escravo do templo.
Se, ao contrário, o aspirante houvesse derramado a taça e repelido a tentadora, doze neócoros armados de tochas vinham cercá-lo para conduzi-lo triunfalmente ao santuário de Ísis, onde os magos em semicírculo e vestidos de branco aguardavam-no em assembleia plenária. No fundo do templo esplendidamente iluminado, ele percebia a estátua colossal de Ísis em metal fundido, uma rosa de ouro ao peito e coroada de um diadema de sete raios de luz, trazendo nos braços o filho Hórus. Diante da deusa, o hierofante vestido de púrpura recebia o neófito e, sob as mais terríveis imprecações, mandava-o fazer o juramento do silêncio e da submissão. Então, saudava-o em nome de
toda a assembléia como um irmão e como um futuro iniciado. Diante destes augustos mestres, o discípulo de Ísis acreditava-se em presença dos deuses. Dignificado acima de si mesmo, pela primeira vez ele penetrava na esfera da verdade.

(1). Ver as pinturas murais dos tempos de Tebas, reproduzidas no livro de François Lenormant e o capítulo sobre o Egito na Mission des Juifs, de M. Saint-Yves d'Alveydre.
(2). Livro dos Mortos, cap. LXIV.
(3). Por ser mais inteligível, empregamos aqui a tradução grega dos termos egípcios.





OSÍRIS. A MORTE E A RESSURREIÇÃO


No entanto, o noviço não fora além do limiar da iniciação. Pois começavam agora os longos anos de estudo e de aprendizagem. Antes de chegar a Ísis Ucrânia, ele devia conhecer a Ísis terrestre, instruir-se nas ciências físicas e androgônicas. Seu tempo se dividia entre as meditações em sua cela, o estudo dos hieróglifos nas salas e nos pátios
do templo tão vasto quanto uma cidade, e as lições dos mestres. Ele aprendia a ciência dos minerais e das plantas, a história do homem e dos povos, a medicina, a arquitetura e a música sacra. Nessa longa aprendizagem, ele não devia somente conhecer, mas transformar-se, ganhar força por meio da renúncia.
Os sábios antigos acreditavam que o homem somente possui a verdade se ela se tornar uma parte do íntimo de seu ser, um ato espontâneo da alma. Durante aquele profundo trabalho de assimilação, o discípulo era deixado sozinho consigo mesmo. Os mestres não o ajudavam em nada, e muitas vezes ele se espantava com sua frieza e indiferença. Vigiavam-no com atenção; submetiam-no a regras inflexíveis; exigiam dele obediência absoluta; mas não lhe revelavam nada além de certos limites. Ante suas inquietações e perguntas, respondiam-lhe: “Espera e trabalha!”
Vinham-lhe, então, revoltas súbitas, arrependimentos amargos, suspeitas horríveis. Teria ele se tornado escravo de impostores audaciosos da magia negra, que subjugavam sua vontade para um fim infame? A verdade fugia; os deuses o abandonavam; ele estava só e prisioneiro do templo. A verdade tinha-lhe aparecido sob a figura de uma esfinge. Agora, a esfinge lhe dizia: “Eu sou a Dúvida!” E a besta alada, com sua cabeça de mulher impassível e suas garras de leão, transportava-o para dilacerá-lo na areia ardente do deserto.
Porém, a esses pesadelos sucediam horas de calma e de pressentimento divino. Ele compreendia, então, o sentido simbólico das provas que atravessara ao entrar no templo. Porque, ai! o poço sombrio em que ele quase caíra era menos negro do que a insondável verdade; o fogo que atravessara era menos temível do que as paixões que queimavam ainda sua carne; a água gelada e tenebrosa onde tivera de mergulhar era menos fira do que a dúvida em que seu espírito naufragava e se arruinava nas horas más.
Em uma das salas do Templo se estendiam, em duas filas, aquelas mesmas pinturas sagradas, cujo sentido tinham-lhe explicado na cripta durante a noite das provas, e que representavam os vinte e um arcanos.
Esses arcanos, que se deixavam entrever no limiar da ciência oculta, eram as próprias colunas da teologia; mas era preciso ter atravessado toda a iniciação para compreendê-los. Depois, nenhum dos mestres tornara a falar-lhe deles. Permitiam-lhe somente passear naquela sala, meditar sobre aqueles sinais. Ele aí passava longas horas solitárias. Por aquelas figuras castas como a luz, graves como a Eternidade, a invisível
e impalpável verdade se infiltrava lentamente no coração do neófito. Na muda sociedade daquelas divindades silenciosas e sem nome, cada uma das quais parecia presidir a uma esfera da vida, ele começava a experimentar algo de novo: primeiro uma descida ao fundo do seu ser, depois, uma espécie de desligamento do mundo que o fazia pairar acima das coisas. Às vezes, ele perguntava a um dos magos: “Ser-me-á permitido um dia respirar a rosa de Ísis e ver a luz de Osíris?” Respondiam-lhe: “Isto não depende de nós. A verdade não se dá. É encontrada em si mesma ou não é encontrada. Nós não podemos fazer de ti um adepto, é preciso torná-lo por ti mesmo. O lótus pulsa sob as águas do rio por muito tempo, antes de desabrochar. Não apresses a eclosão da flor divina. Se ela deve vir, virá no dia certo. Trabalha e ora!”
E o discípulo voltava aos estudos, às meditações, com uma alegria triste. Ele sentia o encanto austero e suave daquela solidão que passava como um sopro do ser dos seres. Assim corriam os meses, os anos. E ele percebia operar-se em si uma transformação lenta, uma metamorfose completa. As paixões que haviam assediado sua juventude se afastavam como sombras, e os pensamentos que o acometiam agora sorriam-lhe como amigos imortais. O que ele experimentava por momentos era o desaparecimento de seu eu terrestre e o nascimento de um outro eu, mais puro e mais etéreo. Com esse sentimento, acontecia-lhe prosternarse diante dos degraus do santuário fechado. Então, não existia mais nele revolta, nem desejo algum, nem arrependimento. Havia apenas um
abandono perfeito de sua alma aos Deuses, uma oblação completa à verdade. “Oh! Ísis – dizia ele em sua prece – uma vez que minha alma não é mais do que uma lágrima de teus olhos, que ela caia como orvalho sobre as outras almas e que, morrendo, eu sinta seu perfume subir em tua direção. Eis-me aqui, pronto para o sacrifício!”
Após uma dessas orações mudas, o discípulo ainda em êxtase via, de pé perto dele, como uma visão saída do sol, o hierofante envolto nos cálidos clarões do pôr-do-sol. O mestre parecia ler todos os pensamentos do discípulo, penetrar todo o drama de sua vida interior. E dizia-lhe:
- Filho, aproxima-se a hora em que a verdade ser-te-á revelada. Tu já a pressentiste descendo ao fundo de ti mesmo e aí encontrando a vida divina. Vais entrar na grande, na inefável comunhão dos Iniciados. És digno dela pela pureza do coração, pelo amor da verdade e a força da renúncia. Mas ninguém transpõe a soleira de Osíris sem passar pela morte e pela ressurreição. Nós te acompanharemos até a cripta. Não tenhas medo, pois já és um de nossos irmãos.
No crepúsculo, os sacerdotes de Osíris, empunhando tochas, acompanhavam o novo adepto a uma cripta baixa, sustentada por quatro pilares assentados sobre esfinges. Em um canto se encontrava aberto um sarcófago de mármore (1). E o hierofante o advertia:
- Nenhum homem escapa à morte e toda alma viva está destinada
à ressurreição. O adepto passa vivo pelo túmulo para, desta vida, entrar na luz de Osíris. Deita-te, pois, neste sarcófago e espera a luz. Nesta noite atravessarás a porta do Terror e alcançarás os umbrais do Mestrado.
O adepto deitava-se no sarcófago aberto, o hierofante estendia a mão sobre ele, para abençoá-lo, e o cortejo dos iniciados se afastava em silêncio da sepultura. Uma pequena lâmpada deixada no chão ilumina ainda, com sua luz incerta, as quatro esfinges que sustentam as colunas atarracadas da cripta. Um coro de vozes profundas se faz ouvir, baixo e velado. De onde vem ele? É o canto dos funerais!..., Ele termina, a lâmpada lança um derradeiro clarão, depois se extingue completamente.
O adepto está só nas trevas, o frio do sepulcro cai sobre ele e congela-lhe todos os membros. Passa gradualmente pelas sensações dolorosas da morte e cai em letargia. Sua vida desfila diante dele em quadros sucessivos, como algo irreal e sua consciência terrestre torna-se cada vez mais vaga e difusa. Mas à medida que sente seu corpo se dissolver, a parte etérea e fluida de seu ser se desprende. Ele entra em êxtase...
Que ponto brilhante e longínquo é este que aparece, imperceptível no fundo negro das trevas? Ele se aproxima, aumenta, transforma-se numa estrela de cinco pontas, cujos raios têm todas as cores do arco-íris e que lança nas trevas descargas de luz magnética. Agora é um sol que o atrai na brancura de seu centro incandescente. Será a magia dos mestres que produz essa visão? Será o invisível que se torna visível? Será o presságio da verdade celeste, a estrela flamejante da esperança e da imortalidade? – Ela desaparece; e em seu lugar um botão de flor desabrocha na noite, uma flor imaterial, mas sensível e dotada de uma alma. Abre-se diante dele como uma rosa branca; desabrocha suas pétalas e ele vê tremularem suas folhas vivas e avermelhar-se seu cálice inflamado.
Será a flor de Ísis, a Rosa mística da sabedoria que encerra o Amor em seu coração?
Mas, eis que de repente ela se evapora como uma nuvem de perfumes. Então, aquele que estava em êxtase se sente inundado num sopro quente e acariciante. E, depois de ter tomado formas caprichosas, a nuvem se condensa e se transforma numa figura humana. É a figura de uma mulher, a Ísis, do santuário oculto, porém, mais jovem, sorridente e luminosa. Um véu transparente a envolve em espiral e seu corpo brilha, revelando-se. Segurando um rolo de papiro, ela se aproxima docemente, inclina-se sob o iniciado deitado no túmulo e lhe diz: “Eu sou a tua irmã invisível, tua alma divina e este é o livro da tua vida. Ele contém páginas repletas de tuas existências passadas e páginas brancas das futuras. Um dia, desenrolarei todas diante de ti. Agora tu me conheces.


Chama-me e eu virei!” E enquanto ela fala, brota-lhe dos olhos um raio de ternura... presença de uma reprodução angélica, promessa inefável do divino, fusão maravilhosa no impalpável além!...
Mas tudo se rompe, a visão se desfaz. Uma dilaceração atroz... e o adepto se sente precipitado em seu corpo como em um cadáver. Volta ao estado de letargia consciente; círculos de fogo apertam-lhe os membros; um peso terrível comprime seu cérebro; ele desperta... e, de pé, diante dele, está o hierofante, acompanhado dos magos. Rodeiam-no, fazem-no beber um cordial e ele se levanta.
Proclama, então, o profeta:
- Eis que surges ressuscitado! Vem celebrar conosco o ágape dos iniciados e conta-nos tua viagem na luz de Osíris. Pois, de hoje em diante, és um dos nossos.
Transporter-no-nos agora, com o hierofante e o novo iniciado, ao observatório do templo, no tépido esplendor de uma noite egípcia. Lá o chefe do templo fazia, ao adepto recente, a grande revelação, narrando-lhe a visão de Hermes Essa visão não estava escrita em nenhum papiro.
Era apenas indicada por sinais simbólicos nas estrelas da cripta secreta, só conhecida pelo profeta. E sua explicação era transmitida, oralmente, de pontífice a pontífice.
– Presta atenção – dizia o hierofante –, esta visão encerra a história eterna do mundo e o círculo das coisas.

(1). Os arqueólogos viram, durante muito tempo, no sarcófago da grande pirâmide de Gisé, o túmulo do rei Sesostris, baseados na opinião de Heródoto, que não era iniciado e ao qual os sacerdotes egípcios confiaram apenas anedotas e contos populares. Mas os reis do Egito tinham sua sepultura em outro lugar. A estrutura interior e bizarra da pirâmide prova que ela devia servir para as cerimônias da iniciação e práticas secretas dos sacerdotes de Osíris. Encontra-se ali o Poço da Verdade, que descrevemos, a escadaria, a Sala dos arcanos... A chamada câmara do rei, que encerra o sarcófago, era aquela à qual conduziram o adepto na véspera de sua grande iniciação. As mesmas disposições estavam reproduzidas nos grandes templos da Idade Média e do Alto Egito.










A VISÃO DE HERMES (1)



“Um dia, Hermes adormeceu, após ter refletido sobre a origem das coisas. Um pesado torpor apoderou-se-lhe do corpo; mas, à medida que o corpo se entorpecia, seu espírito se elevava nos espaços. Então, teve a impressão de que um ser imenso, sem forma determinada, o chamava pelo nome. Atemorizado, Hermes pergunta:
- Quem és tu?
- Eu sou Osíris, a Inteligência soberana, e posso revelar todas as coisas. O que desejas?
- Contemplar a origem dos seres, oh! divino Osíris, e conhecer Deus.
- Serás satisfeito.

Logo Hermes sentiu-se inundado por uma luz deliciosa. Naquelas ondas diáfanas passavam as formas encantadoras de todos os seres.

Porém, repentinamente, trevas assustadoras e de forma sinuosa desceram sobre ele. Hermes mergulhou num caos úmido, cheio de fumaça e de um lúgubre rugido. Então, uma voz se elevou do abismo.

Era o grito da luz. Logo, um fogo sutil lançou-se das profundezas úmidas e ganhou as alturas etéreas. Hermes subiu com ele e se reviu nos espaços. O caos clareava no abismo; coros de astros ressoavam sobre sua cabeça; e a voz da luz enchia o infinito.

E Osíris perguntou a Hermes, acorrentado em seu sonho e supenso entre a terra e o céu:
- Compreendeste o que viste?
- Não, respondeu Hermes.

- Pois bem, vais compreender. Acabas de ver toda a eternidade. A luz, que viste primeiro, é a inteligência divina que contém todas as coisas em potência e encerra os modelos de todos os seres. As trevas, em que mergulhaste a seguir, é o mundo material onde vivem os homens da terra. Mas o fogo, que viste brotar das profundezas, é o Verbo divino. Deus é o Pai, o Verbo é o Filho, sua união é a Vida.


Comentou Hermes:

- Que sentido maravilhoso abriu-se para mim! Não vejo mais com os olhos do corpo, mas com os do espírito. Como é possível isto?

Osíris respondeu:
- Filho do pó! Isto é porque o Verbo está em ti. O que em ti ouve, vê, age, é o próprio Verbo, o fogo sagrado, a palavra criadora!

Então disse Hermes:
- Já que é assim, deixa-me ver a vida dos mundos, o caminho das almas, de onde o homem vem e para onde vai.
- Que seja feito segundo teu desejo.

Hermes tornou-se mais pesado do que uma pedra e rolou pelos espaços como uma aerólito. Finalmente, viu-se no cume de uma montanha. Era noite; a terra sombria e nua; seus membros pareciam-lhe pesados como ferro. E ouviu a voz de Osíris:
- Ergue os olhos e olha!

Então, Hermes viu um espetáculo maravilhoso. O espaço infinito, o céu estrelado o envolvia com as sete esferas luminosas. Com um só olhar Hermes percebeu os sete céus dispostos sobre sua cabeça como sete globos transparentes e concêntricos, cujo centro sideral ele ocupava. O último tinha como circuito a Via Láctea. Em cada esfera girava um planeta acompanhado de um gênio de forma, signo e luz diferentes. Enquanto Hermes, deslumbrado, contemplava sua florescência esparsa e seus majestosos movimentos, a voz lhe disse:

- Olha, escuta e compreende. Estás vendo as sete esferas de toda vida. Através delas se efetua a queda das almas e sua ascensão. Os sete Gênios são os sete raios do Verbo-Luz. Cada um deles comanda uma esfera do Espírito, uma fase da vida das almas. O mais próximo de ti é o Gênio da Lua, com seu sorriso inquietante e coroado de uma foice de prata. Ele preside aos nascimentos e às mortes. Separa as almas dos corpos e as atrai para seu raio de luz. Acima dele, o pálido Mercúrio mostra o caminho às almas, que descem e sobem com seu caduceu que contém a Ciência. Mais alto, a brilhante Vênus segura o espelho do Amor, em que as almas alternadamente se esquecem e se reconhecem.

Abaixo dela, o Gênio do Sol ergue a tocha triunfal da eterna Beleza.

Mais alto ainda, Marte brande o gládio da Justiça. Reinando sobre a esfera azulada, Júpiter sustenta o cetro do poder supremo, que é a Inteligência divina. Nos limites do mundo, sob os signos do zodíaco, Saturno carrega o globo da sabedoria universal (2).

Hermes falou:

- Vejo as sete regiões que compreendem o mundo visível e invisível; vejo os sete raios do Verbo-Luz, do Deus único que as atravessa e governa. Mas, meu mestre, como se realiza a viagem dos homens através de todos esses mundos?

Respondeu Osíris:

- Vês uma semente luminosa cair das regiões da via Láctea na sétima esfera? São germes de almas. Elas vivem como vapores leves na região de Saturno, felizes, sem preocupação, e desconhecem sua felicidade. Porém, ao cair de esfera em esfera, elas revestem-se de invólucros sempre mais pesados. Em cada encarnação, adquirem um novo sentido corporal, conforme o meio em que habitam. Sua energia vital aumenta; e, à medida que penetram em corpos mais densos, elas perdem a lembrança de sua origem celeste. Assim se completa a queda das almas que vêm do divino Éter. Cada vez mais cativas da matéria, cada vez mais inebriadas com a vida, elas se precipitam como uma chuva de fogo, com estremecimentos de volúpia, através das regiões da Dor, do Amor e da Morte, até sua prisão terrestre; onde tu mesmo gemes retido pelo centro ígneo da terra e onde a vida divina te parece um sonho vão.

Hermes perguntou:
- As almas podem morrer?

Respondeu a voz de Osíris:

- Sim, muitas perecem na descida fatal. A alma é filha do céu e sua viagem é uma prova. Se, em seu amor desenfreado pela matéria, ela perde a lembrança de sua origem, a centelha divina que nela estava, e que teria podido tornar-se mais brilhante do que uma estrela, volta à região etérea como átomo sem vida – e a alma se desagrega no turbilhão dos elementos grosseiros.

A estas palavras, Hermes estremeceu. E uma tempestade rugidora o envolveu com uma nuvem negra. As sete esferas desapareceram sob densos vapores. Ele então viu espectros humanos soltando gritos estranhos, arrancados e dilacerados por fantasmas de monstros e animais, em meio a gemidos e blasfêmias inomináveis.
E Osíris, então, falou:

- Tal é o destino das almas irremediavelmente baixas e más. Sua tortura só termina com sua destruição, que é a perda de toda a consciência. Mas veja, os vapores se dissipam e as sete esferas reaparecem sob o firmamento. Olha deste lado. Vês este enxame de almas que procura subir para a região lunar? Umas são rebaixadas para a terra como turbilhões de pássaros sob os golpes da tempestade. Outras atingem, em grandes vôos, a esfera superior, que as arrasta em sua rotação. Uma vez lá chegando, elas recuperam a visão das coisas divinas. Mas desta vez elas não se contentam apenas em refleti-las no sonho de uma felicidade impotente. Elas se deixam impregnar com a lucidez da consciência clareada pela dor, com a energia da vontade adquirida na luta. Tornam-se luminosas, porque possuem o divino em si mesmas e o manifestam em seus atos. Fortalece, pois, tua alma, oh!

Hermes, e tranqüiliza teu espírito obscurecido, contemplando esses voos longínquos de almas que tornam a subir as sete esferas e lá se espalham como feixes faiscantes. Pois tu também podes segui-las; basta querer, para elevar-se. Vê como elas enxameiam e descrevem coros divinos.

Cada uma se junta ao seu gênio preferido. As mais belas vivem na região solar, as mais poderosas se elevam até Saturno. Algumas sobem novamente até ao Pai, entre as potências, sendo elas mesmas outras potências. Porque lá, onde tudo termina, tudo começa eternamente; e as sete esferas dizem juntas: “Sabedoria! Amor! Justiça! Beleza!
Esplendor! Ciência! Imortalidade!”

E o hierofante, então, explicava:

-“Eis o que viu o antigo Hermes e o que seus sucessores nos transmitiram. As palavras do sábio são como as sete notas da lira, que encerram toda a música com os números e as leis do universo. A visão de Hermes se assemelha ao céu estrelado, cujas profundezas insondáveis estão semeadas de constelações. Para o menino, não passa de uma abóbada com cravos de ouro; para o sábio é o espaço ilimitado onde giram os mundos com seus ritmos e suas cadências maravilhosas.
Esta visão encerra os números eternos, os signos evocadores e as chaves mágicas. Quanto mais aprenderes a contemplá-la e a compreendê-la, mais verás se estenderem seus limites. Porque a mesma lei orgânica governa todos os mundos”.
E o profeta do templo comentava o texto sagrado. Explicava que a doutrina do Verbo-Luz representa a divindade no estado estático em seu equilíbrio perfeito. Demonstrava sua tríplice natureza, que é ao mesmo tempo inteligência, força e matéria; espírito, alma e corpo; luz, verbo e vida. A essência, a manifestação e a substância são três termos que se superpõem reciprocamente. Sua união constitui o princípio divino e intelectual por excelência, a lei da unidade ternária, que de alto a baixo domina a criação.

Tendo assim conduzido seu discípulo ao centro ideal do universo, ao princípio gerador do Ser, o mestre desabrochava-o no tempo e no espaço, sacudia-o em florações múltiplas. Pois a segunda parte da visão representa a divindade no estado dinâmico, isto é, em evolução ativa ou, em outros termos, o universo visível e invisível, o céu vivo. As sete esferas ligadas a sete planetas simbolizavam sete princípios, sete estados diferentes da matéria e do espírito, sete mundos diversos que cada homem e cada humanidade são forçados a transpor em sua evolução através do Sistema solar. Os sete Gênios, os sete Deuses, cosmogônicos significavam os espíritos superiores e dirigentes de todas as esferas, oriundos, eles mesmos, a inelutável evolução. Cada grande Deus era, portanto, para o iniciado antigo, o símbolo e o modelo de legiões de espíritos que reproduziam seu tipo sob mil variantes e que de sua esfera podiam exercer uma ação sobre o homem e sobre as coisas terrestres. Os sete Gênios da visão de Hermes são os sete Devas da Índia, os sete amachapandas da Pérsia, os sete grandes Anjos da Caldéia, os sete Sefirotes (3) da Cabala, os sete Arcanjos do Apocalipse cristão. E o grande setenário que envolve o universo não vibra somente nas sete cores do arco-íris, nas sete notas da escala musical: ele se manifesta ainda na constituição do homem, que é tríplice por essência, mas sétuplo por sua evolução (4).

Dizia o hierofante, para terminar:

- Assim penetraste no limiar do grande arcano. A vida divina apareceu-te sob as quimeras da realidade. Hermes te fez conhecer o céu invisível, a luz de Osíris, o Deus oculto do universo, que respira por dez milhões de almas, anima os globos errantes, e os corpos em ação. Cabe a ti, agora, dirigir-te a ti mesmo e escolher teu caminho para subir até o Espírito puro. Pois, de hoje em diante, pertences aos ressuscitados vivos. Não te esqueças de que há duas chaves principais da ciência. Eis a primeira: “O exterior é como o interior das coisas; o pequeno é como o grande; só há uma única lei e aquele que trabalha é Um. Nada é pequeno, nada é grande na economia divina”. Eis a segunda: “Os homens são deuses mortais e os deuses são homens imortais”. Feliz daquele que compreende essas palavras, porque possui a chave de todas as coisas. Lembra-te que a lei do mistério dissimula a grande verdade. O total conhecimento só pode ser revelado aos nossos irmãos que passaram pelas mesmas provas que nós. É preciso regular a verdade segundo as inteligências – disfarçá-la com um véu para os fracos, porque ela torná-los-ia loucos; ocultá-las dos maus, que dela só podem apreender fragmentos, dos quais fariam armas de destruição. Encerra-a em teu coração e que ela fale por tuas obras. A ciência será tua força, a fé tua espada e o silêncio tua armadura infrangível.
As revelações do profeta de Âmon-Rá, que abriam ao novo iniciado tão vastos horizontes, sobre si mesmo e sobre o universo, sem dúvida alguma produziam profunda impressão, quando feitas no observatório de um templo de Tebas, na calma lúcida de uma noite egípcia. Os pilares, os tetos e os terraços brancos dos templos dormiam a seus pés, entre os maciços negros dos nopais e dos tamarineiros. À distância, grandes monolitos, estátuas colossais dos Deuses, estavam assentados como juizes incorruptíveis sobre seu lago silencioso. Três pirâmides, figuras geométricas do tetragrama e do setenário sagrado, perdiam-se no horizonte, espaçando seus triângulos no cinzento leve do ar. O insondável firmamento pululava de estrelas. Com que surpresa ele olhava esses astros, que lhe pintavam como futuras moradas! Quando, finalmente, o esquife dourado da lua emergia do espelho sombrio do Nilo, que se perdia no horizonte como uma longa serpente azulada, o neófito acreditava ver a barca de Ísis navegando no rio das almas e transportando-as para o sol de Osíris. Recordava-se, então, do Livro dos
Mortos e o sentido de todos esses símbolos se revelava agora a seu espírito. Depois do que havia visto e aprendido, podia acreditar-se no reino crepuscular de Amenti, misterioso interregno entre a vida terrestre e a vida celestial, onde os defuntos, a princípio sem olhos e sem palavra, recuperam pouco a pouco a visão e a voz. Ele também iria empreender a grande viagem, a viagem do infinito, através dos mundos e das existências. Hermes já o absolvera e o julgara digno, tendo já lhe dito a palavra do grande enigma: “Uma única alma, a grande alma do Todo, gerou, dividindo-se, todas as almas que se movem no Universo”.
Armado do grande segredo, o neófito subia na barca de Ísis. Ela partia. Soerguida nos espaços etéreos, ela flutuava nas regiões intersiderais. Ora amplos raios de uma imensa aurora varavam os véus azulados dos horizontes celestes, ora o coro dos, espíritos gloriosos, dos Auimu-Secu, que alcançaram o eterno repouso, cantava: “Levanta-te, Rá-Hermacuti! Sol dos espíritos! Aqueles que vão em tua barca estão em exaltação! Soltam exclamações na barca de milhões de anos. O grande ciclo divino transborda de alegria glorificando a grande barca sagrada. Celebram-se festas na capela misteriosa. Levanta-te, Âmon-Rá Hermacuti! Sol que a si mesmo se criou!” E o iniciado respondia com estas palavras orgulhosas: “Eu alcancei o país da verdade e da justificação. Ressuscito como um Deus vivo e brilho no coro dos Deuses que habitam o céu, porque sou de sua raça”.
Tanto os pensamentos altivos como as esperanças audaciosas perseguiam o espírito do adepto, na noite que sucedia à cerimônia mística da ressurreição. No dia seguinte, nas avenidas do templo, sob a luz deslumbrante, não lhe parecia mais do que um sonho. Mas que sonho inolvidável fora essa primeira viagem no impalpável e no invisível... De novo ele lia a inscrição na estátua de Ísis: Nenhum mortal levantou meu véu.

Uma ponta do véu soerguera-se, todavia, mas para tornar a cair em seguida, e ele despertara na terra dos túmulos. Ah! como estava longe do fim sonhado! Quão longa é a viagem na barca dos milhões de anos! Pelo menos ele entrevira o alvo final. Mesmo que sua visão do outro mundo fosse apenas um sonho, um esboço infantil de sua imaginação ainda repleta das vaidades da terra, poderia ele duvidar dessa outra consciência que ele sentira eclodir dentro de si, desse duplo misterioso, desse eu celestial que lhe aparecera em sua beleza astral como uma forma viva e que falara durante o sono? Seria uma alma gêmea, seria seu gênio ou apenas um reflexo do íntimo de seu espírito, um pressentimento de seu ser futuro? Maravilha e mistério. Com certeza seria uma realidade, e se essa alma não fosse a sua, seria a verdadeira. O que não faria ele para reencontrá-la! Vivesse ele milhões de anos e não esqueceria esta hora divina em que vira seu outro eu, puro e radiante! (5).
Terminara a iniciação. O adepto estava consagrado sacerdote de Osíris. Como egípcio, ele ficaria ligado ao templo; como estrangeiro, era-lhe permitido às vezes retornar a seu país, para lá fundar um culto ou cumprir sua missão. Mas, antes de partir, ele prometia solenemente, mediante um juramento terrível, guardar silêncio absoluto sobre os segredos do templo. Jamais deveria contar a alguém o que vira ou escutara, nem revelar a doutrina de Osíris, a não ser sob o tríplice véu dos símbolos mitológicos ou dos mistérios. Se ele violasse esse juramento, uma morte fatal o atingiria cedo ou tarde, tão longe quanto estivesse. O silêncio tornara-se o escudo de sua força.
Regressando às plagas da Jônia, à sua turbulenta cidade, sob o choque das paixões furiosas, naquela multidão de homens que vivem como insensatos, ignorando-se a si mesmos – muitas vezes relembrava o Egito, as pirâmides, o templo de Âmon-Rá. Então o sonho da cripta lhe voltava. E como lá o lótus balança sobre as ondas do Nilo, essa visão branca sempre flutuaria sobre o rio lodoso e confuso desta vida.
Em horas escolhidas, ele ouvia sua voz, e era a voz da luz.
Despertando em seu ser uma música íntima, ela lhe dizia: “A alma é uma luz velada. Quando a negligenciamos, ela escurece e se extingue. Mas, quando nela derramamos o óleo santo do amor, ela reluz como uma lâmpada imortal!”

(1). A visão de Hermes se encontra no frontispício dos livros de Hermes Trimegisto sob o nome de Poimandrés. A antiga tradição egípcia só chegou até nós sob uma forma alexandrina ligeiramente alterada. Tentei reconstituir esse fragmento capital da doutrina hermética no sentido da alta iniciação e da síntese esotérica que ele representa.

(2). Decerto, esses Deuses traziam outros nomes na linguagem egípcia.
Mas os sete Deuses cosmogônicos se correspondem em todas as mitologias, por seu sentido e suas atribuições. Têm sua raiz comum na antiga tradição esotérica. A tradição ocidental adotou os nomes latinos e nós os conservamos para maior clareza.

(3). Há dez Sefirotes na Cabala. Os três primeiros representam o temário divino, os sete outros, a evolução do Universo.

(4). Daremos aqui os termos egípcios dessa constituição setenária do homem, que se encontra na Cabala: Chat, corpo material; Anch, força vital; Ka, duplo etéreo ou corpo astral; Hati, alma animal; Baí, alma racional; Cheybi, alma espiritual; Ku, espírito divino. O desenvolvimento dessas idéias fundamentais da doutrina esotérica será encontrado no livro de Orfeu e sobretudo no de Pitágoras.

(5). Na doutrina egípcia, considerava-se que o homem só tinha consciência da alma animal e da alma racional, chamadas Hati e Baí. A parte superior de seu ser, a alma espiritual e o espírito divino, cheybi e ku, existem nele em estado de germe inconsciente e se desenvolvem depois desta vida, quando ele próprio se toma um Osíris.






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